A LENDA DO ASA BRANCA – de Aldo Moraes
Luiz subia as escadas da casa na fazenda do patrão todos os dias de manhã.
Estava sempre descalço, de calça comprida e camiseta. Um chapéu na cabeça.
Acostumara-se desde criança em servir os patrões, acostumara-se com a roupa e com a seca daquele sertão.
Em outros tempos, ajudava nas tarefas e também brincava. Agora só há trabalho e à noite, o som da viola e da sanfona.
Luiz se lembra da árvore onde muitas vezes dormiu: de sono e fraco com a pouca comida que lhe sustentava o corpo.
Com o tempo, o pai conseguiu um pedacinho de terra e pode plantar umas raízes e criar umas galinhas. Comida não faltaria mais…
Sempre servindo os mais ricos, a família nunca saiu daquele sertão e os olhos já cansavam de não ver nada novo.
Luiz tem na memória o dia em que se tornou homem: sem estudo, sem idade, sem terras e sem comida o menino se viu confrontado pela vida.
Passeava pelos arredores da fazenda na companhia do cavalo Hércules e apreciava a paisagem, as árvores, o rio e as meninas que passavam pela estrada.
Chegou a sonhar com algo mais, com estudo, comida e uma namorada.
De fato, Luiz carregava no coração o que aprendera com a família e era um homem simples demais para sonhar com a cidade ou com outras conquistas.
Seus olhos eram fundos, as palmas das mãos e dos pés eram cheios de calos em virtude do trabalho rude e o corpo sempre suado e sem perfume.
O pai era antigo peão e sua mãe lavava e cuidava da roupa dos donos da fazenda. Assim, o menino nasceu, foi crescendo e aprendeu os macetes de servir.
Nesse dia, Luiz avistou Ana, a menina rica da fazenda. Ela chorava e ele se aproximou.
A moça trazia nas mãos um pássaro ferido por algum caçador, o que era comum naqueles arredores.
Os pobres caçam para comer e os rapazes ricos, por puro prazer.
Ele se aproximou e se ofereceu para salvar o passarinho já que Ana chorava.
Luiz lavou a ferida nas águas do riacho e com o lenço branco de Ana, estancou o sangue do pássaro.
Mas o irmão dela também passava por ali e vendo a cena: Luiz abaixado conversando e Aninha chorando, imaginou que o jovem peão magoara a irmã.
Puxou a faca do cinto e partiu para cima de Luiz, ferindo-o, ao que o pobre peão respondeu com socos e pontapés. Mas Luiz desfaleceu e foi levado ao hospital sob gritos do irmão da bela herdeira. O rapaz jurava matar o peão.
Na sede da fazenda, horas depois, tudo estava esclarecido e o menino rico embora se inquietasse com a possibilidade da morte de Luiz, ainda assim se mantinha altivo e dizendo ter defendido a irmã.
do hospital, Luiz acorda e dorme de novo. Acorda e torna a dormir. Está sob efeito de remédios e toma soro.
Tem sono e sonhos que se repetem e um ritmo balançado não sai de sua cabeça.
A menina Ana e a pobre Rosinha não saem de sua cabeça. O coração sofre e a cabeça não pára de pensar…
Ele pede ao pai para buscar a velha sanfona que está a tanto tempo na família e que anima bailes pela região toda.
Um dó aqui, um fá ali e Luiz vai transformando os sons em dança.
Dias depois, na fazenda o patrão pede desculpas ao jovem Luiz e lhe compensa com um bom dinheiro.
Ele fica uns dias em casa porque ainda não pode trabalhar e planeja se pede Ana ou Rosinha em namoro.
Apesar do reconhecimento do patrão e do pedido de perdão do irmão, ele pensa que Ana é um amor impossível.
Luiz vislumbra a beleza cabocla de Rosinha mas sabe que vai ter que casar e ficar por ali mesmo…
Ele sonha com as luzes, com a cidade e com sua sanfona…
Luiz quer pegar um pau de arara, quer tomar refrigerante e morar na cidade grande, São Paulo talvez.
