Matar é fácil, até mesmo porque é a arma quem faz o serviço. A mão é apenas o instrumento da vontade do freguês ou de uma desavença pessoal. Difícil é conseguir conforto espiritual depois do ato.
Jeremias tinha matado ás dezenas e a carga era incomensurável. Essa culpa acumulada nos anos de pistolagem fez com que ele, pela primeira vez, quisesse buscar expiação na casa de Deus. O padre Alberto era muito respeitado nas redondezas e não havia ninguém mais confiável para ouvir sobre seus atos violentos.
Jeremias adentrou a Matriz de Poço das Trincheiras e perguntou do padre.
– Na sacristia – disse a velha Quitéria, que era responsável pela limpeza da igreja. – O moço quer o que com ele?
– Quero me confessar, com a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Velha Quitéria estranhou que aquele homem de fama tão perversa quisesse se confessar. Mas, pensou ela, devia ter mesmo muitos pecados para aliviar.
O padre veio e chamou Jeremias ao confessionário.
– Seja bem-vindo na casa de Deus, meu filho.
– Padre, eu tenho muita coisa ruim nas minhas costas. Acho que Deus não vai me perdoar, não…
– Deus é infinito em sua misericórdia. Ele não abandona nem mesmo os maiores pecadores. Pode abrir seu coração, filho.
Jeremias falou tudo, de crimes encomendados e traições. Padre Alberto escutou a narrativa sangrenta em total silêncio. Ao final, com voz penalizada e severa, disse:
– Filho, você cometeu pecados muito graves. Precisa pedir muito perdão.
– O padre não me perdoa? – perguntou Jeremias, confuso.
– Você precisa do perdão de Deus e, daqui pra frente tem que fazer por onde merecê-lo.
– O padre não vai contar isso pra ninguém, vai?
– Isso é segredo de confissão, filho. Fique em paz.
Jeremias foi embora depois de receber uma extensa penitência e pedir a benção do padre. Foi mas voltou na calada da noite, depois que a cidade foi dormir.
Vai que o padre deixava de ser padre de repente.
Escrito por Gil Silva Freires em 23/09/1993