Desde a civilização mais antiga, a vida humana é orquestrada pelas estações do ano. No poético livro “bíblico de Eclesiaste”s, o autor sussurra pelos milênios que há tempo para plantar e para colher; para viver e para morrer.
O bicho humano é selvagem desde a semente. O rasgar e suceder dos ventos, biomas e climas insculpem rachaduras em seus calcanhares. A vida engatinha pela vida.
O Brasil — país de extensões continentais — é um prato cheio [até a borda] para os personagens literários ambientados do lado de cá do oceano (qual oceano, afinal?).
A literatura brasileira é seca, é úmida, é árida, é caudalosa.
Comecemos por Graciliano Ramos e o imortal “Vidas Secas”. A obra desliza sinuosa feito serpente pelos calcanhares ressecados de uma família sertaneja que luta pela existência no nordeste brasileiro.
O mormaço enxugado torna a lágrima chorada apenas sal e sujeira. O menino mais velho e o menino mais novo sentem a vida amarga de perto. Infância debaixo de sol. Debaixo de deserto.
Então viajamos para o pantanal sul-mato-grossense de Manoel de Barros. Por lá, Bernardo rega o rio todas as manhãs. Ele é quase árvore. Passarinho faz ninho em sua cabeça. O horizonte úmido é esticado pela Bugrinha a cada brinquedo de palavra.
A literatura brasileira é seca, é úmida, é árida, é caudalosa.
No cerrado, várias árvores só prosperam quando são queimadas. Analogia adequada que desagua no “Grande Sertão: Veredas” do genial Guimarães Rosa. Na aridez do interior central do país, Riobaldo escancara um ambiente pouco convidativo.
Já em “O Tempo e o Vento”, Érico Veríssimo ambienta sua narrativa na geografia do Pampa, o único bioma brasileiro restrito a apenas um Estado (Rio Grande do Sul).
A literatura brasileira é seca, é úmida, é árida, é caudalosa.
A vida do brasileiro é seca, é úmida, é árida, é caudalosa. As secas e as cheias regem e oprimem, ditam o ritmo e norteiam o ciclo das encarnações. É incrível como o lapso temporal de um ser humano é influenciado pelo elemento imaterial (e divino) do tempo em seu aspecto natural.
E em seus calcanhares literários, o que há escrito?
Agradecimentos cordiais ao grande amigo (e também poeta) Deyvid W. Barreto Rosa, Engenheiro Ambiental e Civil, mestre e doutorando na área de Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, que enriqueceu as mal traçadas linhas desta crônica torta com seus saberes e sapiências de professor.