(Cena da peça – Crédito: Valerio Trabanco)
Em diálogo com a luta do Movimento Antimanicomial, o espetáculo “Os Inquilinos”, de Fábio Takeo com o Estúdio Stanislávski, conta a história de almas abandonadas e solitárias que travam uma batalha intensa para viver e existir, apesar de sua aparente invisibilidade.
Por meio de estudos sobre a literatura de Anton Tchekhov e uma pesquisa a respeito da vida nos manicômios judiciais e hospitais psiquiátricos brasileiros, o grupo criou os personagens encontrados na narrativa.
As apresentações acontecem no Ágora Teatro até 15 de dezembro, com sessões aos sábados e domingos, às 17h.
Em um manicômio prestes a ser fechado, um homem luta para manter vivas suas memórias. Ao registrar suas lembranças, ele relembra das pessoas que fizeram parte da sua vida, dos sonhos deixados para trás e das perspectivas em relação ao futuro.
Ao longo da peça, o público vê se materializar no palco uma série de pessoas complexas, profundas e contraditórias que lutam para não serem esquecidas.
SAIBA MAIS
Para desenvolver a dramaturgia, Takeo usou como base o material criado pelos atores Bernardes Pavanelli, Carlos Sobrinho, Silvia Sivieri e Tati de Souza a partir dos estudos da companhia.
A encenação e o cenário minimalista abrem passagem para que a fusão entre os personagens e a natureza criadora dos artistas aconteça de forma plena e orgânica, funcionando como uma ponte entre a obra e os espectadores.
“Fazer essa peça foi a maneira que encontramos de honrarmos as existências de todas essas vidas, que foram marginalizadas por suas condições psíquicas”, afirma o diretor.
Respostas de Fábio Takeo,
(Diretor, idealizador e um dos atores da peça)
– Como você chegou a inspiração de criar essa dramaturgia? Você teria alguma relação pessoal com o assunto?
É preciso voltar para o começo do trabalho: eu sentia que era para essa direção que a gente estava indo, mas tudo era no campo da intuição. Eu guiava os atores nessa direção, mas sem saber muito bem para onde estávamos indo. Por muito tempo, trabalhávamos com “energias”, sem elas se revelarem para nós. Depois, cada uma dessas “energias”, foi se materializando em cada um dos personagens. Aí, trabalhamos para criar muitas memórias desses personagens, como se eles estivessem contando uma coisa que aconteceu com eles. Depois que tínhamos muito material, entrou a dramaturgia, que era escolher as histórias e como seria feito o espetáculo.
E não, não tenho nenhuma relação direta com o assunto.
– O espetáculo dialoga de que forma com a realidade dos manicômios, e a partir dele, você tenta emplacar que mensagem de apoio ao movimento antimanicomial?
Não saberia dizer de que forma o espetáculo diálogo com a realidade dos manicômios, porque para nós só queríamos contar a história dessas pessoas, seus sonhos, seus desejos, e onde suas histórias acabaram indo por um caminho diferente.
Queríamos mostrar que a vontade de viver também está naqueles seres invisíveis, esquecidos por sua situação, e que ali há muita vida, apesar de quase ninguém enxergar.
– Já sabemos que o estudo para a criação dessa dramaturgia foi longo e extenso. Como foi esse trabalho de pesquisa? Se baseou em obras escritas apenas ou também teve apoio de pessoas que viveram esse tipo de situação?
Acho que a matéria principal veio da direção que eu dava para os atores e daquilo que eles produziam na sala de ensaio. Claro que teve também a literatura de Tchekhov, com vários contos que nos inspiraram – diretamente ou indiretamente; além de vários vídeos sobre os manicômios. Acho que essas diversas fontes de inspiração foram a chave para chegarmos na dramaturgia e no espetáculo.
(Cena da peça com todos os personagens – Crédito: Valerio Trabanco)
– Se tratando de um tema muito chocante, como foi o trabalho de adequação dos atores aos personagens?
Como eu disse, para nós não era chocar, e sim, como artistas, ter somente a natureza de criar, a “Natureza Criadora Orgânica” que Stanislavski tanto falava em vida. Na “vivência”, era exatamente nesse lugar que gostaríamos de estar, e na “transmissão” os personagens e a plateia se encontram, e a cada encontro é uma relação única para cada pessoa.
– Em suma, descreva os personagens da dramaturgia.
