Gregório era o único herdeiro de um tio milionário, seu único parente. Não tinha irmãos, perdera os pais muito cedo em um acidente automobilístico, era sozinho no mundo. Mas não dava a mínima pra essas coisas de família. Queria mesmo era que o tio morresse logo e lhe deixasse toda a grana.
Desde os dezessete anos vinha trabalhando como empenho na empresa do tio e já estava cansado de fingir uma afeição que não sentia pelo velho. Estava cansado de dar duro por um salário limitado, quando era o herdeiro legítimo daquele oceano de dinheiro que o velho preservava com extrema sovinice.
Ultimamente vinha trocando os remédios de coração do tio por cápsulas de farinha. Dessa forma apressaria a morte redentora do velho. Remorso não sentia, pois era por uma boa causa: o bom uso de toda a grana amontoada nos bancos que o tio amontoava nos bancos, sem desfrutar dos prazeres da vida.
Foi trocando os remédios até que aconteceu. O coração do tio parou, fulminado por um infarto certo.
Aquele era o dia mais feliz da vida de Gregório. O testamento foi aberto e sacramentou-o como o único herdeiro de toda a fortuna. Momentos depois ele saiu do escritório dos advogados como o mais recente milionário paulista. Dispensou o motorista, entrou na Mercedes prateada e foi subindo a Avenida Nove de Julho, pensando em comemorar com uma noitada no Bahamas.
O que aquele caminhão fazia ali, descendo desembestado a Rua Estados Unidos? O caminhoneiro tinha se perdido pelas ruas de São Paulo, estava confuso e sem freios. O fato é que apanhou a Mercedes prateada no cruzamento.
Gregório teve morte instantânea e o caminhão pertencia à empresa que ele tinha acabado de herdar com a ajuda dos comprimidos de farinha.
Escrito por Gil Silva Freires em 02/10/1994