8 de dezembro de 2024
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CONTO: A ansiedade do vovô na hora que o cometa passou (Gil Silva Freires)

Seo Leonel tinha nascido em 1911, um ano depois da primeira passagem do cometa de Halley neste século vigésimo. Dessa maneira, como já é de se imaginar, Seo Leonel não teve a menor chance de assistir ao espetáculo astronômico.

Mas Seo Leonel, quando se fez garoto e foi informado de que o Halley cortava os céus a cada 76 anos, começou logo a fazer as contas. Estava com oito anos, o cometa tornaria a passar dentro de mais 67 anos, em 1986. Ele precisava, portanto, atingir razoável longevidade se quisesse ver o cometa dar o ar da graça.

O tempo foi passando, naquele ritmo de sempre, um ano mais longo, outro ano mais instantâneo. Seo Leonel cresceu, se formou, se casou, compôs família, se tornou avô, bisavô, enviuvou, mas nunca deixou de lado aquela obstinação: chegar intacto ao ano do cometa. E conseguiu manter-se vivo e lúcido até os 75 anos.

Ás vésperas do acontecimento a imprensa começou a dar a notícia: o cometa estava para passar. Multidões no mundo inteiro estavam na expectativa, mas não existia ninguém mais ansioso do que Seo Leonel. Ele estava contando as horas para ver o mesmo cometa que os finados pais e irmãos mais velhos tinham visto.

Chegado o momento crucial, Seo Leonel dirigiu-se com toda a família para o ponto de observação mais recomendado pelos astrônomos, na Serra da Mantiqueira. Dali daria pra ter uma visão privilegiada do astro peregrino.

 -Está quase na hora – avisou o filho mais velho, olhando o relógio.

 – Cadê? Cadê? – perguntavam os bisnetos impacientes.

 Seo Leonel se pôs de pé, olhando para o céu com fixação e solenidade. Tinha, enfim, chegado ao grande momento. O cometa de Halley passaria dentro de alguns instantes, bem diante de seus olhos.

 – Olha lá! Olha lá! – gritaram netos e bisnetos, ao mesmo tempo.

– Será que é? Será que é? – perguntaram filhos e noras, ao mesmo tempo.

Seo Leonel estava vendo. O cometa de Halley vinha cortando o céu. Era emoção demais, uma vida inteira esperando por aquele momento.

E foi tão emocionante que o coração de Seo Leonel não agüentou, fulminado por um infarto.

E o pontinho luminoso não era o cometa. Era, na verdade, um avião que passava por ali, a caminho de Cumbica.

 O Halley só passou meia hora depois.

Escrito em 10/11/1997

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Gil Silva Freires nasceu em Ilha Solteira (SP), em 1971. É romancista, poeta, cartunista e roteirista, tendo trabalhado com várias companhias de teatro e viajado parte do Brasil como sonoplasta. Atualmente vive em Andradina (SP) e mantém o canal Empório Jaburu, onde publica poemas autorais e inéditos, semanalmente.