(Capa do álbum)
O pagode atual, aquele criado nos anos 1990 já fez muito sucesso, e ainda hoje, é mal visto por muitos. Mas, para Matheus Brant, esse discurso não vale. O artista lançou recentemente o álbum “Cola Comigo”, trabalho que reúne dez faixas (nove inéditas) que refletem o melhor do pagode, o dando outros ares.
A Arte Brasileira viu algo de diferente neste trabalho que já está tão conceituado pela sua capacidade de transformação. Por isso, nós conversamos com o artista. A entrevista, você vê a seguir.
Qual sua relação com o pagode?
Nos anos 90, quando eu tinha 14/15 anos e começava a formar minhas primeiras bandas, muito embora o gênero executado por esses grupos fosse rock, reggae, eu já ouvia com atenção e gosto do pagode da época a ponto de ter comprado um cavaco, um pandeiro e um tantam. Mais tarde, já na faculdade, quando criei o grupo de samba de raiz, Chapéu Panamá, comecei a entender as origens do pagode através do contato que tive com a obra do Fundo de Quintal e artistas que dele vieram como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Jorge Aragão.
Por fim, essa relação se intensificou profundamente com a fundação, por mim, do bloco de carnaval de rua “Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro”, cujo repertório é exclusivamente formado por pagodes dos anos 90 e alguns atuais.
Para você, qual é a relação entre o pagode e o samba?
Talvez seja algo como a relação que há entre sexo e amor, corpo e alma, respectivamente. O pagode fala mais aos aspectos cotidianos, sensoriais (coisa de pele) da vida humana ao passo que o samba trata das coisas espirituais, subjetivas por isso o primeiro se expressa, tanto na melodia como na letra, se aproximando da fala com poucas metáforas, muitas gírias e poucos intervalos entre notas graves e agudos. O samba, ao contrário, é repleto de construções melódicas mais elaboradas e versos mais líricos, poéticos.
Essas características, entretanto, não são estanques, podendo acontecer, com frequência, de um samba apresentar atributos típicos do pagode e vice-versa. Há uma zona cinzenta, às vezes, que dificulta a exata identificação.
Como chegou para você a ideia de “transformar” esse gênero musical?
Tive uma intuição de que faltava à nova MPB, samba e aos artistas indie em geral – de quem sempre admirei os timbres e arranjos – uma certa vitalidade nas composições. Eu sentia que as músicas não se comunicavam diretamente com o público e, mais do que isso, que não faziam parte da vida das pessoas falando pouco de temas cotidianos – como aliás o rap faz tão bem.
Essas eram justamente as características presentes no pagode. Assim, pensei que aproximar esses dois universos poderia resultar em algo interessante. De um lado o pagode com a coloquialidade e espontaneidade muitas vezes consideradas de “mal gosto”, de outro lado o indie, a nova mpb, com seu apuro técnico, arranjos e sonoridades contemporâneos, muitas vezes definidos como de “bom gosto”.
E para reforçar essa minha ideia, me veio às mãos nesse época um livro cuja seguinte citação resume bem o que eu penso sobre isso: (…) “parece que a arte prefere muito mais se dispor no molde informe e indiferenciado do mau gosto a se espelhar no precioso cristal do bom gosto. Tudo se passa, em suma, como se o bom gosto, permitindo, a quem tem o seu dom, perceber o point de perfection da obra de arte, terminasse, na realidade, por torná-la indiferente a ela; ou como se a arte, entrando no perfeito mecanismo receptivo do bom gosto, perdesse aquela vitalidade que um mecanismo menos perfeito, mas mais interessado, consegue, no entanto, conservar.” Giogio Agamben em “O Homem Sem Conteúdo” (p.45)
O que você fez neste disco foi algo bem diferente. Você teria alguma definição para o que fez na parte musical e rítmica?
Algo como “Pagode Contemporâneo”, “Pagode indie”.
E na questão poética, como você diria que é?
Algo doce, simples como a fala cotidiana, como é o amor leve.
Como foi o momento de criação das dez faixas presentes no álbum? Qual processo o agrada mais: Criação, gravação ou produção?
Procurei deixar a inspiração solta, sem travas intelectuais para que as letras e melodias soassem espontâneas, vivas, cotidianas. Muitas vezes, assim que um verso ou melodia me vinha, eu resistia a assumi-las achando que eu poderia elaborar melhor, tornar a música mais sofisticada, mas logo eu me segurava e deixava a primeira versão que aconteceu, naturalmente.
Tudo aquilo que envolve a criatividade me agrada mais. Assim, a composição das músicas e a gravação/criação dos arranjos é o que mais me atrai.
Você tem alguma história ou curiosidade interessante sobre o novo álbum para nos contar?
Esse disco era para ter sido de cumbias e reggatons, que – eu acho – possuem as mesmas características de vitalidade presentes no pagode. Mudamos apenas porque, naturalmente, tenho feito muito mais pagode do que qualquer outro gênero, em especial com o Vinicius Ribeiro, parceiro com quem fiz metade das músicas do disco e com quem minha vontade, intuição de compor pagode se concretizou muito fortemente.
Outra curiosidade: o nome do disco foi escolhido para que fosse a continuação da frase iniciada com o disco anterior, ficando assim: “Assume que gosta, Cola comigo”… E vem um terceiro disco para finalizar a frase e completar a trilogia!
Fique à vontade para falar algo que eu não perguntei e que você gostaria de ter dito.
Falei tudo e muito (risos).