16 de janeiro de 2025
Cinema

Em entrevista, diretora de Teatro Cintia Alves fala sobre sua história e curiosidades da profissão

Foto com fundo plateia: Teatro Cacilda Becker – espetáculo FEIO (Foto: Geraldo Lima)

 

Nascida em 1972, Cintia Alves é aquela artista que tem um currículo enorme, tanto no teatro como na literatura. Sua fascinação por essa arte surgiu ainda criança. “Um momento da história com quase nenhuma tecnologia. Eram poucos os que tinham telefone em casa. Então fui uma criança que brincava na rua, que inventava histórias durante as brincadeiras, que amarrava os lençóis de casa no corpo para criar personagens. Às vezes eram personagens saídos das histórias que eu lia, às vezes eram inventados, às vezes eram personagens do SÍTIO DO PICAPAU AMARELO que passava na televisão.”, comenta a diretora.

Leitora ácida desde muito nova, ela foi despertando ao longo do tempo a paixão pelo teatro e pela literatura. Com isso, começou a ter uma visão “leitora” do mundo. “Não sou o tipo de pessoa que diz ‘no meu tempo é que era bom’, porque não vejo a história dessa forma. O meu tempo é todo o tempo no qual estou viva, mas as experiências da minha infância influenciaram muito a minha maneira de ver e fazer arte.”, explica.

Cintia também é Chefe no Grupo Escoteiro 31 Bandeirantes.

 

Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemos com Cintia Alves.

 

Rara aparição minha como atriz: espetáculo DORMILINDA

 

Você veio do teatro, mas também já trabalhou muito com literatura. Fale mais sobre isso.

Na verdade, as coisas se embaraçam na minha vida. Eu sou dramaturga e a literatura esta na base do que eu faço. Sempre fui uma criança que gostou de ler e escrever. Meu pai tinha uma biblioteca que, para os meus olhos de criança, era enorme. Nela havia a Enciclopédia Barsa, a bisavó do Google. Era lá que íamos (eu, meu irmão e irmãs) para fazer as pesquisas da escola. Eu adorava folhear a Barsa, isso me abria para muitos mundos. Havia fotos coloridas de lugares, pessoas, obras de arte. Posso dizer que a Barsa despertou muito da minha imaginação.

Eu me tornei diretora de teatro pela minha necessidade de contar essas histórias, materializá-las. O primeiro texto teatral que escrevi colaborativamente e dirigi foi baseado no livro negro de São Cipriano.

Quase tudo que encenei ou escrevi para teatro tem a ver com literatura.

Começar a escrever contos, crônicas e poesias acabou sendo uma extensão dessa visão “leitora” que eu tenho do mundo. De qualquer forma, o que escrevo fora do teatro também é bastante teatral.

 

Teve alguma peça teatral que te marcou mais que as outras?

Todas sempre marcam por algum motivo. Em 95 escrevi colaborativamente e dirigi PEDRO PAULO PEDREGULHO, que foi quando ganhei o primeiro APCA, de direção. Foi incrível, eu trabalhei com três atores fantásticos, que possibilitaram um trabalho bonito, limpo, bem acabado. Pude pôr em prática algumas das coisas que estava estudando. Eu fiz faculdade de Direção Teatral na ECA.

Em 98, eu escrevi com Wagner Santana, e dirigi MOBY DICK, adaptado de Herman Melville. Foi um trabalho muito difícil porque estava relacionado a um sítio específico, que era uma lona de circo que havia no Centro Cultural São Paulo. Tive grandes aprendizados pela dificuldade. Ganhamos o Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem pelo texto.

Em 2012, eu escrevi e dirigi o FORA DO BUMBO – O MUSICAL, que ganhou o Prêmio de Júri Popular no Festival Cultura Inglesa. Esse é um trabalho que tenho um carinho enorme porque foi a primeira vez que escrevi um musical. Compus todas as canções, a exceção de uma, feita pela Juliana Keiko. Os arranjos eram do Luciano Sallun. Foi lendo as canções de FORA DO BUMBO que os editores da QUATRO CANTOS me convidaram para escrever meu primeiro livro de poesia para crianças chamado POEMAS E OUTROS BICHOS.

Em 2015, escrevi com a Adriana Lira e Eduardo Bartolomeu e também dirigi, o espetáculo FEIO, adaptação de Hans Christian Andersen, que tinha a proposta de ser acessível para pessoas surdas e também pessoas cegas. Sem dúvida, esse foi um desafio enorme e abriu meus horizontes para lugares que eu nunca poderia imaginar. O FEIO trouxe o segundo APCA pelA proposta de acessibilidade e inclusão e também o Prêmio São Paulo de Incentivo ao Público Infantil e Jovem, pela pesquisa em acessibilidade estética.

