É comum (e até tradicional) que artistas da música gospel realizem lançamentos acompanhados de playback, uma faixa a mais sem voz, apenas com os instrumentos originais da versão cantada. Mas por que isso acontece, se outros gêneros não o fazem com tanta frequência e naturalidade?
Para responder a este questionamento é necessário antes entender o que há de comum no funcionamento das próprias igrejas, em especial as evangélicas. Márcio Moreira*¹, músico e há dez anos no marketing do meio musical, ressalta que é “importante que se entenda o papel da música no meio cristão. Diferente do que chamamos de ‘secular’, que é a música geral de entretenimento, a música gospel desempenha uma função muito importante de conduzir os louvores das pessoas à Deus.”
Márcio acrescenta que os louvores ultrapassam o entretenimento e a mera diversão, e é parte do estilo de vida do cristão habitual. “A cada nova música que a igreja começa a cantar em seus cultos, é muito comum que os fiéis também o façam em suas casas, em reuniões com amigos e familiares em estudos bíblicos mais reservados. O que difunde e populariza o hábito de se ter o acompanhamento musical sem voz, para que os fiéis possam louvar a Deus através daquela determinada canção.”
É neste sentido que os playbacks se tornam fundamentais. André*², da dupla sertaneja gospel André e Felipe, pontua que os playbacks servem, em especial, para facilitar os louvores das igrejas e dos cantores independentes. Para ele, os playbacks funcionam como uma ferramenta para a igreja acessar o instrumental original da música. A própria dupla André e Felipe, por exemplo, se beneficiou desta cultura no início de sua carreira.
“Tem muitas faixas de playback nas plataformas digitais que são muito acessadas. Os cantores Independentes que não gravaram ainda os seus projetos, costumam cantar com o playback de cantores conhecidos. Então por isso que a gente tem esse costume de lançar o playback nas plataformas digitais e no YouTube. É uma forma também da gente dar liberdade para essa galera cantar as nossas músicas e não depender de ensaios, não depender de músicos, principalmente para pessoas que estão começando. Então é muito importante a gente disponibilizar o playback para essa galera que está começando na música e que curte o nosso som. Nem todo mundo tem condição de levar uma banda para outras cidades, então a forma de dar certo é utilizar o playback.”, afirmou André.
Mas quem produz e trabalha com música gospel também é beneficiado. André acredita que os playbacks ajudam na divulgação das suas músicas e lançamentos. “Recebemos muita gente cantando, que marca a gente em vídeos na internet, no Tik Tok, no Instagram e no Facebook, cantando as nossas músicas com playback e a gente sempre reposta. Sempre descobre aí talentos incríveis espalhados por esse Brasil. Então é essencial no projeto.”, contou.
Márcio Moreira aponta outro aspecto, que liga artista e público. “A importância é gigante, uma vez que, ao fazer o público desejar cantar a música junto com o artista, a própria música ganha legitimidade entre os seguidores do artista em questão e a relação do público com aquela música seja muito mais íntima e fidelizada, já que o fã não apenas ouve, mas ouve o suficiente para aprender e cantar com playback.”
Márcio Moreira aponta outro lado: “Como label da indústria da música vejo como uma oportunidade valiosa de, não apenas multiplicar o número de execuções de um artista com uma mesma produção, como também um poderoso instrumento de divulgação e propagação da música em questão, uma vez que oportunizará as congregações de também cantarem, conhecerem e consumirem essa música.”
CURIOSIDADE: Márcio Moreira destaca o gênero pentecostal neste processo. “Sobretudo o gênero pentecostal, que tem um público muito caloroso é um segmento dentro da música gospel onde a cobrança pelo lançamento das versões em playback dos lançamentos é quase que imediato. É muito comum que, quando um lançamento pentecostal saia sem uma versão playback, os admiradores dos ministérios e fã clubes automaticamente comecem a cobrar nas redes sociais pelo playback.”
*¹Márcio Moreira: Jornalista de formação e há uma década atuando na música como marketing, artista relation e A&R, com passagem pela Som Livre, experiência na área de música da ByteDance/TikTok e atualmente sócio e diretor de marketing da eclética gravadora Labidad Music. Nesse tempo, já trabalhou com artistas como David Quinlan, Davi Sacer, Ton Carfi, Ney Matogrosso, Erasmo Carlos. Também segue carreira solo como cantor e compositor.
*²André: membro da dupla paulista André e Felipe, em atividade há mais de 23 anos e considerada uma das mais importantes do sertanejo gospel. André e Felipe coleciona milhões de audições e views em clipes.