12 de setembro de 2024
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CONTO: O Medo de Avião e o Vôo na Contramão (Gil Silva Freires)

Alcindo ganhou uma passagem pra Maceió. Acontece que era uma passagem de avião e Alcindo tinha pavor de avião. O lugar mais alto onde já estivera era o Cristo, em um assustador Corcovado. Agora, imagina ele, Alcindo da Silva, um simples candango vindo do Norte, voando lá por cima das nuvens, a desafiar as leis de Deus…

Deu na cabeça dele participar daquele concurso da Rádio América, que oferecia uma viagem às praias de Maceió. Vai que Deus ajudava e ele ganhava a passagem pra terrinha, assim de mão beijada. Escreveu e não é que Deus ajudou mesmo? “É Alcindo da Silva, da Comunidade da Rocinha, o grande ganhador da viagem às praias alagoanas, com direito a acompanhante”, dissera o locutor.

No dia seguinte, Alcindo foi receber suas passagens, cheio de soberba. Levaria o Josiel como companhia, que era um cabra bom e também estava havia muito tempo sem ver a mãe. “A gente pega o ônibus e em três dias estamos lá”, ia dizendo Alcindo pelo caminho. Josiel era só sorriso pela oportunidade de surpreender a família em Alagoas com a visita inesperada.

Mas as passagens não eram de ônibus; eram de avião. Danou-se tudo. Ele nunca entraria em um troço daqueles. Quis trocar por passagens da São Geraldo, mas a rádio não trocava. Pensou em vender pra alguém, mas não teve jeito. “Eu é que não entro em uma peste daquela, Josiel”.

Mas o Josiel não queria perder de jeito nenhum a chance de rever a mãe. Chegar a Alagoas de avião era coisa de sonho. Tratou de convencer Alcindo. “Imagina a gente chegando lá de avião, que nem gente rica”. E tanto disse, e tanto insistiu que Alcindo decidiu colocar o medo de lado.

Na hora da viagem Alcindo procurava conter o pânico. As pernas bambeavam mais a cada passo dado na direção da aeronave gigantesca. Só encontrou coragem pra entrar porque o Josiel estava tão abestalhado que passava tranqüilidade pra ele. Ia ser mesmo bom chegar à terrinha igual gente rica. E tinha tanta gente embarcando com eles… Avião não devia ser, afinal, coisa tão perigosa.

O vôo correu às mil maravilhas e chegaram à Maceió no horário previsto. Alcindo estava muito satisfeito, pois dormira a viagem inteira e nem chegara a enjoar como acontecia nos ônibus. Tomaram o microônibus que os levaria até o hotel, parte da premiação. Alcindo estava orgulhoso de si próprio e muito aliviado. “Até que enfim um negócio que não fica voando que nem passarinho”.

E o microônibus sofreu uma freada repentina e voou de um viaduto de vinte metros.

Escrito por Gil Silva Freires em 03/11/1993

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.