14 de julho de 2025

CONTO: O Desengano do Rock Star Paulistano (Gil Silva Freires)

Tinha uma guitarra elétrica, canções e sonhos na cabeça.

A paixão de Alécio pelo rock and roll era coisa herdada de um tio roqueiro que, hoje em dia, não tocava mais nada, mas tivera uma banda meio Velhas Virgens no começo dos anos oitenta. O tio de guitarra pendurada vivia dizendo que aquele garoto de dezenove anos tinha todos os predicados para sobressair no cenário musical.

Na garagem apertada, no Alto da Lapa, os ensaios da banda Gaia duravam horas. E só eram interrompidos no começo da noite, quando o pai de Alécio retornava do trabalho e o velho opala comodoro ocupava o estúdio improvisado.

Até aquele dia, Alécio, Jéferson e Fernando eram apenas mais uma banda cover se repetindo em shows esporádicos e o sonho de gravar um disco não parecia próximo de ser realizado. Mas tudo mudou de uma hora pra outra naquela tarde, quando uma gravadora entrou em contato com Alécio. Gostaram muito de uma fita demo que ele lhes enviara e estavam interessados em lançar o primeiro long-play da banda Gaia.

Era o sonho da vida de Alécio e ele mal podia acreditar. Tocou até altas horas sozinho no quarto e dormiu abraçado à sua dolphin preta.

Em um prazo de trinta dias, estavam tocando nos programas de televisão. Suas canções eram tocadas em rádios por todo o país e cantadas por multidões nos shows. O público tinha se rendido ao carisma de Alécio.

Os cachês eram cada vez maiores e Alécio já começava a fazer planos de montar um estúdio próprio. Já não andava pelas ruas de São Paulo sem que inúmeras pessoas o reconhecessem. Era muito gratificante entrar em uma loja e ver seu próprio disco como item de destaque.

Mas Alécio deixou-se levar pelo sucesso. Começou a ter ataques de estrelismo, evitava os fãs, participava de noitadas, faltava a compromissos em cidades menores, já não se entendia bem com os companheiros de banda.

Em mais seis meses pararam de tocar a banda Gaia nas rádios, já não eram convidados por programas de televisão, as pessoas seus discos passaram a ser vendidos como ponta de estoque nas lojas.

O sucesso tinha passado.

Alécio não podia conviver com aquela queda. Não imaginou que o sucesso da Gaia fosse durar tão pouco. Telefonou pros companheiros de banda e eles disseram que estavam pensando em desistir da música.

Alécio trancou-se no quarto e embebedou-se de uísque. Saiu de madrugada pra rua, com sua dolphin preta, cantando canções da Gaia e foi atropelado.

Morreu algumas horas depois, no hospital.

Naquela tarde, algumas horas antes, a gravadora resolvera produzir um segundo disco da banda e um fã-clube oficial tinha sido montado.

No exato momento em que Alécio dava entrada no pronto-socorro, essa frase era pichada no muro de sua casa: “GAIA, NÓS AMAMOS VOCÊ”.

Capa da publicação | Capa do conto “O Desengano do Rock Star Paulistano”, desenhado e idealizado por Gil Silva Freires.

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