Ao bater um papo intimista com Rubens Jardim, autor do livro ANTOLOGIA DE POEMAS INÉDITOS, pude perceber o quanto ele é apaixonado e entendedor dessa vertente literária. Nessa entrevista, que você vê abaixo, o escritor fala de muitos aspectos, tanto do seu mais novo livro como do contexto geral da importância da poesia.
Para comprar o livro, você pode entrar em contato com o próprio autor no seu e-mail: re.jardim@uol.com.br
Quais assuntos você trata no livro?
Acho muito difícil conseguir responder a essa pergunta. Principalmente porque esse livrinho é uma coletânea de poemas escritos em épocas muito variadas. Tem muitos poemas feitos em viagens; tem alguns que trazem um pouco da minha infância; outros que buscam celebrar o amor, as mulheres amadas, os encontros e os desencontros. Tem também alguns que dialogam com o exílio e a morte. Enfim, o leitor pode encontrar um pouco de tudo: é como sair à rua deixando o celular no bolso…
Quanto tempo levou para escrever todos os poemas do livro?
Não dá pra dizer. Tem poemas que foram escritos há uns 10 anos e outros que foram escritos neste ano de 2018, em meses muito recentes.
Que sinopse você faria de uma maneira geral em relação a antologia?
Acho que já respondi a isso. Mas tentando clarear mais essa questão, posso acrescentar o seguinte: via de regra, os poemas acabam espelhando períodos de vida. E os períodos de vida estão sempre vinculados aos conflitos e contradições tanto da gente como da sociedade. Acho também que a poesia é um modo de responder a realidade que não é nem um pouco inofensiva, pois pulsa, lateja e coloca tudo em questão. Mais ainda: acredito que a poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano. Talvez pelo fato de ser uma das mais primitivas formulações de qualquer experiência, a poesia serve para expressar o espanto diante do fato novo ou da experiência nova que rompe subitamente o tecido da realidade. Ela serve também pra quebrar o pote e revirar a ponte. Ela vai direto ao ponto, ao centro, ao alvo. E como disse Drummond: meu verso é a minha cachaça…
Como foi seu processo criativo?
Já disse algumas vezes e em vários lugares que escrevo a esmo porque acredito no acaso – e na inspiração. E a prova disso são os livros que publiquei – ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978) CANTARES DA PAIXÃO (2008), FORA ESTANTE (2012) e esta ANTOLOGIA DE INÉDITOS (2018) – todos eles não foram projetados, pautados ou arquitetados. Sinto uma dificuldade enorme em lidar simultaneamente com a razão e a emoção poética. Por isso o que me guia é a pulsação do mistério da linguagem, uma espécie de viagem pelo mar das palavras. Claro que a espontaneidade da escrita não dispensa a vigilância e os cuidados com a construção do poema. Mas poesia pra mim é alquimia. É a transformação do ignóbil em nobre, do invisível em visível, do indizível em dizível. E tenho uma experiência interessante pra dividir. De vez em quando, me meto a escrever sonetos. Um deles, ”toda mulher é uma viagem ao desconhecido” conquistou até uma certa notoriedade, pois foi lido pelo Abujmara no programa de tv, Provocações. Confesso, porém, não ter suado a camisa para escrevê-lo. Ele nasceu de parto normal, com algumas contrações, é claro. Mas dispensando cesarianas, fórceps e outras intervenções técnicas, racionais.
Tem alguma história ou curiosidade interessante que envolva o trabalho?
Comecei minha caminhada desviante já na adolescência, lendo filósofos, poetas, ouvindo música e já rabiscando alguns versos. Mas o divisor de águas foi minha participação na Catequese Poética, movimento iniciado logo após o golpe de 64, pelo poeta Lindolf Bell, em São Paulo. A meta desse movimento era a reaproximação do poeta com o povo. Por isso fazíamos leituras públicas de poemas em praças, faculdades, colégios, bares, livrarias, boates, teatros, sindicatos, clubes, livrarias. O resultado disso é que a Catequese Poética tornou-se muito conhecida e até mesmo midiática. Nós viajávamos muito pelo interior de São Paulo e por outros estados do Brasil. Fizemos também apresentações em vários teatros como Oficina, Arena, TBC, Aliança Francesa, Municipal de Ouro Preto,etc… Lembro que numa apresentação com o teatro literalmente lotado, inclusive com pessoas em pé nos corredores laterais, a minha sensação não era a de um poeta: era de um astro de rock! E tanto isso era verdade que uma estrela do teatro, Nathália Timberg, presente nesse evento, pediu permissão pra gente pra anunciar a sua estreia naquele teatro. Isso aconteceu no Teatro Marília, em Belo Horizonte, acho que em 1966.
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Fique à vontade para falar o que quiser.
Acho que a verdadeira poesia aumenta no homem a sua humanidade. Ela mostra que se existe a flor, existe também a fome. Ela lembra a todos que existe o pão e existe o pânico. Além disso, a poesia é luta constante contra a alienação. É inconformidade. Indignação. E confesso que acho que só os poetas são capazes de quebrar o sigilo e expor o sagrado e o profano, o divino e o mundano. A poesia é a mais imponderável das criações do espírito humano. Caminho solitário, ela cruza com o caminho de todos. Por isso poesia é solidão e intercambio–e principalmente desafio à razão. Talvez porque ela, poesia, seja efetivamente a única razão possível. É um paradoxo, é claro. Mas quando se trata de poesia é necessário estar aberto a um infindável número de questões complexas e absurdas. Afinal, como é que uma coisa que não serve para nada, ninguém paga aluguel com palavras e nem faz crediário com poemas, pode ser tão necessária e indispensável à vida humana? Outro aspecto relevante é que a poesia é uma atividade de rendimento nulo Poesia não vende é um dos lugares comuns mais utilizados por qualquer editor. Mas mesmo rebelde ao mercado e às tentações de virar mercadoria, a poesia circula homeopaticamente, é lida, e vai de boca em boca, como o ar e a água. Mais ainda: a poesia não se curva a nada. Avessa a classificações e a qualquer pensamento fechado a transformações, a poesia não admite a ditadura –nem a ditadura da palavra. Ela preside um território livre onde se misturam emoção e razão, inspiração e construção, Dionísio e Apolo–e muita, muita transpiração. Para encerrar, quero confessar que quando tinha uns 16 anos acreditava que a poesia sendo invenção, revolução, poderia ser salvação. Quase cinquenta anos se passaram e eu continuo acreditando nisso. Ainda acho que poesia não é só a habilidade de lidar com palavras e escrever poemas. É também um modo de viver, é uma atitude diante e dentro da vida. E se continuo escrevendo poemas –mesmo sabendo que a poesia é um inutensílio-como disse iluminadamente o poeta Manoel de Barros-é porque gosto de acreditar que, graças à poesia, mantive acesa a chama da esperança em transformações.