15 de janeiro de 2025
Música

Entrevista com Lúcia Menezes sobre novo disco “Eu não canto se a música não entrar em mim”

Lucia Menezes HORZ 3 - foto Leo Aversa

 

Lúcia Menezes, é uma verdadeira colecionadora de clássicos da MPB. Na verdade, ainda que inconsciente, essa coleção vem sendo feita desde quando ela era criança, quando gravava suas músicas preferidas em fitas. Na voz singular dela, soa muito bem um resgate histórico e com um toque especial de lirismo e do lúdico. Músicas que fizeram sucesso, ou que não fizera, mas mereciam ter feito, são “brinquedos” dentro do repertório da intérprete, que agora está divulgando o CD “Lúcia”, que tem participação especial de Chico Buarque e Miúcha, inspirações eternar para Lúcia. Entre um disco e outro, tem um espaço de tempo de 3 anos, que é o tempo necessário para a cantora se inspirar, tanto musicalmente quanto como atriz, já que ela sempre encarna uma personagem quando vai cantar e se apresentar nos palcos.

Nessa entrevista, ela deu muitos detalhes sobre sua vida pessoal, sobre sua carreira e também sobre o novo CD. Veja:

 

 

Como você define o CD “Lúcia”? E qual foi o maior desafio de gravá-lo?

Meu CD “lúcia” é um CD de música popular brasileira, que tem um sentido histórico, porque eu gosto de gravar músicas que já foram sucesso ou que mereciam ser sucesso mas não foram, que estão mais ou menos esquecidas, e que também já foram muito cantadas e ouvidas. E músicas novas, inéditas, que tem esse mesmo estilo, de músicas tradicionais brasileiras, músicas com estilo mesmo da nossa própria raiz. Eu chamo a nossa música brasileira de música mestiça, porque a nossa música é mestiça como nós, porque nós somos mestiços. Então é muito rica a música brasileira, eu faço o máximo pra conseguir fazer coisas bem bonitas em relação a tudo isso.

Para gravar esse disco, foi um desafio de sempre. A gente fica muito preocupado com a música que vai escolher. Primeiro a gente escolhe as músicas. Eu faço isso com meu marido. Guardo músicas desde menina, o que eu vou gostando eu vou colocando no gravador, na fitinha. Quando eu quero eu procuro o tempo e o ano da música. Eu vou por dentro de toda aquela música. É um desafio de fazer uma coisa realmente bonita, e que seja interessante. Eu quero trazer de volta certas músicas, e com arranjos super maravilhosos. As pessoas que fizeram meus arranjos fizeram pérolas de arranjos. Então, eu sempre tenho a preocupação de que a música e o trabalho fiquem bons.

 

Por que escolheu “Lúcia” para o nome do disco?

Eu gostei muito do título, porque a gente não tinha nome, a gente não encontrava uma frase numa música, e eu já tinha “Lúcia Menezes ao vivo”, “lúcinha”, eu já tinha o “lúcia Menezes”. A gente encontrou o “Lúcia” E eu gostei muito, porque lúcia significa luz, e tem muita luz na beleza das música, e tem muita luz no disco como um todo. Eu achei muito legal o meu nome com esse significado.

 

Chico Buarque e Miúcha fazem participações especiais no seu novo disco. Como os conheceu? E como foi para você fazer essas parcerias?

Eu conheço Miúcha e chico há mais de dez anos. Conheci o Chico no estúdio e perto da minha casa, passei a conversar, e eu sempre gravava um disco e mandava pra ele. Tenho quatro discos que gravei no rio, cada um eu gravava uma música dele. Porque se não tiver música do chico, eu não gravo, tem que ter. Ai sempre eu pego e mando, e perguntava se gostava ou não. A gente se encontrava. Ai eu arrisquei despretensiosamente e convidei os dois para participarem do projeto e os dois aceitaram. Foi maravilhoso! Foi um salto na minha carreira! Uma coisa maravilhosa, cantar com uma diva como a Miúcha, e com um grande nome da música brasileiro, o chico.

 

https://www.youtube.com/watch?v=2CYObG7xRVM

 

Acho que essa pergunta você já responde em partes na primeira resposta. Mas pode acrescentar algo se quiser. Ai vai a pergunta: em seu disco, tem muitas canções antigas como “Letra I”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, de 1953. Por que optou por esse resgate histórico? E qual foram os critérios na hora de escolher o repertório?

O critério mais importante é bom dizer, e ainda acrescentar. É a beleza da MPB, e sua pureza. A gente pode resgatar coisas que já foram gravadas, belezas que já foram feitas, deixaram saudade ou já estão mais ou menos esquecidas, ou então são lembradas mas eu acho muito linda. E as músicas novas que eu gravo inéditas sempre remetem a esse estilo antigo, e que trás as raízes brasileiras, e as raízes nordestinas, pra mim isso é tudo música popular brasileira.

 

Quais foram as inspirações para a gravação deste disco? Como surgiu a ideia?

