Já fazia 20 anos que Daniela não gravava algo autoral, partindo do disco de estreia do grupo Rabo de Largatixa, de 1998. Quebrando isso, a compositora Daniela Spielmann presenteia o Brasil e o mundo com AFINIDADES, um CD totalmente autoral, e que conta com a participação de inúmeros músicos.
Apesar do disco ser recheado de instrumentos, o Saxofone ainda é, para Daniela, o pilar e o protagonista deste novo trabalho. A compositora, que também se mostrou arranjadora, explica que as composições de AFINIDADES estão sempre ligadas ao poderoso som e melodias que saem do instrumento.
“Este álbum é todo feito com composições próprias inspiradas por afetos, amizades e tocado por pessoas próximas onde certamente afinidades estão presentes. Não é um CD que você contrata alguém distante; são pessoas que fazem parte da minha vida pessoal, que construíram comigo os pedaços da obra e isso conta muito para a expressão. O CD também funciona como um pen drive, pois disponibilizei todas as bases e arquivos em PDF para vários instrumentos, ou seja, se alguém quiser tocar junto, estudar, o material tá lá.”, comenta a artista.
O CD embarca o ouvinte em diversos gêneros brasileiros e hibridações como: maracatu, samba-choro de gafieira, afoxé, baião, samba-latino e bossa-nova. Mas é claro que não poderia faltar uma boa “pitada” de jazz.
Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemos com Daniela Spielmann.
https://www.youtube.com/watch?v=0nYl705pPd8&feature=youtu.be
Como está sendo para você gravar um álbum inteiramente autoral em 20 anos?
Está sendo uma emoção porque é muito lindo ver suas ideias espalhadas e por vezes, emocionando quem escuta. Dá um pouco de medo também. Muitas vezes tocando obras de Pixinguinha, Villa, Jobim ou Chico Buarque o trabalho artístico é focado na interpretação e no arranjo, as obras são conhecidas e é fácil de cativar o público; no caso de um CD inteiramente autoral é necessário pensar no ouvinte, nos timbres, nos contrastes e na maneira como este ouvinte vai se relacionar com estas composições.
Quando acontece a sintonia do ouvinte com a obra é uma felicidade e quando a sintonia é ao vivo então, o sentimento é lá, na hora do jogo. Sinto que é um momento de maturidade porque fui ao longo dos anos colocando uma música em um CD, outra em outros e quando percebi tinha um monte de músicas e achei que seria bom fazer um trabalho assim, onde eu pudesse experimentar compor, dirigir, arranjar e até editar um pouco, claro que sempre em diálogo com meus amigos que me ajudam sempre.
O disco conta com participações de músicos e instrumentos especiais. Fale mais sobre isso.
A ideia central neste CD é a afinidade então tanto as composições são dedicadas a pessoas que eu tenho conexões e sentimentos como as participações também. Silvério Pontes, Idriss Boudrioua, Alexandre Romanazzi , Anata Cohen, Sheila Zagury , Beto Cazes são pessoas que tocam comigo há muitos e muitos anos, são amigos, professores, pessoas próximas que influenciaram e ainda influenciam a maneira como eu me entendo como artista.
Ter convidado o Idriss pra tocar o sax alto maravilhoso dele na música MERGULHO foi um acerto pros meus ouvidos; a ideia era dividir o solo e buscar sonoridade de dueto, de contraponto. O mesmo se deu na música LOBO GUARÁ – dedicada ao mineiro Domingos Teixeira que toca violão e guitarra comigo no CD- escolhi o som do violão, da flauta do Alexandre e eu tocando sax Tenor, aí buscando a sonoridade de samba-choro. O Flugel suave do Silvério em dueto comigo no sax soprano na música PRO DIGÃO foi pensado também em busca de uma sonoridade que eu gosto muito, o flugel soando quase como um trombone, além disso eu ainda pedi pro Domingos dobrar guitarra e violão, adorei o som. O piano da Sheilinha em MAURICE ET ALBERTINE que uma peça com 3 movimentos é muito expressivo especialmente no segundo movimento que é mais lento ( bossa-nova) ainda mais porque eu resolvi chamar uma camerata de cordas capitaneada pelo meu querido amigo Osvaldo Carvalho que arranjou o primeiro movimento. Esse som das cordas era um sonho antigo, eu acho muito bonito. O som do bandolim do Dudu Maia em AMIGOS ETERNOS pra mim foi um acerto também e o bom gosto do Beto Cazes que eu acho um mestre da gravação e arranjo de percussões. O clarinete da Anat é sensacional na música que eu compus pra ela ANATILDA, ela improvisa muitíssimo bem, é uma mestra! Algumas faixas foram gravadas só com o quarteto mesmo: bateria, baixo, violão e sax, que é uma sonoridade que eu gosto muito.
