12 de setembro de 2024
Post Patrocinado - Eduardo Pastore

Frédéric Wellens – resenha musical por Eduardo Pastore

É sábado de Páscoa, quando Frédéric Wellens me envia um e-mail dizendo que finalizou a gravação do vocal feminino de sua nova faixa, “Laurentians”. A artista A. Klippstiehl faz dueto com o cantor e compositor, especialmente em vocalizações na parte final da música, um solo melancólico, adequado às imagens do vídeo e também evocadas pela letra. Uma paisagem fria, montanhosa, permeada de rios e lagos. A exata descrição da floresta Laurentians, que dá nome à canção, situada na região de Québec, cidade em que vive Wellens.

O que chama a atenção, na minha correspondência com Wellens, é que além de produzir “Laurentians” em pleno feriado, o cantor se queixa de dor nas costas. Ele menciona que talvez seja necessário recorrer a um coquetel de medicações, para poder voltar ao trabalho.

Garden Gates

É nesse espírito que o cantor canadense Frédéric produz sua arte. Incansável, em moto contínuo. Vale mencionar que “Laurentians” está sendo gravada ao mesmo tempo que Wellens lança “Garden Gates” em todas as plataformas, no dia 29 de abril. O lançamento é a primeira faixa masterizada pelo próprio cantor, que além de compor, produz as canções. A música não pode parar. 

Se “Laurentians” apresenta a novidade do vocal feminino em dueto, em “Garden Gates” o vocal grave de Frédéric assume a direção, explorando até o limite as notas graves de sua voz, como na melodia descendente do final do verso “deep blue moonlit sky”. Ou ao cantar em contraponto paralelo com backing vocals elegantes, recitados em sincronia nas frases rápidas do refrão. Impossível não lembrar da sonoridade de Paul Simon and Garfunkel.

Raízes

Músicas como “America” e “The Boxer” formam a trilha sonora da minha infância. Lembro-me vividamente da fita cassete “Simon and Garfunkel’s Greatest Hits”, tocada de forma contínua no rádio do carro, enquanto cruzávamos os 826 km que separam Brasília de Penápolis, cidade de meus avós, onde meus pais nos levavam para passarmos as férias. 

A comparação não é fortuita. Wellens, ao lado de Kings of Convenience e Band of Horses, faz parte dos discípulos que beberam diretamente na fonte dos autores de “America” e “The Boxer”. Artistas que perseguem a tradição do cancioneiro folclórico, movido a cordas de aço do violão, kick, banjo e baixo acústico para produzir a sonoridade típica do gênero. Instrumentos que formam o paredão acústico e orgânico típico do folk.

Carried By The Wind

Wellens evoca a tradição para pintar uma atmosfera soturna em sua música, mas vai além, ao mobilizar a sonoridade acústica para dar voz a uma narrativa singular. O cantor cria verdadeiras máquinas do tempo mentais, como em “Carry by the Wind”, na qual ao olhar para o passado, ele procura “tecer… tecidos de dias melhores”.

A música, dedicada à Jean-Marc Wellens (1947- 2002), é uma poesia terna sobre alguém querido que se foi. Ao cantar o passado, Frédéric faz o ouvinte viver no presente as emoções de sua infância. O sentimento único da alegria experimentada por uma criança ao ser levantada aos ombros do pai, tio ou irmão mais velho.

O mundo ao redor

Para o escritor uruguaio Eduardo Galeano, histórias servem como lunetas. Quando lemos ou ouvimos uma história, aproximamos nosso olhar para aquele universo em particular, e desfocamos do restante do mundo. “Os cientistas dizem que o mundo é feito de átomos. Eu digo que não é feito de átomos, o mundo é feito de histórias”, diz Galeano, na sua obra-prima “O Livro Dos Abraços”. 

As canções de Frédéric Wellens são lunetas que podemos mirar o passado, e ao revê-lo pelos olhos do cantor, criamos um diálogo com nosso próprio passado. Em “All Hell Breaks Loose”, o narrador diz na primeira frase “eu venho do Norte”, assim como minhas viagens à cidade de meus avós.

All Hell Breaks Loose

Na última dessas viagens, em 2021, eles já não estavam mais lá. A casa grande e antiga, cujas memórias são tão fortes, estava à venda. Possivelmente, seria a última vez que eu entraria por suas portas, passearia na biblioteca de meu avô, onde passava horas lendo nas férias da minha infância. Aprendi a amar os livros com ele. 

Se a juventude é cheia de momentos alegres, a última viagem foi permeada pela dúvida e pela nostalgia. “What if you are wrong / And all hope is gone?”, canta Wellens no refrão. Mas nenhuma história é vitória. A vida é dilema. Onde há memória, há emoção, e podemos resgatá-la se tivermos coragem, e até mesmo sorrir. “All emotions are frozen in time / Hoping for a smile”. 

Perder entes queridos é um sinal da passagem do tempo. A chegada do mês de dezembro, a cada ano, sempre nos assusta. De alguma forma, parece que o tempo passa mais rápido, à medida que envelhecemos.

Turning Grey

Se a juventude é cheia de momentos alegres, a última viagem foi permeada pela dúvida e pela nostalgia. “What if you are wrong / And all hope is gone?”, canta Wellens no refrão. Mas nenhuma história é vitória. A vida é dilema. Onde há memória, há emoção, e podemos resgatá-la se tivermos coragem, e até mesmo sorrir. “All emotions are frozen in time / Hoping for a smile”.  

Segundo João Pereira Coutinho, o tema é explorado no livro “Why Life Speeds Up As You Get Older”. O jornalista destaca duas teses. A primeira é que o tempo acelera porque os nossos dias, tomados pelas rotinas próprias da vida adulta, surgem despojados da variedade dos verdes anos. Aos dez, aos 20, o nosso roteiro biográfico mudava. Constantemente. Imprevisivelmente.

Numa outra tese, diz-se que o tempo acelera porque nós já não aceleramos como antigamente. O corpo corria mais rápido do que o rio do tempo; mas hoje ele se atrasa pelas margens. O tempo não acelera, a rigor, permanece o mesmo. Nosso corpo envelheceu, e nossos passos são mais lentos.

Frédéric Wellens enfrenta a questão em “Turning Grey”. Dezembro chega, e tudo fica mais cinza. Num jogo de espelhos entre a paisagem e nós mesmos, Wellens propõe que ao passar do tempo, ficamos cinzas como as montanhas cobertas pela neve do inverno. A rotina da vida adulta acaba provocando a sensação de que os problemas não têm solução. A chave para fazermos as pazes com o envelhecimento é olhar ao nosso redor, cuidar dos nossos. Pais, irmãos, cônjuges, os amigos mais íntimos, o nosso pequeno pelotão. São as pessoas que estão ao nosso redor que dão sentido à nossa história, e é por elas que devemos lutar.

“And it all turns grey but I’m feeling OK

Cause I’m spending my decembers with you 

If I can’t see past all my troubles at last

I just look the other way and there you are”

–  Turning Grey (refrão), Frédéric Wellens.

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Eduardo Pastore é compositor e produtor musical brasiliense. Concluiu o Master Certificate de Songwriting and Guitar no Berklee Institute of Music, e lançou mais de 30 produções, que somam centenas de milhares de plays nas plataformas. Também é curador e escritor, tendo analisado e escrito reviews de cerca de 1000 músicas de artistas de todo o mundo.