12 de setembro de 2024
Literatura

[CONTO] “Bairro da Cocota”, de Mário Carioca

 

Zuleide sempre teve medo do marido. Não de que ele batesse nela, a mão dele já tinha até uma vaga reservada no rosto dela. Principalmente quando ele queria o que achava que lhe era devido, e ela estava sentindo suas cólicas femininas que a faziam sentir que estava grávida de pedras. Mas o medo era do que ele poderia fazer com os outros. Marquinhos era como todo mundo o chamava. Mas ele parecia um gorila. Com a famosa aparência Brutos do Popeye, ele parecia um borracheiro de um filme do José Padilha. Mas era taxista. E como taxista ele levava muitas pessoas dentro daquele carro.

Um dia, ele perguntou o porquê de tanto ela fazer o cabelo com Silvio. Não é Silvinho nem Sil. Silvio era como todos diziam. Afinal, ele fez questão de colocar uma fachada enorme com seu nome em fonte clássica dos anos 40, de cor amarela. Não tem nada mais chamativo num bairro do Rio De Janeiro que uma fachada de cor amarela em uma rua onde todas as casas ou são cinzas e todas as lojas com fachadas e toldos sujos de chuva, poluição e do brasileiro. Mas Silvio fazia questão de sempre deixar sua fachada limpa e clara para que todos soubessem como achá-lo.

As únicas pessoas que ele não queria que o achassem nunca se chamam: Junin Galo, Maceió e Belém, Osmar e o Zé, porque todo bairro carioca tem um Zé. Esse é um zé diferente. Não era Zé de José. Nem mesmo Zé de Zélio. Muito menos Zé de Zebeleu. Não. Era porque ele foi pego na cama com a esposa de um sargento. Só que ele nunca dizia seu nome de verdade. A verdade é que ele sempre dizia para todas elas que ele era o Zé, já que ali no bairro da Cocota havia mais uns vinte com aquele nome. Quando o sargento da polícia chegou em casa, pôs as chaves na mesa e chamou: Amor, uma voz soou em uníssono.

– AMOR!

Só que o tom de malícia era notável naquele ponto da vida do velho Sargento Birrento. Ela não gemia enquanto gritava aquela palavra. Estava gozando. Ele chegou no ponto final daquela vez, mas não última. Quando ele abriu a porta do quarto bem devagar, colocando com cautela o olho esquerdo pela fresta da porta, enxergou a silhueta das costas nuas de sua mulher. E como era bonita aquelas costas negras com aqueles cachos castanhos jogados para trás. Deixou o sargento com tesão na hora só de ver aquela imagem. Mas a verdade é que no instante que ele sentiu sua calça apertar também fez o mesmo com o gatilho.

– MAS PUT… – Ele nem pode continuar. Só ouviu ela dizendo:  Zé, preciso de mais. Preciso de mais. Nem pode xingar a mãe do homem, só saiu atirando e acertou o travesseiro. O Zé? Já tinha pulado pela janela com o pinto mole já balançando por entre o mato que ficava no quintal dos fundos da casa do sargento. E tudo que ele sabia era isso. Zé era seu nome e o pinto era médio. O Sargento nem tentou pular para o quintal, só ligou para os amigos do quartel que ele sabia que já tinham feito o mesmo. O primeiro conselho deles foi:

– Birra, seguinte. Não mata a piranha, uma hora vão achar. Deixa presa passando fome. Vamo atrás do pau mediano.

A história conta que nunca acharam o Zé. Nem o sargento e nem a mulher dele, que inclusive, nenhuma academia que ela tenha entrado antes foi tão eficiente quanto a dieta que o sargento a pôs nos dias seguintes. Não só isso. Ela saiu do trabalho de recepcionista do curso de inglês, e quem sacou o FGTS vocês já devem imaginar, né. Não foi o Zé.

Não, não. O Zé um cara cauteloso, mas que se ele descobrir o que o Silvio faz durante a noite, provavelmente não vai ser uma visão tão bonita quando as costas daquela negra linda, cor de avelã. Vai ser ele com uma faca de churrasco correndo atrás do Silvio chamando-o de viadinho. Cinco homens com uma sentença de morte. Por que, enquanto o Marquinhos odiava o fato da Zuleide ir no Silvio, pois já tinha ouvido certas histórias (algumas inclusive era na verdade o Zé, mas colocaram na conta do Silvio para provocar mais ainda o Marquinhos no boteco), ele não sabia que a preocupação dele era a maior. Mas o que Silvio fazia com quatro mulheres. Porque a Nilda, Maria, Leila e Myllena era quem ele comia. Só que, respectivamente, elas eram as mulheres de Junin Galo, Maceió e Belém, Osmar e Zé. Só que enquanto não só o Silvio estava comendo a esposa de todos esses caras, estes estavam todos pagando a Monique durante do fim de semana. E no final do domingo, a Monique dava para quem ela realmente sentia vontade. O Túlio. Ou Tulhão da mangueira. Esse nome é eufemismo.

Acabava que esses caras, todos, sem exceção, acabavam perdendo a mulher pro cabeleireiro e o dinheiro carioca malandro que vendia coco na praia e tinha um apartamento em Nilópolis com um saguão que consistia numa cadeira, um balcão e ar. Fora isso, ele estava lá lendo o jornal na porta desse apartamento, e trocando piada com os PM, de onze as nove. E no fim de semana, ele colocava jovens empreendedores de doze ou treze anos que nunca se lembrava os nomes, só queria um dinheiro pra comprar tênis no Grande Rio, enquanto ficava na praia e hobby de vender coco com a visão maravilhosa de Ipanema. Isso era o que ele mais fazia pra se divertir durante o fim de semana, e no domingo pegava o que ele chama de “recompensa de Deus pelo suor de outros homens” e dava um pouco de parmesão pra Monique.

A parte mais interessante, era a academia que a Monique frequentava. Tulho NUNCA deixava de pagar, porque precisava que algumas coisas continuassem em ordem. E era essencial que ela conhecesse outras meninas pra ele ter um filho mais novo, no caso filha, se essa não aguentasse de tanto queijo ralado no nariz. Ele conhece como funciona as coisas. Conhecia todas as meninas, mas mantinha contato com as mais jovens e desesperadas por “loucuras” e doidas pra abraçar a “sexualidade feminina”. Era parte mais importante na vida dele nos últimos anos. Saber que o feminismo tinha feito tantas mulheres ficarem desinibidas com relação a ir pra cama com desconhecido, fez com que ele aprendesse mais e mais argumentos pra enganar as mais novinhas que só conheciam o assunto mesmo pela internet e não consiga entrar em algo muito profundo. Pra ele, enrolar essas “feministas de curral”, como ele chamava, era quase um prêmio. Um veado que ele caçou e empalou, ou um viado que ele comeu e não teve que ver de novo. Afinal, pra ele, se ele estiver comendo, ele não mudou de time.

E assim, a vida rodava no bairro da Cocota. A vida como ela é…

 

——- Conto de Mário Carioca ——-

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.