Sem se prender a rótulos e com criatividade, é que Rafael Dutra apresenta o seu som, diversificado e que mistura muitas ideias musicais e poéticas. Como ele mesmo diz, é um verdadeiro músico eclético, e que com isso, acaba por conquistar um leque de público também diversificado.
Em 2014, Rafael lançou o seu primeiro trabalho, que contou com nomes fortes do cenário da música mineira, e o mais interessante: o disco foi produzido e divulgado de maneira independente. Além desta face, Rafael também trabalha com a música instrumental, na qual fez trilhas para cinema, rádio e teatro.
Convidamos o músico para uma conversa. Fizemos apenas 5 perguntas, mas que foram muito bem respondidas e muito satisfatórias. Veja:
Em 2014 você lançou seu primeiro disco, intitulado “Oásis de Vidro” de maneira independente. Como isso aconteceu? Qual foi o maior desafio?
Comecei a germinar a ideia desse disco solo lá pelos idos de 2008, quando a banda autoral que eu tinha terminou. Com esse fim, surgiram várias composições novas, que apontavam pra um caminho estético bem diferente do que eu vinha fazendo com o Sagaz, que fazia um rock progressivo que flertava com um som mais pesado. Daí, vi que essas composições mereciam ser bem lapidadas e ganharem um corpo instrumental que satisfizesse as minhas ideias pra essas canções. Pra isso, eu precisava de um grupo de músicos criativos e versáteis. Dei muita sorte ao encontrar pelo caminho os companheiros de som e estrada que arranjaram e tocaram nesse disco comigo, Di Souza nas percussões, Fernando Delgado nas baterias, Pedro Delgado nas guitarras e viola caipira, Ricardo Campos nos baixos e cello. Além dessa galera, ainda tive participações de figuras de peso da cena de BH, como Sérgio Pererê, Irene Bertachini e Felipe José, dentre muitos outros. Sendo produtor musical e engenheiro de som, tomei a coragem de acumular um tanto de funções: fui produtor e diretor musical, gravei o disco todo como engenheiro de som, além de tocar alguns instrumentos e, obviamente, as vozes. Um dos maiores desafios, como qualquer músico independente enfrenta (especialmente sendo artista solo), foi a parte financeira do projeto. Não tive gastos significativos com estúdio (visto que gravei no meu) e com os músicos (com os quais estabeleci permutas), mas com todo o resto – de mixagem e masterização à prensagem dos discos – tive o apoio fundamental de amigos, parentes e fãs que contribuíram com o projeto de financiamento coletivo que fiz no Catarse para finalizar o disco. E, desafio ainda maior foi (e ainda é) divulgar e rodar com o disco. Mas, graças a Deus, temos iniciativas bacanas e independentes como essa, que dão espaço pra enorme vazão criativa que vive nossa música brasileira atual.
Você diz ser influenciado pela MPB, Rock, o Jazz, a Black Music e outros estilos. Em questão de nomes, quem te inspira? E o que te inspira na hora de compor?
Sempre fui muito eclético (sim, sem medo do termo), e sempre fui bem aberto a conhecer coisas novas – especialmente se tratando de música. Herdei um bocado desse gosto pelo diverso dos meus pais, que escutavam de sertanejo raiz à jazz, de rock brasuca a música clássica, tudo no mesmo porta-CDs.
São muitos os nomes que me inspiram, mas pra destacar alguns poucos: Milton Nascimento e o Clube da Esquina, Radiohead, Gilberto Gil, Elis Regina, Chico Buarque, Kristoff Silva, Jeff Buckley, John Coltrane, Os Mutantes, Bjork, The Beatles, Caetano Veloso, João Bosco e toda a cena contemporânea de BH.
O ato de compor é algo que até hoje não consigo racionalizar direito. É quase sempre uma vazão espontânea, que se aproveita de alguma fagulha – poemas, CDs, filmes, conversas, livros e, claro, amores e desafetos. Daí, depois da espontaneidade da criação, vem a labuta intensa da lapidação – tenho canções que nasceram e foram “finalizadas” em um só dia, e músicas que demorei mais de ano pra finalizar. É um processo muito louco. E vital pra mim.
Você é instrumentista, e já fez trilhas para cinema, rádio e teatro. Poderia nos apresentar algum desses trabalhos?
Já fiz algumas trilhas para cinema, rádio e teatro. Mas, atualmente, o único trabalho que se encontra em execução e que é possível acessar é o programa Casazul, que passa na Rádio Inconfidencia (BH) toda segunda feira. As duas peças de teatro que produzi trilhas estão fora de cartaz há tempos, e nenhum dos 4 filmes que produzi trilhas está disponível online, infelizmente.
Além da música, você trabalha com outro tipo de arte?
Sim. Além de músico, também escrevo poesias (que, por vezes, até viram canções). E (dentro da música, mas não como músico) sou produtor musical e engenheiro de som. Dentro da engenharia de som, trabalho bastante com mixagem – uma parte bem artística do ofício de engenheiro/técnico de som.
Qual a mensagem musical e poética que carrega o disco “Oásis de Vidro”? E como ele surgiu?
Esse disco é um mosaico de muitas influencias musicais e poéticas, arranjado de forma cuidadosa e tendo a pluralidade de ideias musicais e timbristicas como mote criativo. Ao meu ver, a mensagem musical e estética do disco é a da experimentação, da mistura, da liberdade criativa fora dos padrões da indústria. Liricamente falando, é um disco também diverso, que fala de amor, infância, natureza e, especialmente política. O nome, “Oásis de Vidro”, vem dessa concepção mais política e libertária que carrego comigo, e traz, dentro dessa metáfora, uma crítica poética a essa falsa sensação de segurança e desejos saciados que nos promete o capitalismo – uma ilusão de conforto, um sonho que não passa de uma espécie de miragem ou, quando muito, algo efêmero. É critica com vontade de superação – “(…) ante o fim, há de nascer do nosso ventre, o furacão”. Mas o que eu mais gosto mesmo é de perguntar para as pessoas o que elas acham que é o tal “Oásis de Vidro”. Já recebi cada feedback maravilhoso nessa! E o mais legal da arte é isso – ela pode ser o que a gente quiser, e é sempre diferente pra cada um que a absorve.