Faz tempo que um bate-papo deste nível estava faltando. Adelino, é um artista plástico brasileiro. Nessa entrevista super especial, ele falou muito sobre o universo das artes visuais e como elas acontecem. Além disso, Adelino também falou da sua arte e como ele a faz. Veja:
Qual foi o seu primeiro contato com a arte e como isso aconteceu?
Absorvido por um desejo de saber e motivado pela curiosidade existente que pulsava no meu interior, desde cedo, vislumbrava com muita ansiedade o desejo de pintar. Telas, pincéis e tubos de tinta eram os objetos de desejo quando muito jovem. O desenho era o meu passa tempo preferido. Sentia uma força interior desejosa de transferir para a tela e pigmentar aqueles esboços provocados por uma interioridade fantástica, uma energia com grande vigor. Essa força interior me levou a pintar desde os treze anos de idade. Não possuía conhecimento algum de pintura, autodidata nato, tinha a certeza que havia encontrado na pintura a forma ideal de extravasar o meu mundo interior, possuído de muita coloração. E assim, aconteceram os meus primeiros contatos com a pintura.
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Você exerce outro tipo de arte além da pintura?
A poesia sempre me encantou. Sem pretensões, tenho alguns versos caligrafados no papel. Os escritos surgem como um lampejar, um brilho repentino que irradiam uma vontade de me expressar. Esta faculdade poética não me faz sentir como se poeta fosse, pois não me dedico à poesia como prioridade. Hoje os versos complementam os meus espaços vividos. Quem sabe, terei tempo para movimentar a pena com a mesma dedicação e naturalidade que manejo os pincéis e expressar a beleza da vida por meio da palavra ritmada.
Quais são suas influências? E o que te inspira no momento da criação?
Precisamos sentir, olhar, ver e apreciar tudo o que a vida nos oferece. Nas artes plásticas, não poderia ser diferente, sempre haverá alguém, que direta ou indiretamente nos traçará quase que uma diretriz, um segmento influenciador irá surgir, onde vislumbraremos um caminho que forçosamente nos induzirá a pisar, que nos influenciará e nos despertará um método, uma forma que nos atrairá. Emiliano Di Cavalcanti, um intelectual muito bem informado sobre as vanguardas modernistas do seu tempo, sempre me encantou, encanta e irá me encantar para sempre, com o lirismo impregnado em suas obras. A ousadia estética, os volumes e a riqueza de cores, influenciaram-me desde cedo. Foi observando todo esse lirismo impregnado em seus trabalhos e toda essa brasilidade que me levei a buscar e achar o caminho desejado. A influência também através de outros mestres da pintura, nunca foi à maneira e sim o método que segui. Sou da teoria que nunca devemos imitar, mas ser observadores atentos. E foi com essa luminosidade lírica, que comecei a buscar a minha identidade. É claro que sempre procurei criar o meu estilo, a minha identidade, através de minhas figuras, do meu traçado. A inspiração no momento da criação é justamente esta ousadia que tento buscar com os meus personagens dentro do meu estilo, juntamente com á estética, os volumes, a sensualidade e principalmente a brasilidade e a riqueza das cores.
Em 1966 você ingressou na Escola Nacional de Belas Artes -ENBA/RJ. O que isso contribuiu para o seu trabalho como artista plástico?
Quando ingressei na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), no curso de professorado, galgava me formar posteriormente em arquitetura. Mas o destino me traçou outros caminhos e não conclui o curso mencionado. Foi interessante e muito proveitoso o período de quase dois anos de ENBA. Já vinha desenvolvendo a minha pintura e começava a me deparar nas aulas de desenho artístico com a disciplina que já havia deixado de lado. Como todo principiante das Belas-Artes, ou quase todos, era cheio de encantamento nos primeiros tateios e me tomava de afobamento, querendo ver o trabalho pronto o mais rápido possível de qualquer jeito. Encontrei-me diante da disciplina (obediência) e a perseverança. O pintor estuda e tenta desenvolver a sua técnica a vida toda. A arte não possui tempo, já o artista sim! Tenho a certeza que a disciplina e a perseverança foram muito importantes para o desenvolvimento da minha arte, na busca do meu estilo principalmente. Isto tanto na cadeira de desenho artístico, escultura, como outras…
Você está sempre a procura de aprimorar o seu trabalho, usando a técnica. Para você, o viés artístico é um dom é algo que se adquiri com a prática?
