4 de outubro de 2024
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Muitos artistas querem o mercado; Tetel também o quis, mas na sarjeta encontrou sua liberdade artística

Tetel Di Babuya — cantora, compositora, violinista e poeta — é um projeto lançado por uma artista do interior de São Paulo, Araçatuba. Apaixonada pela arte, vive financeiramente dela em especial como violinista, instrumento com o qual se apresentou em diversos segmentos, de aniversários à funerais. Também bacharel em Música pela USP e mestre em Música pela UNESP, Tetel se aventurou em uma discografia como cantora em 2020, algo inédito em sua carreira até então.

A estreia foi com “Mon Choux”, álbum despretensioso comercialmente, mas que despertou o sentimento de “showbusiness” em Tetel, algo também novo para ela. Essa “coceirinha” pela carreira mainstream a despertou uma ansiedade em “como fazer isso”, e o desespero a fez enviar exagerados números de e-mails para gravadoras e selos norte-americanos, uma vez que suas músicas eram cantadas em inglês e o mercado mais próspero seria o internacional. Destes e-mails, apenas uma resposta, era um selo nova-iorquino independente, a Arkadia Records, que a abraçou e investiu tempo e dinheiro na nova artista do seu catálogo.

“Mon Choux” se tornou “Meet Tetel”. Deixou o aspecto artístico em sua totalidade, partindo para uma busca por views, receita, comércio. “Meu lindo ‘Mon Choux’ virou ‘Meet Tetel’, igualmente lindo, mas bem menos meu”, definiu ela em entrevista a Arte Brasileira. A partir desta afirmação, já percebemos que algo deu errado, mas não necessariamente com a gravadora, que a tratou com o devido merecimento e respeito. A vida artística de Tetel havia se tornado um mercado, seu papel já não era mais compor, produzir e gravar. Passou a se preocupar incessantemente em responder às exigências do selo, que, por sua vez, recebia as exigências do próprio mercado musical, este um inimigo em potencial da arte pura e real. Isso fez sua arte receber interferências, tendo que se adequar ao mercado. E, então, Tetel compreendeu de vez que não leva jeito algum para a carreira comercial.

“Aprendi que não tenho nenhum tino pro showbiz, mas não sei viver sem criar, uma combinação que leva qualquer artista à sarjeta. E aqui estou, às vezes feliz, mas muito livre na minha sarjeta, onde pude criar meu novo projeto, ‘8.12’ (spotify). É um álbum experimental, talvez Jazz? Nele, finalmente consegui achar um lugar comum entre o violino e o canto e pude incluir uma das minhas alegrias, a poesia. É um álbum cheio de verdades e nenhuma expectativa comercial, um álbum que representa minha transformação desde o ‘Meet Tetel’. Junto com ele lancei meu primeiro livreto de poesias, ‘Vozes’. Abraço árvores, não encontrei Jesus, mas quem sabe um dia vivo vendendo miçanga na praia.”

A história é interessante, e Tetel é merecedora de um espaço adicional para descrever mais detalhes sobre o assunto. Veja à seguir:

Como foi essa busca pelo sonho comercial? Como foi fechar contrato com o selo norte-americano e que expectativas isso lhe trouxe?

Como Marcela, minha vida profissional sempre foi tocando violino em orquestras, musicais, bandas, eventos corporativos, casamentos, hospitais e até funerais. Eu cantava por hobbie e quando gravei meu primeiro álbum autoral fiz isso de forma muito caprichosa, detalhista, num estúdio conceituado com músicos excepcionais, mas totalmente despretensiosamente. Quero dizer, diferentemente do violino, onde de certa forma, sempre trabalhei para uma instituição ou para outras pessoas, fiz esse álbum para mim, com o que eu queria ouvir, sem hierarquias, maestros ou produtores. Havia partituras básicas, mas não disse aos músicos o que tocar, eles ficaram livres pra se expressar em cima das harmonias e base melódica, coisa que eu mais amo no jazz. O que eles tocaram eu jamais teria sido capaz de compôr e sou muito grata à contribuição artística deles. Foi um processo de liberação, tudo feito muito seriamente mas com muita espontaneidade. Sou apaixonada por todas as artes e queria uma capa especial pra esse projeto, assim conheci a Paula Portella que me pintou maravilhosamente num quadro que é a das minhas coisas mais preciosas e cuja foto virou a capa do “Mon Choux”. Além disso, ela fez a arte do encarte e me ajudou em tudo pra fazer o CD físico, que ficou um bibelô.

