18 de janeiro de 2025
Literatura

A curiosa trajetória do escritor Eliezer Moreira

Eliezer Moreira Biografia

(Imagem/Divulgação)

 

Por meio do romance “Olhos Bruxos”, cuja resenha, pela doutora em Literatura Comparada Alexandra Vieira de Almeida, foi publicada aqui recentemente, conhecemos o último livro publicado pelo singular escritor Eliezer Moreira. 

Com a proposta de uma entrevista, Eliezer nos enviou um atencioso e resumido texto biográfico para auxiliar na elaboração das perguntas. Resolvemos abrir uma página separada só para publicar esse depoimento inédito e exclusivo.

Vale lembrar que você poderá entender mais sobre Eliezer Moreira na entrevista “Escritor Eliezer Moreira apresenta sua arte entre críticas e reflexões”, a ser publicada aqui dentro de alguns dias.

 

Nasci numa cidade do interior da Bahia, Cocos. Antes de completar um ano de idade, já havia cruzado a fronteira em direção a Minas Gerais, para onde minha família se transferiu. O lugar era uma aldeia rural, pequeno distrito ao norte do estado, de nome São Sebastião dos Poções. Na época, a população local não passava de uns 3 mil habitantes, se muito. 

Ali a família morou durante dez anos. Aquela localidade perdida nos confins de Minas, quase limítrofe da Bahia, na chamada região ‘dos geraes’, não muito distante da margem esquerda do rio São Francisco, com seus buritis e veredas, e seus crepúsculos sangrentos, foi o meu berço de fato. Só bem mais tarde, ao me tornar um leitor peregrino, um devoto da literatura, eu soube que aquela localidade remota se situava num dos extremos do sertão rosiano.

Assim, cresci naquela vasta região de Minas situada entre as fronteiras de Bahia e Goiás onde no passado – e ainda hoje, sob outras formas – se davam as velhas guerras por domínio territorial e político, envolvendo os coronéis e seus jagunços, a mesma região mítica que Guimarães Rosa imortalizou no seu “Grande sertão: veredas”.  

 

Eliezer Moreira Biografia

(Arquivo pessoal)

 

NOVOS RUMOS, NOVAS DESCOBERTAS

Aos meus dez anos de idade, nova mudança. A família se transferiu de São Sebastião dos Poções para Januária. Esta velha cidade mineira, surgida como simples povoação, ainda no século XVI, à margem esquerda do São Francisco, na trilha das antigas bandeiras, não muito longe de outros rios vicinais, como o Urucuia e o das Velhas, era, como eu vim a saber depois, o epicentro mesmo do sertão rosiano. Um município enorme, com cerca de 40 mil habitantes na sede, e outros tantos na zona rural. Vários distritos, na época.

Hoje o município está completamente retalhado, surgiram outras cidades no seu entorno. Mesmo encolhido, sua população atualmente é de cerca de 70 mil habitantes. A mudança de São Sebastião dos Poções para a Januária de então equivaleu a sair de uma aldeia para uma metrópole. A cidade contava na época com dois grandes ginásios e uma escola agrotécnica federal, e logo ganharia um terceiro ginásio. Ruas calçadas. Lojas com letreiros luminosos, vitrines. Cinema! Foi ali que descobri as histórias em quadrinhos, ao mesmo tempo que a arte de Hitchcock e de John Ford, e depois, as seduções da literatura. Se antes eu achava ter sido a vila de São Sebastião dos Poções o meu berço, agora não tinha dúvida: o meu berço foi Januária!

 

Eliezer Moreira Biografia

(Foto/Arquivo pessoal)

 

O ENCANTO AFLORANDO

Foi nessa cidade, zanzando de bicicleta, explorando ruas e becos, lendo e desenhando, às vezes o dia inteiro, e namorando, é claro, que desenvolvi a minha formação, a minha educação sentimental no bom e velho sentido flaubertiano. Vivi em Januária dos 10 aos 23 anos de idade. Anos cruciais.

O apelo das imagens, através dos quadrinhos e dos filmes, que eu via quase diariamente, me levou ao desenho e à pintura. Acreditei ter descoberto uma vocação definitiva. Desenhei muito, e pintei, dos 14 aos 23 anos, e fiz teatro amador. Nesse período, descobri a poesia flamante de Castro Alves, a palavra seca de Graciliano Ramos, a literatura corpo-a-corpo com a vida do contista João Antônio, que me levaria a Lima Barreto, a Jorge Amado, e a tantos outros. 

Foi também nesse período de revelações que cheguei ao angustiado Hermann Hesse, ao atormentado Hemingway e ao lirismo fabuloso e fantástico de Gabriel Garcia Márquez (um pisciano, como eu) e depois aos russos. O resto é história.

 

Eliezer Moreira Biografia

(Além destes já lançados por Eliezer, o sexto está em processo de finalização)

 

O JORNALISMO COMO ESCOLA

Chaguei ao Rio de Janeiro em 1979, depois de passar por Brasília e Belo Horizonte. No Rio, estudei jornalismo na FACHA, à noite, já trabalhando em televisão durante o dia. A vida profissional foi quase toda em televisão. Fiz programação visual para vídeo (consequência dos muitos anos como desenhista e aprendiz de pintura) e logo me tornei roteirista.

Enquanto isso, escrevia devagar um romance. Enviei-o a um concurso, o “Prêmio Graciliano Ramos” da União Brasileira de Escritores, e já não me lembrava do livro quando recebi, em junho ou julho de 1990, um telefonema da Clara Ramos, filha do Velho Graça, e integrante da comissão julgadora: “A pasmaceira” conquistou o prêmio e foi publicado pela Editora Record naquele mesmo ano. “Que título horrível!”, foi a reação do primeiro resenhista do romance. Apesar disso, ele mereceu uma recepção muito acima da minha expectativa

 

UMA PAUSA

Depois, ficou complicado escrever prosa de ficção. Veio um período de atividades paralelas ao trabalho na tevê. Jornalismo sindical. Assessoria de imprensa. Repórter em agência de comunicação. Anos de trabalho no mercado editorial do Rio e de São Paulo como copidesque, editor e preparador de textos. Um mestrado tardio em Literatura Brasileira e um doutorado em Literatura Comparada (Uerj) me repuseram na trilha.

Mas só voltei a publicar livros 25 anos depois de “A pasmaceira”: “Florência diante de Deus” (Patuá, 2015), “Jeanne Bonnot, uma vida entre guerras” (ensaio biográfico, Editora Mulheres, 2015), “Ensaio para o adeus” (Patuá, 2018) e “Olhos Bruxos” (Editora Penalux, 2018). “A pasmaceira” foi publicado em Portugal com um novo título: “Um homem querendo vender sua morte” (Rosmaninho Editora de Arte, 2016). Mais um romance, o quinto, está no forno.

 


 

Editado por Matheus Luzi

 

 

 

 

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.