O saxofone, que você toca, de alguma maneira, é o protagonista do álbum?
Certamente. O sax soprano apesar de controverso (tem gente que não gosta) é o meu principal instrumento e é através dele que consigo expressar melhor o que eu sinto. Toquei duas faixas de flauta e três de sax tenor, o meu sax alto que eu gosto tanto não participou deste CD. Eu geralmente componho minha músicas no piano mas eu sempre dou uma testada no sax pra ver se a música está soando bem nele, é ele que manda, se o tom não ta legal eu mudo, se a amplitude melódica não tá legal, eu mudo .. Ele é o chefe…
Como foi seu processo criativo?
Bom, tem músicas com varias idades, RAXIN deve 18 anos, SEU SILVA 21 e XAN XAN ainda tem meses. Eu fiz 2017, uma semana antes de gravar com o quarteto. Já tinha feito música pro Rodrigo (baixista): PRO DIGÃO pro Domingos (violão): LOBO GUARÁ ambos do quarteto e o Xande estava sem música. Pensei num som que pudesse representar uma atmosfera meio jazz, meio samba, meio da malandragem porque ele é muito engraçado e um baterista que eu admiro muito. Deixei um espaço para que ele pudesse solar como parte da composição e a composição valoriza muito a divisão rítmica. Eu formato o que eu quero antes e vou “tecendo”. Esse processo é bem obstinado porque fico horas e horas a fio até me dar por satisfeita, aí no dia seguinte eu volto e desfaço e começo tudo de novo depois volto vejo o que tinha antes comparo e assim vai até decidir botar um ponto final. MAURICE ET ALBERTINE foi inspirado pelo cinema, pelas cenas de amor. Era o encontro do casal, a separação e a volta… veio a imagem daqueles filmes franceses com a estação do trem, o cigarro, a emoção …isso como sensação, mas o som é brasileiro porque minha principal vivência é na música brasileira. Enfim, cada música teve uma inspiração e vou dando forma com o processo de tentativa e erro, a construção da composição acontece na busca dos sons e pela estrutura.
E as gravações, e a produção, como foram?
As gravações começaram em 2013, sempre no Estúdio Tenda da Raposa, onde Carlos Fuchs gravou, mixou e masterizou. Eu adoro trabalhar com ele e já produzi vários CD´s no estúdio dele ( A VIDA VALE A PENA 2012, DE ONDE VEM O BAIÃO 2013). Em 2014, parei um pouco o processo de gravação e composição porque estava começando o meu doutorado e o CD ficou guardado um pouquinho. Em 2016 comecei a pegar devagarzinho as composições e finalizei o CD no início de 2018. Resolvi não chamar nenhum diretor musical, eu dirigi sozinha, talvez tivesse feito um monte de coisas diferentes olhando depois do caminho percorrido. Temos que tomar decisões: pesam questões financeiras, de tempo e estéticas. O mais interessante e trabalhoso pra mim foi a edição porque eu peguei todo o material bruto do estúdio e fiquei trabalhando em casa pelo menos três meses e isso foi um aprendizado e tanto! Aprendi que gravar 5 solos e escolher o melhor é um roubada para quem vai editar. Tem sempre um pedacinho que você adora e quer manter. Fiquei muito feliz com o som do CD.