Tudo começa com SECRETO, que é o último sobrevivente desse lugar. Para ele sobrou apenas as lembranças de uma outra época misturada com a realidade de esperar a morte chegar.
O PAN é um menino jovem, que vive em uma cadeira de rodas. Tem a fala afetada, quando sofreu uma pancada. Vive entre momentos de um pouco de lucidez e momentos em que vai relembrar como matou sua mãe, que ele tanto amava.
A MADAME lembra de uma época em que era a prostituta mais requisitada do Renaissance. Entre as lembranças do pai e da mãe na infância até o momento em que se apaixona por um cliente do Renaissance, ela vai narrando como sua vida vai indo aos poucos para o buraco.
A NOVATA lembra de quando era casada com um milionário, teve vários amantes e se apaixonou por um deles. Vai rememorar como perdeu tudo e como um momento põe tudo a perder.
O DENTINHO é um sobrevivente da vida, quase um morador de rua, que vai vivendo um dia de cada vez. Com questões muito profundas, ele vai lembrar do dia em que descobriu que tinha AIDS, da infância quando seu pai o largou para trabalhar no sítio e nunca mais voltou, e mesmo assim ele enxergar o lado bom da vida.
– A partir dos personagens da estória, quais sentimentos, opiniões e sonhos que podemos concluir que essas pessoas viveram na época em que os manicômios ainda eram uma realidade forte?
Acho que é a invisibilidade e um sentimento de que a vida deles foi em vão. Eles viviam a margem da sociedade, e seus sonhos e desejos foram ignorados. Nosso intuito é dizer que essas almas têm sonhos, que sua passagem aqui na Terra não foi em vão e que a única coisa que elas precisam é serem ouvidas. A única coisa que fizemos foi abaixar os sons externos, e ouvir o que elas tinham a dizer.
– Você tem alguma(s) história(s) ou curiosidade(s) interessante(s) para nos contar?
Acho que tudo o que eu queria dizer, está na peça.
– Sinta-se a vontade para falar algo que eu não perguntei e que você gostaria de ter dito.
Acho que não faltou nada. Fica o convite para vocês assistirem a peça “Os Inquilinos”, que fica até 15/12, sábados e domingos às 17h, no Ágora Teatro.
BOM SABER
“A principal inspiração para a peça foi o conto ‘Enfermaria N. 6’, de Anton Tchekhov. No entanto, outras histórias do autor auxiliaram na criação da essência dos personagens, como ‘Sonhos’, ‘Vanka’, ‘Volodia’, ‘Um Homem conhecido’ e a ‘A Dama do Cachorrinho’.
Além disso, serviram como material de estudo para o grupo o livro ‘Holocausto Brasileiro’ (Daniela Arbex) e os documentários ‘Juqueri’ (Goulart de Andrade), ‘Stultifera Navis’, ‘Em Nome da Razão’ (ambos de Helvecio Ratton), ‘Imagens do Inconsciente – Nise da Silveira’ (Leon Hirszman) e ‘Estamira’ (Marcos Prado)”, conta Takeo.
Textos da assessoria de imprensa
Edição e entrevista de Matheus Luzi
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Direção: Fábio Takeo
Elenco: Bernardes Pavanelli, Carlos Sobrinho, Silvia Sivieri, Tati de Souza e Fábio Takeo
Figurino e Adereços: Silvia Sivieri, Tati de Souza, Fábio Takeo, Carlos Sobrinho, Bernardes Pavanelli
Maquiagem: Roberta Hokama
Iluminação e Trilha: Fábio Takeo
Produção: Estúdio Stanislávski
Assessoria de imprensa: Bruno Motta Mello e Verônica Domingues – Agência Fática
Realização: Netuno Núcleo de Artes
Apoio: Ágora Teatro e Munclair Iluminação
SERVIÇO
Os Inquilinos, de Fábio Takeo
Ágora Teatro – Rua Rui Barbosa, 672
Temporada: até 15 de dezembro
Aos sábados e aos domingos, às 17h
Ingresso: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada)
Contato para Vendas: Ágora Teatro – Telefone: (11) 3284-0290 | (11) 3141-2772 | Whatsapp: (11) 98859-6939
E-mail: agora@agorateatro.com.br
Formas de pagamento: dinheiro, débito ou crédito
Duração: 120 min
Classificação: 18 anos
Lotação: 35 lugares