Com o CD em mãos comecei a sentir a coceirinha da ambição. Num misto de orgulho e insegurança, achei que tinha feito algo especial mas precisava de validação externa. Por  vários motivos, nenhum deles uma expectativa comercial, escrevi a maior parte das canções em inglês. Trabalhei com uma assessora na época do lançamento do álbum que me disse o quanto ia ser difícil levar a carreira adiante no Brasil escrevendo em inglês. Comecei a me sentir frustrada e meu ego foi ficando perturbado cada vez que alguém dizia: mas porque você fez um álbum em inglês sendo brasileira?

Querendo provar sei lá o quê, comecei a mandar o álbum para algumas gravadoras de jazz independentes nos EUA e na Europa. 99% nem respondeu, e do 1% que respondeu, uma realmente mostrou um interesse sincero no meu trabalho, uma gravadora independente de NY.

Eu me sentia à deriva no mar sem saber nadar e essa resposta foi um bote salva vidas. Agora, em retrospecto, vejo que eu não estava à deriva coisa nenhuma e eu não precisava ser salva por produtor nenhum. Mas há 4 anos atrás eu era uma pessoa bem diferente.

Após trocas de e-mails, skypes e muito cortejo dos dois lados, assinamos um contrato para 5 álbuns, e o que eu mais queria aconteceu, o dono da gravadora quis comprar os direitos do “Mon Choux” e relançá-lo no seu selo.

O que em “Meet Tetel” você considera ter sido “lindo, mas bem menos você”?

O relançamento do “Mon Choux” foi o começo do fim do meu projeto com a gravadora.  É difícil pra mim falar sobre essa época porque me recuso a ser ingrata com um selo que acreditou em mim e investiu tempo e dinheiro no meu sonho. Resumindo, aprendi nesse processo que a Tetel é a única parte de mim que não admito que ninguém meta o dedo, mesmo com a melhor das intenções. Tenho orgulho do “Meet Tetel” e de tudo que fiz para que ele acontecesse, mas ele tem um gostinho residual amargo na boca pra mim.

Em qual momento você compreendeu que seu caminho era outro, a arte em si e não o comercial?

Depois que encerrei o contrato com a gravadora, que aliás foi inacreditavelmente justa e compassiva comigo quando tomei essa decisão, fiquei quase dois anos com qualquer ímpeto criativo dormente. Durante o tempo que trabalhei com a gravadora vi de relance, bem de longe, o que eu precisaria fazer caso o meu sonho fosse fazer “sucesso” no mainstream. Eu realmente achava que esse era meu sonho. Admiro demais os artistas que conseguem isso, que conseguem ser eles mesmos e triunfar no jogo do showbiz. Já eu, qualquer coisa que não seja escrever música, ir no estúdio e tocar ao vivo se torna insuportável pra mim. E aprendi que apenas essas 3 coisas não fazem uma carreira musical rentável de um artista solo.

Quando você diz que “8.12” não tem expectativa comercial, o que quer dizer?

Foi ótimo ter entendido que a minha ideia de carreira musical era errada. Talvez o que aprendi seja óbvio, mas pra mim não era. Acho também que é uma questão pessoal, acho que a maioria das coisas que eram pedidas de mim pela gravadora seriam coisas que muitos artistas adorariam fazer e veriam como tirar a sorte grande.

Por exemplo, acho que muitas compositoras gostariam de ter alguém injetando dinheiro no seu projeto e te estimulando a escrever um hit. E, pra ser justa, eu nem sabia que não queria escrever um hit até trabalhar com uma gravadora. Eu nem pensava em hits, plays, fãs e todo o etc que fazem um artista poder viver da própria música. Tentei me importar com essas coisas, que são coisas importantes e válidas, mas não consegui.

Todo esse processo foi muito sofrido, mas libertador. Consegui fazer um álbum novo no qual eu acredito, estou 100% nele, vulnerável e sem retoques. Finalmente sinto a paz de quem criou algo que precisava ser criado pelo simples ato de criar. Confesso que fiquei tentada a entrar na roda de moer músico de novo, desta vez porque simplesmente queria que meu álbum fosse mais ouvido. Mas estou encontrando o meu próprio “sucesso”, onde a criadora aprende a se bastar com sua criatura.

Viver da arte e estar na “sarjeta”. Como lidar com essa questão? O que você pode ensinar aos outros artistas a respeito disso?

Porque eu tenho uma carreira paralela (que me dá o mínimo pra viver no mundo real e que por sorte também é na música) eu tenho o luxo de fazer a arte por si mesma, sem pensar em nenhuma consequência financeira. Pra fazer meu novo álbum eu tive ajuda de amigos e apoiadores da arte através de uma vaquinha, sou eternamente grata a cada um. Não me arrependo de nada que fiz desde que criei a Tetel. Não sou a favor de conselhos, fui totalmente sincera nas minhas palavras até aqui e garanto que não tenho nada a ensinar porque tudo que aprendi de mais valioso foi nos meus próprios tropeços.

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.