 

Quais são os desafios, os pós, e os contras na arte cênica?

A dificuldade é o dinheiro que vem da falta de reconhecimento de que a arte e a cultura são importantes. Para quem faz teatro de pesquisa e não comercial, há uma dificuldade enorme em conseguir patrocínio. E esse teatro é o que vai a lugares que normalmente não têm contato com arte por falta de estrutura. São os lugares onde a maior parte das pessoas não têm dinheiro para pagar e os espaços são inadequados. Então o teatro é feito na rua, nas escolas, nas igrejas, em bibliotecas, em quaisquer espaços que se disponham a isso.

Há também a incompreensão de parte do público da importância desse teatro. Hoje em dia, há manifestações contra a classe artística, sobretudo por desconhecimento dos meios de produção, mas isso acontece por incompreensão de que há uma arte institucionalizada responsável por manter as coisas e os privilégios como estão. O público em geral não se dá conta de como a Arte, essa institucionalizada, participa da vida de todes. No filme, O DIABO VESTE PRADA, a personagem Miranda Priestly, feita por Meryl Streep, diz para sua nova assistente Andy, Anne Hathaway, como a moda (que é uma forma de manifestação da Arte) entra no cotidiano e dita comportamento, sem que ninguém perceba. Essa é a sutileza das coisas institucionalizadas, está lá sem que ninguém perceba.

Aqui eu quero abrir um parêntesis sobre algo que acho interessante: na França do século XVII, o rei Luís XIV, que ficou conhecido como Rei Sol, “contratou” dramaturgos para erigirem a sua imagem de divindade. Artistas de um modo geral, mas dramaturgos também, que não eram chamados assim à época, eram os poetas dramáticos. Esse foi um momento icônico de institucionalização da Arte. Havia manuais de como se devia escrever. Juntamente com isso, houve a “condenação” dos espetáculos que aconteciam nas feiras. Foram sendo criadas cada vez mais restrições para que esse tipo de arte desaparecesse. Mas ela resistiu. O teatro popular feito nas praças foi se reinventando a cada nova proibição.

Esse é o grande pró: resistimos, mesmo que isso signifique um risco enorme.

 

Você também trabalha com pessoas com deficiência. Como é esse trabalho?

Em 2012, eu participei da fundação de um coletivo chamado GRÃO que tinha a proposta de pesquisar uma forma de espetáculo que fosse acessível na sua forma de ser feito. Naquele momento, falávamos em construir algo acessível para todes. Descobrimos que TODES é muita gente, muitas diferenças. Daí começamos a pesquisar uma forma de teatro que fosse acessível para pessoas surdas e pessoas cegas, não usando um meio de tradução, como a interpretação em Libras ou audiodescrição. A estética tinha que ser acessível. Para isso, entramos em contato com a comunidade surda, fizemos oficinas, trouxemos pessoas cegas para assistir aos ensaios. A ideia é de que acessibilidade, antes de tudo, é diálogo.

 

Quais tipos de serviço você faz no teatro? Como você trabalha seu processo criativo?

Eu faço de tudo! (risos). Eu sou diretora, desde 1992, e sou dramaturga, desde 93. Mas, para que os projetos fossem adiante, muitas vezes precisei “pôr a mão” em outros setores: então aprendi a fazer luz, figurino, maquiagem, cenografia. Não posso dizer que sou profissional dessas coisas, mas tenho uma visão de todas essas coisas.

Eu trabalho sempre de forma colaborativa, sempre todo mundo dando palpite em tudo. Eu acredito que tudo nasce do palco, do elenco. O teatro é uma grande ciranda que começa dos personagens, então os outros elementos precisam ir compondo dentro dessa ciranda. Como diretora, tenho essa forte ideia de composição.

 

Tem alguma história ou curiosidade interessante que envolva sua arte?

Nossa! Um milhão!

Vou contar uma que eu acho engraçada e me veio à memória agora. Tem a ver com essa coisa de “gente de teatro” ter que fazer de tudo um pouco. Pois bem, nesse dia eu era bilheteira, de um espetáculo que escrevi e dirigi. Eu estava lá sentadinha e veio um rapaz que queria assistir à peça dizendo que era convidado da produção. Eu perguntei de quem ele era convidado e ele respondeu sem pestanejar: “da Cintia Alves”. Veja bem, eu nunca tinha visto a pessoa na minha vida. Eu, achando aquilo engraçado perguntei “da Cintia Alves?”. Ele respondeu com mais firmeza ainda: “sim, da Cintia”. Eu carimbei o ingresso dele como convidado e, quando ele estava saindo, chamei-o de volta e disse: “Só pra você saber, eu sou a Cintia Alves. Bom espetáculo”.

 

 

 

 

administrator
Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.