Maldita família. Malditos papai-mamãe-titia, como diziam os Titãs.
Kleber era fã incondicional dos Titãs e a proibição paterna de assistir ao show da banda favorita tinha sido decisiva. Andava cada vez mais saturado com seo Clóvis, dona Antônia e a Andréia. Todos precisavam sumir para que ele não precisasse mais cortar os cabelos, abaixar o volume do estéreo, perder a chance de ver o Paulo Miklos de perto ou ver a chata da irmã caçula que, mesmo com dezoito anos, recebia todos os mimos da casa.
Depois de mais uma briga com a irmã, que chamou os Titãs de banda de merda, Kleber se fechou no quarto e ficou horas pensando em uma solução para todos os problemas.
Começou a cogitar uma fatalidade, uma daquelas falhas humanas pelas quais as pessoas estão sempre morrendo. Ele então pensou que dona Antônia podia cometer uma dessas falhas na cozinha. E decidiu que ia acontecer naquela noite mesmo.
Tudo ao mesmo tempo agora, como cantavam os roqueiros favoritos, em octeto.
Boa noite papai, boa noite mamãe, boa noite maninha. Bons sonhos com a companhia de gás. Foi pra cozinha, tomou três long necks, virou a torneirinha, os botões e sentiu o fedor tomando conta do pequeno apartamento. Depois saiu pra dar uma volta com o carro do pai, que logo seria dele.
Voltou tarde da noite pra conferir a chacina e todos tinham mesmo saído de sua vida sem violência. Telefonou pros bombeiros pedindo ajuda e simulando desespero.
Foi pra cozinha, fechou a torneirinha do gás e abriu as janelas. Acendeu um cigarro, pensando na vida livre que teria dali por diante e jogou fósforo no carpete, sem pensar que o gás de cozinha pesa mais que o ar.
E não pensou em mais nada.
Escrito por Gil Silva Freires em 12 de abril de 1993