O fato é que meses depois tudo voltou ao normal: Ana indo e voltando da faculdade; o irmão dela cuidando dos negócios; Luiz trabalhando e levando Rosinha à quermesse.
Mas Luiz foi juntando dinheiro e um dia, partiu na madrugada com seu cavalo Alazão. Deixou o bicho voltar sozinho no sereno da noite e tomou um pau de arara rumo à capital.
De lá, pegaria um ônibus rumo ao Sul.
No outro dia, seu pai com alguma dificuldade e enorme emoção, leu o bilhete que dizia assim:
“Pai e mãe, hoje eu decidi partir. To levando a sanfona.
Um beijo prá Rosinha.
Lembranças ao patrão, Felipe e Ana. Fala prá ela cuidar do nosso passarinho Asa Branca.
Pai, eu deixei uma cajuína pronta no fundo do forno.
Inventei um tal de baião e vou tentar a sorte no Sul.
Um dia eu volto com um fole prateado.
Até Luiz”
Músico e escritor, Aldo Moraes produziu em 2002 o CD Arte Brasilis com música e poesia; lançou os CDs Gestos (piano solo); Poemas do Amanhecer e Segundo Olhar; o romance Casassanta e o livro Poemas do amanhecer (ambos pelo Clube de autores).
É diretor do projeto musical batuque na caixa, premiado com o selo Itaú Unicef, Prêmio Cidadania e Leitura para todos (Minc). Moraes foi Secretário de Cultura de Londrina.
CONTO: A Lenda do Asa Branca – de Aldo Moraes
Matheus Luzi
Podcast Investiga: Como era trabalhar na MTV? (com Perdido)
Nos anos 1990 e 2000, a MTV Brasil, emissora aberta de radiodifusão, não era nada comum para o padrão da.
Maringa Borgert guia passeio pela história, cultura e artes do Mato Grosso do Sul
O Mato Grosso do Sul é um estado independente e unidade da Federação desde o final dos anos 1970 quando.
CONTO: A Confirmação do Segredo de Confissão (Gil Silva Freires)
Matar é fácil, até mesmo porque é a arma quem faz o serviço. A mão é apenas o instrumento da.
Curta a Festa Junina ao som de “Arraiá da Aydê”
A festa junina originou-se antes mesmo da Idade Média, há séculos. No Brasil, foi trazida pelos portugueses ainda no Brasil.
LIVE BRASILEIRA #10 – Piêit e sua “Maré de Pé” e o reggae “Lean On
No dia 18 de agosto de 2022, o jornalista Matheus Luzi conversou com o cantor e compositor Piêit sobre seu.
Calu Manhães estreia como atriz na Amazon Prime em filme musical “Um ano inesquecível –
Estreou na Amazon Prime o filme “Um ano inesquecível – Outono”, dirigido por Lázaro Ramos. Com ele, nasce uma atriz,.
As tradições culturais do Pará e de Minas Gerais se encontram na banda Tutu com
Bruna Brandão / Divulgação Apesar do disco de estreia ter sido lançado em novembro de 2021, a banda Tutu com.
“Sertão Oriente”, álbum no qual é possível a música nordestina e japonesa caminharem juntas
A cultura musical brasileira e japonesa se encontram no álbum de estreia da cantora, compositora e arranjadora nipo-brasileira Regina Kinjo,.
CONTO: A Falta de Sorte no Pacto de Morte (Gil Silva Freires)
Romeu amava Julieta. Não se trata da obra imortal de Willian Shakespeare, mas de uma história de amor suburbana, acontecida.
Podcast Investiga: O quê realmente faz o diretor de imagem? (com Diogo Pace)
Este episódio tem o intuito de investigar uma profissão essencial de toda produção audiovisual, como programas de entretenimento e jornalismo,.