Em todos os campos de atividade, seja artística ou outro qualquer, o aprimoramento técnico é imprescindível. É justamente através do estudo, da perseverança e disciplina, que eu tento aprimorar cada vez mais os meus trabalhos. A cada trabalho, sinto uma evolução, seja nos desenhos como nas cores. Em vários momentos, pode-se observar que quebro a perspectiva propositalmente, colocando os objetos e figuras fora da forma como se apresentam à vista. Tento fixar e dirigir o olhar do observador. O estudo das tintas e a busca de uma paleta cada vez mais diversificada de tonalidades são primordiais para os meus trabalhos, assim penso. As cores primárias, contrastando com cores secundárias, terciárias e cores complementares, provocam-me resultados vibrantes, repletos de energia, extravasando meu sentimento interior pela arte. Não podemos nos esquecer da importância da classificação das cores quanto às tonalidades e suas sensações. Falo isto com relação à chamada “temperatura das cores”. Esta é a busca da harmonia das cores, que sempre estou em busca. Muitas pessoas descobrem determinado dom ao exercerem determinadas funções. Acho que nas artes plásticas não é diferente. Essa dádiva natural floresce em algumas pessoas. Com a prática, tenacidade e estudos, ela poderá galgar um patamar diferenciado devido a esse viés artístico. Antonio Bandeira afirmava: eu não pinto quadros, tento fazer pintura. A ARTE É UM SENTIMENTO EXCESSIVO, É UMA PAIXÃO.
“Adelino busca Traçados firmes e constantes prevalecendo as sombras e os volumes numa busca incessante de harmonia das cores.”, o que tem a dizer sobre isso?
Quando falo em traçados firmes e constantes na busca incessante da harmonia das cores, estou falando em composição, estilo, na apresentação geral do meu trabalho. Ela é resultante da criação e audácia do artista. É o momento em que sinto o resultado da extração de cores mescladas, como: cinzas pálidos, amarelos claríssimos ou azuis transparentes. Estas cores o artista terá que extrair de sua paleta. É o que chamo de momento inusitado, pois corro o risco da aplicá-las intencionalmente na tela, tentando colher resultado positivo. É a união do desenho e da cor. A meu ver a arte não pode impor limites para o artista.
Você sempre mistura o real com o imaginário. De que forma você faz essa ligação? E como você transmite isso em seus quadros?
Costumo quebrar propositalmente as perspectivas nos desenhos. Com isto, tento formar uma composição ao meu modo. Ignoro a imposição de técnica para o desenho artístico, norma ou diretriz para sua execução. Faço uso do meu estilo pessoal como figurativo moderno. É assim que faço uso da minha consciência criativa. Existem objetos com cores definidas na natureza, mas nada impede que eu coloque uma tonalidade diferente. Considero a arte como um impacto visual. Tento transmitir no tema de meus trabalhos a minha ótica interior. É aí que entra o que chamo de real com o imaginário.
Você expressa muito o cotidiano em suas obras. Por que escolhe essa temática?
A temática do meu trabalho é absorvida pelo cotidiano. Isto também foi resposta à influência de vários mestres. O nosso cotidiano tem uma temática muito rica e acho que se enquadra bem com o meu estilo. As nossas festas regionais, os estilos do nosso povo e toda brasilidade existente são ricos em cultura e beleza. Sem esquecer os meus temas de flores, com o enriquecimento das cores e dos desenhos estilizados, tento desenvolver e aprimorar cada vez mais, um estilo próprio para este tema, sem perder a alegria contida nas cores vivas.