Existem semanas que mancham o calendário e existem noites tão bonitas que fazem dele algo memorável. Sinto que essas duas ocasiões podem se coincidir. Há noites bonitas dentro de semanas difíceis. Há momentos que são como tratados de paz dentro de uma guerra mundial. E completamente desgastado pela ansiedade que os dias nos trazem atualmente, consegui entender essa mensagem ao conhecer um pouco da música de Julho Cesar, um cantor nordestino conhecido como “Julhin de Tia Lica”.
Julhin faz parte do coletivo “O Candiero”, um coletivo de artistas do nordeste. Ele propaga uma mensagem de paz regada a dialetos regionais, cultura nordestina e um carisma vitorioso de um soldado que já voltou de muitas batalhas. Seu álbum novo, “Auto do Céu”, lançado dia 31 de agosto desse ano (2020), foi capaz de pincelar meu coração com poesia e conta com algumas das melodias mais lindas que já ouvi em toda minha vida. Além de falar sobre o enterro do céu em “Primeiro Ato”, sobre o pesar de um povo sofrido que traz no peito a esperança de um céu ainda vivo, Julhin de Tia Lica aponta para a fé (seja em Deus, em dias melhores, enfim) como um dos maiores trunfos da humanidade.
O tom descontraído em que ele canta suas músicas me traz à lembrança nomes de grandes personalidades nordestinas, como Roberto Diamanso e até mesmo o saudoso Ariano Suassuna por toda a criatividade da história. Não vejo como ouvir “Auto do Céu” e não imaginar que poderia ser facilmente uma conversa entre João Grilo e Chicó (personagens de Ariano Suassuna, em Auto da Compadecida) em que apesar das adversidades, eles conseguiriam dar a volta por cima.
E essa ideia de dar a volta por cima foi a primeira impressão que tive ao ser apresentado às suas músicas. O conheci em uma dessas semanas difíceis enquanto conversava com uma amiga. Contando um pouco dos problemas para ela e crendo firmemente que Deus estava caminhando ao meu lado, ela me indicava algumas músicas cristãs, dentre elas “Oração de São Pedro”, também de Julho Cesar. Fiquei bastante curioso para saber mais, ouvir mais algumas coisas e naquele momento o “Auto do Céu” ainda não tinha sido lançado. Lembro que acordei de madrugada no dia do lançamento, coloquei o álbum no spotify e decidi deixar que a ferramenta de “ordem aleatória” me mostrasse qual deveria ouvir primeiro. Foi quando conheci “Volta”. Nela, Julhin de Tia Lica remete a atenção do ouvinte a bons pensamentos mesmo diante do caos que anda o mundo. Ele fala sobre as injustiças, a doença, a incompetência de alguns líderes e mostra que mesmo assim ainda há esperança. Como cristão, Julhin nos faz pensar sobre a volta de Jesus mesmo sem citá-lO diretamente. Nesse dia, fiquei consideravelmente mais calmo ao escutar o seguinte trecho:
“quando anoiteceu, dormi
e o tempo foi embora sem me avisar
quando me avexei, o tempo parou
…”
O nordeste carrega no peito a esperança e a alegria de dias melhores, anseia pelo futuro enquanto batalha por ele. O mundo precisa conhecer “Auto do Céu”. O mundo precisa conhecer o motivo de eu deixar aqui o agradecimento à minha amiga e a Julhin de Tia Lica, por terem me ajudado a aprender uma das mais belas lições deste ano: que existem noites tranquilas dentro de semanas turbulentas. E que está tudo bem assim.