(Por Cassiano Geraldo)
Em “Meiote”, o EP de estreia da banda Meyot, surpreende pela inovação, por ser algo diferente do que estamos habituados. O trabalho é composto por quatro faixas, todas autorais e inéditas.
Curiosamente, um dos detalhes que chama atenção é a parte instrumental, que dá ao EP várias interpretações, até mesmo quando se relacionam com as letras, ora metafóricas, e ora objetivas.
Levando esses pontos e muitos outros em consideração, nós da Arte Brasileira decidimos entrevistas a banda e saber mais a respeito deste maravilhoso trabalho de arranjos, produção e criação. A entrevista, você vê a seguir.
(Formado em 2017, Meyot conta atualmente com Arthur Montenegro (voz principal e guitarra), Gabriel Soares (bateria e percussão), Giuliam Uchima (baixo, guitarra e vocais) e Lucas Berredo (guitarra, vocais, synth e baixo).
Todos os integrantes da banda são compositores, certo? Quero muito saber como foram os momentos de composições das quatro faixas do EP.
Arthur (voz principal e guitarra): Pra falar sobre isso, a gente precisa primeiro explicar que a formação do EP era diferente: hoje temos o Giuliam Uchima no baixo e o Gabriel Soares na bateria, mas naquela época quem estava era o Gustavo Reis (baixo) e o Rafa Carozzi (bateria).
Bem, acho que foi um trabalho de muita troca. Eu e Lucas tínhamos uma noção mais exata do que queríamos pra banda – muito pelo fato de termos fundado o projeto – e as músicas partiam mais de nós, mas o Rafa tinha uma contribuição ativa, opinava sobre as partes “desnecessárias” das canções, as escolhas melódicas e foi dele o ponto de partida para “Dois Fins”. O Gustavo tinha um foco maior nos arranjos e na dinâmica, com observações mais pontuais.
Lucas (guitarra, vocais, synth e baixo): Especificamente em “Meiote” as composições ainda são, em boa parte, um esforço de parceria entre Arthur e eu. Isso se deu porque demoramos algum tempo para fechar a formação que gravou o disco, então a maioria das canções são ideias concebidas nesta dinâmica de troca: algumas com maior participação minha, outras dele. A única que foge à regra é “Dois Fins”, que partiu de um instrumental composto pelo Rafa – antigo baterista do conjunto – e nós três organizamos em uma noite. De qualquer forma, os arranjos no Meyot são concebidos em um esquema coletivo e, em boa parte das ocasiões, as canções interpretadas pela banda são muito diferentes da ideia original – o que consideramos algo bastante saudável.
Em “Grades”, faixa que vocês lançaram em formato de single ainda neste ano, na minha opinião vem com um instrumental que se sobressai da letra. Falem como foi trabalhar essa relação da melodia e dos arranjos com a letra.
Lucas: Musicalmente, “Grades” são duas ideias complementares: uma seção funky, meio Jorge Ben, composta pelo Arthur, e uma seção mais psicodélica que compus pouco depois. Acho que as duas funcionam bem se forem levados em conta os sentimentos paradoxais que conduzem o texto: uma parte mais mundana e descritiva, outra mais hermética e abstrata. É por conta disso que, na minha percepção, a parte instrumental mais acompanha a letra do que se sobressair.
Arthur: Pra ser sincero, penso que isso é apenas reflexo natural de uma banda sem muita experiência em composição, mas com certa experiência em seus instrumentos, já que “Grades” foi a nossa primeira música.
As lyrics das canções do EP se mostram metafóricas, e de certa forma, também objetivas. Afinal, quais são as mensagens que vocês querem passar?
Arthur: Sendo pouco metafórico e mais objetivo, nossas letras falam sobre a vida do século XXI que já acena à distopia materializada na solidão das grandes cidades, nos seres invisíveis, na impotência coletiva e nos retrocessos políticos recentes.
Por se tratar de letras metafóricas, muita gente pode enxergar outros significados, mas elas vieram daí.
Lucas: Gostamos de falar sobre o elefante branco na sala de estar. Assuntos subterrâneos que, por força do cotidiano ou da vida social, somos levados a esquecer.
Na moral, “Viajante do Passado” tem uma introdução que faz todo jus ao título da canção, (Risos)…
Arthur: (Risos) Cara, eu não entendi se isso é bom ou ruim, mas pra ser sincero eu nunca pensei muito sobre essa introdução. A gente foi fazendo no automático, deixando a influência de cada um conduzir. No final, virou um negócio meio dub atmosférico.
Lucas: Por causa do sintetizador meio anos 80? Se foi por isso, foi intencional (risos).
Em uma questão de sonoridade ambiente, assim como instrumental, o que vem a ser a música “Dois Fins”?
Arthur: A gente costuma tratar os arranjos como imagem. E em “Dois Fins”, ficou estabelecido que deveríamos contar a história de um indivíduo acompanhando a destruição do mundo à distância, como se estivesse completamente em paz, presenciando um momento de intensa violência. É por isso que os momentos de tensão antecedem a calmaria e há bastante silêncio. É uma balada apocalíptica.
Lucas: “Dois Fins” foi uma tentativa de criar uma balada meio post rock, meio bossa, uma espécie de marcha fúnebre. Por isso há silêncio e terror se intercalando.
É correto dizer que “Meyot” tem um conceito como um todo?
Lucas: Vejo esse EP como o retrato de uma época, um fonograma de memórias. Muitas vezes, quando o escuto, é como se tivesse olhando para outras pessoas: o Lucas de 2017, o Arthur de 2017. Era um momento bem diferente das nossas vidas. Faz um ano que o gravamos, as canções são bem antigas – “Grades” é de 2016, para você ter uma ideia -, os temas, de certa forma, também. Não havia um discurso fechado, só uma vontade de colocar as coisas em movimento.
Arthur: Acho que o EP era um momento de descoberta. Não diria que existe um conceito, mas uma unidade. Começamos a encontrar nosso discurso agora, na composição do primeiro disco.
E a capa do trabalho, o que simboliza?
Arthur: Quando nos reunimos com a Carla Plašćak e o Claudio Junior, os autores da capa, contamos muito sobre o nosso processo de composição. À época, nossas músicas eram basicamente feitas com colagens sonoras e a temática abordava esse choque entre a vida no norte do país e uma cidade colossal como São Paulo. Afinal éramos três paraenses em uma mesma banda, habituados a outra dinâmica de vida.
No fim das contas, acho que tá tudo ali: as colagens da cidade e da natureza presas às asas que conduzem essa audição.