Primeiro eu vou te explicar os discos que eu tenho. Eu tenho seis discos com esse. O primeiro foi “Divina Comédia Humana”, foi uma coisa foi feita por mim e Belchior. Porque temos amizade grande, ele fazia medicina com meu irmão, e eu era criança e a gente se conhecia desde esse tempo. O segundo eu fiz em homenagem a Carmem Miranda, e ela pra mim, é eterna inspiração pra tudo que eu vou fazer, uma diva, um fenômeno musical. Então depois desse disco em homenagem a ela que eu fiz ao vivo, ai eu gravei o primeiro no rio que foi “lúcia Menezes”, que é com esse mesma equipe de músicos, arranjadores e direção.  Esse foi com meu marido trabalhando junto comigo, na descoberta das músicas. Ele aprendeu a fazer isso, porque ele adora música brasileira, então a gente ta fazendo isso junto desde 2005. Em 2008 foi o “Pintando e bordando”, na qual fui indicada pra a melhor cantora do grande prêmio da música brasileira do rio. O quinto foi o “Lúcinha”, que eu gravei que tive a maior inspiração da música “requebrado” de Angela Brandão.

Estou gravando entre 3 e 3 anos. É o tempo em que eu me inspiro para o próximo. Eu estou fazendo esse trabalho de guardar músicas maravilhosas e grava-las desde 2005, desde sempre, mas agora a história ficou mais forte. Ai a minha inspiração é aquela de sempre, de fazer a música popular brasileira. Ai neste disco, eu pensei, eu vou dar um pouco de lirismo, e ao mesmo tempo fazer um pouco lúdico. Há uma pequena diferença, Lúdico sempre tem, mas um pouquinho lírico quando eu dou uma chamadinha “Sete Cantigas Para Voar”, principalmente em “Esperança Vã”, que é uma opereta caipira, o paulista que nasceu no outro século, e é uma ópera caipira, que tínhamos um disco de cera lá em casa. E ai eu tive essa ideia ótima de fazer um disco com a mesma linha de trabalho dos três últimos, mas eu coloquei um pouco de lirismo nisso.

 

https://www.youtube.com/watch?v=oQLZnKaDV3s

 

Você faz algum tipo de arte fora a música?

Adorei sua pergunta! Porque na maioria das vezes, os artistas sempre têm habilidades em outras artes, em outras manifestações artísticas. Eu sou mais o lado atriz. Por exemplo, quando eu vou cantar eu desenvolvo sempre personagens, inclusive quando eu gravo um disco que eu desenvolvo um personagem por estar caricaturado. No palco eu sou um pouco teatral, não é aquela coisa exagerada. Eu canto sempre desenvolvendo um personagem que tem haver com aquela música, ligado ao sentimento que aquela música está passando. Eu tento passar esse sentimento. É até uma coisa intuitiva, não é uma coisa que eu treino pra fazer. Esse personagem ele sai. Participei em algumas coisas muito pequenas em teatro em fortaleza. Participei muito também do coral em que eu cantava e que fazia grandes peças.

Todas as artes são maravilhosas, mas a minha principal é música mesmo. Ai em segundo, vem a atriz dentro da música.

 

Você já falou um pouco sobre suas influências musicais. Quais são as suas influências fora da música? No cinema, teatro, artes plásticas, literatura…

Eu adoro escrever, e passei uma parte da minha vida lendo muito. Eu tenho muito o que falar da literatura. Pra começo de converso, Monteiro Lobato, que eu li toda coleção quando comecei com 8 anos, quando lia tudo que tinha na minha casa. Li a coleção toda dele. Tenho os contos de fada como influência na literatura. Literatura do folclore brasileiro também me interessou muito quando era mocinha. Adoro literatura de cordel, que é aquela literatura nordestina. Li muito, muito, Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Guimarães Rosa acho assim o máximo. José de Alencar.

Na literatura, o que me interessava mais eram os personagens da história. Eu começava a ler e já me identificava com alguém. Na coleção toda do Sítio do Pica paul amarelo, eu sempre me identificava com a narizinho. Naquelas historinhas de fada, eu gostava muita daquela que ficava triste, eu tinha muita pena. Então, era um envolvimento com o personagem que sempre esteve comigo. Por exemplo, no livro do Guimarães Rosa que é o mais conhecido de todos, eu me envolvi completamente com a personagem, com a moça que se fazia de homem. Eu fiquei tão arrasada quando terminei o livro, porque eu estava esperando pelo final feliz, uma coisa mesmo de mocinha. Também gosto de poesia. As minhas poesias preferidas são do Alfonso Guimarães e da Cecília Meireles. “Trago os cabelos crespos de vento e o cheiro das rosas nos meus vestidos.” Esse trecho da Cecília define minha biografia, como está na minha página no facebook.

Fora do Brasil, gosto de Gabriel Garcia Marquez, o que acho muito interessante. É picante como ele conta as histórias das mulheres. Adoro ler peças teatrais. Sempre me identifico com as personagens. Os personagens foram muito importantes pra mim, tanto na música como na vida pessoal. Atualmente, eu adoro ler Carlos Cony e Chico Buarque de Holanda, li tudo dele. Ele realmente é maravilhoso em tudo que faz.

 

E artes plásticas e cinema?

Vou falar pouco, já falei demais sobre literatura (risos). Eu parei ali nos impressionistas. Sou completamente apaixonada. Durante muitos anos da minha vida, fui apaixonada pelo Renoir, vendo aquelas coleções e enciclopédias que tinha lá em casa. Aí depois quando eu cresci, fiquei mais velha e vi a vida com meus olhos, me apaixonei completamente pelo Van Gogh. Eu considero Van Gogh e Chico Buarque os meus gênios preferidos. O Van Gogh é porque ele expressa na pintura dele tudo, ele expressa vida, loucura, sanidade, beleza, feiura. Eu olho pro Van Gogh e sinto tudo isso.

Adoro retratistas! Todos os pintores que sabem fazer com perfeição o desenho de rostos, eu acho incrível.

Sobre cinema, adoro os musicais antigos, “Cantando na chuva”, “Um dia em Nova Iorque”…Os filmes com a Doris Day, não são só musicais, mas ele canta sempre nos filmes e a voz dela é uma das que mais gosto. Adoro, adoro… os filmes do Almodóvar. Gostos dos filmes em Preto e Branco. Dos clássicos. Dos filmes do hithcock. Adorei A família Adams 1 e 2. Amo todos do Woody Allen. Os filmes franceses que assisti, achei maravilhosos… O fabuloso destino de Amélie Poulain, Minhas Tardes com Margueritte, Fique Comigo… De outras nacionalidades, A invenção de Hugo Cabret, Pequena Miss Sunshine, O Poderoso Chefão, O Iluminado, Sedução… tem tantos…Brasileiros, O Alto da Compadecida, O Milagre em Juazeiro, Abril Despedaçado, Eu tu eles. Os documentários Raul, o início o fim e o meio, Tim Maia, Orfeu Negro, Chico: Artista Brasileiro.

 

Tem algum detalhe que eu esqueci de perguntar, e que você queira fazer um comentário? Fique à vontade para o falar o que quiser sobre o novo disco.

Essas músicas todas fazem parte da minha vida e que são importantes para mim. Por exemplo, falar um pouco mais sobre “Bem-te-viu”, do Jorge Mautner, que eu assisti na televisão, o festival na qual ele cantou, eu não conhecia ele nesse tempo. Que eu olhei assim, apareceu aquele homem lindíssimo, com aquele sorriso dominador, com um bracinho assim meio musculoso, violino e cabelão, e cantando aquela música numa alegria. Eu disse pra ele uma vez, que o momento estético foi perfeito, não só a música, foi realmente o momento estético, ali na tela da televisão. Foi uma das coisas mais bonitas que eu já vi na televisão.

E aí me marcou, entrou na veia e ficou no meu sangue. Eu sou louca por essas músicas “Bem-te-viu”. E a “lourinha” também tem uma história, porque essas coisas a gente não via na internet, em canto nenhum. Eu sabia cantar porque eu vi na TV uma caloura cantando. Faz tanto tempo isso. Eu cantava o que eu lembrava, e ninguém sabia que música era aquela.

Ai de uns 4 ou 5 anos pra cá, apareceu na internet. Ai pensei em colocar essa música no álbum “Lúcinha”, mas como ele já tinha muita coisa, eu guardei a “lourinha” a sete chaves, porque se alguém pegasse, eu não gravaria, porque não gosto de pegar uma música que uma cantora acabou de gravar.

Ai eu encontrei a “Lourinha”, conheci o Fred Falcão, que é o autor dela. Ele adorou a minha interpretação, e a música é belíssima. E eu acho que sou a lourinha da música (risos), também acho que sou a musa do bem-te-viu, como também aquela que está triste com o desencontro com Chico, que essa música é importantíssima na minha vida, porque eu cantava com meu irmão muito lá em casa quando eu era menininha, e ele adorava tocar violão e cantar comigo. E as músicas do Chico eram nossas preferidas. E “desencontro” faz parte do meu sangue, ela é minha. Então por isso, deu aquela vontade de chamar o Chico e eu o chamei. E como ele conhece todos os meus discos, ele acabou aceitando. E o Jorge Mautner fez também um release poético pra mim depois que ele ouviu, ele adorou. Então, todas as músicas que estão no CD são maravilhosas e interessantes, e que fazem parte da minha vida neste momento e no momento em que as gravei. Tem aquelas que já fazem parte desde que eu nasci, mas tem aquelas que começam a fazer parte mesmo. Eu não canto se a música não entrar em mim.

 

https://www.youtube.com/watch?v=1M7ieZJSv7w

 

 

 

 

 

 

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.