30 de abril de 2024
Entrevista Música

[ENTREVISTA] Ravenc, o artista das palavras terráqueas

 

Ravenc é um cantor e compositor natural de Santarém do Pará. Em 2017, mudou-se para a capital de São Paulo a fim de investir a fundo em sua carreira artística. Seu primeiro single, “Palavras de um Terráqueo” foi elaborado em parceria com o produtor e também músico Fred Maran, e o videoclipe da canção entrou na lista dos melhores do ano de 2019 pelo site hitsperdidos.com.

Seu trabalho é carregado de influências musicais dos anos 60 e 80, como a Jovem Guarda, Roberto Carlos, Rita Lee e os Mutantes, sons que o acompanham desde a infância graças a sua mãe, uma professora de Língua Portuguesa de sua cidade.

Além de escrever as próprias canções, Ravenc também gosta de desenhar e fotografar e dedica uma página no Instagram somente para seus trabalhos artísticos de imagem, o @ravencillustration. Fã cinema, já fez teatro amador em sua cidade de origem, onde atuou como protagonista do primeiro curta metragem local, “Meu tempo menino”.

Finalista por dois anos consecutivos do concurso de música de sua faculdade federal, já se apresentou em festivais e eventos culturais, mas agora visa levar seu trabalho adiante e atingir o grande público com um som que define como “pop vintage”.

 

 

“Em 2017, no entanto, decidi que não haveria mais planos B na minha vida e a música seria o único caminho para mim, o único investimento que poderia trazer um significado para minha existência como um mero terráqueo, porque é o que eu sei fazer de melhor e foi algo que nunca me abandonou.”

 

Matheus Luzi – Ravenc, como foram seus primeiros contatos com a música? E como se interessou em levar isso ao lado profissional?

Ravenc – Minha mãe era professora da rede pública de Língua Portuguesa e Literatura e uma consumidora voraz de cinema e música. Logo, eu e minha irmã crescemos num ambiente em que artes do tipo eram bastante presentes; e, desde cedo, ela nos colocou em corais da cidade, aulas de violão e teatro, para que pudéssemos desenvolver melhor nossas próprias aptidões.

Apesar disso, eu era um jovem muito preguiçoso e não levava a sério essas atividades artísticas, nunca terminando meus cursos ou durando em algum grupo, apesar de sempre estar compondo canções bobinhas. A decisão de tornar aquilo que eu considerava hobby em algo sério só aconteceu, afinal, após o falecimento de minha mãe, em 2015.

Minhas composições se acumulavam no computador (hoje tenho quase cem arquivos salvos!) e foi meio que aquele famoso clichê “Não tenho mais nada a perder”. Havia desistido de duas faculdades antes disso (Jornalismo e Antropologia), minha família se dispersou após o luto e, literalmente, só o que me restaram foram um violão e alguns pertences. Eu possuía certo receio em me assumir como “artista”, além de ter um complexo com minha imagem e não acreditar no meu próprio trabalho.

Em 2017, no entanto, decidi que não haveria mais planos B na minha vida e a música seria o único caminho para mim, o único investimento que poderia trazer um significado para minha existência como um mero terráqueo, porque é o que eu sei fazer de melhor e foi algo que nunca me abandonou.

 

Matheus Luzi – Como foi sua mudança para São Paulo? O que vem acontecendo desde que se mudou para a capital paulista?

Ravenc – Durante esse processo de luto, cheguei ao ponto em que não encontrava mais perspectivas na cidade onde morava e, na época, não tinha apoio suficiente em relação às minhas composições. Então, decidi abandonar tudo e, junto com meu namorado, juntamos uma grana e viemos nos aventurar em São Paulo, com apenas as mochilas nas costas e duas malas pequenas – eu com o sonho de produzir minhas músicas de forma profissional e ele com um livro em andamento, em busca do reconhecimento como escritor.

Assim que cheguei, curiosamente, logo no primeiro mês, conheci o produtor Fred Maran, o cara que trabalhou em meu primeiro single “Palavras de um Terráqueo”. Ele também era um recém-chegado na cidade e foi extremamente importante nessa jornada porque até então eu não tinha a percepção de que minhas músicas possuíam de fato uma vibe retrô. Durante nossas conversas, ele me fez perceber o tipo de som que eu trazia na bagagem e amadureceu em mim a necessidade de direcionar meu trabalho para este segmento da música, um pop vintage com uma pegada Jovem Guarda e Novos Baianos.

Já meus 2 últimos singles foram produzidos por Marcus Maia, dando segmento ao meu primeiro EP e sendo fiel a estética e sonoridade que eu queria construir. O Marcus já foi membro de banda e produziu alguns sucessos de artistas independentes na internet.

 

 

Matheus Luzi – Faça um breve resumo dos três singles que você já lançou. O que eles representam musical e poeticamente?

Ravenc – “Palavras de um Terráqueo” se trata de uma balada romântica com uma pegada anos 60. Ela é uma canção bem melosa e carrega consigo a mensagem de um amor carente, algo um tanto avassalador e imaturo.

“Ei Baby” é uma canção pop rock com uma vibe retrô. É sobre se perceber como alguém abusivo dentro de um relacionamento e tentar melhorar em relação a isso, funcionando como um sentimento de desculpas e arrependimentos. A inspiração dela veio através das primeiras frases da canção “Franqueza” na voz da cantora Maysa, “.

“Alice” surgiu após eu ler o livro “Alice no País das Maravilhas”, é claro, e também por estar ouvindo bastante a música da cantora Thaís Gulin com o Tom Zé chamada “Ali Sim, Alice”. Tudo isso veio como inspiração para construção dessa canção. A melodia de “Alice” contém uma certa melancolia disfarçada com um instrumental mais animado e nostálgico.

“Jacinto”, meu lançamento mais recente, funciona como uma canção pop acústica. Ela fala sobre querer ser notado e amado, é uma junção dos primeiros estágios da paixão envolta em um sentimento borderline de estar disposto a agradar o seu parceiro para tentar ser aceito. Com ela cheguei a ser finalista num concurso de música da faculdade federal na qual estudei Antropologia por uns anos.

 

Matheus Luzi – Como você enxerga a sua música e o novo cenário da música brasileira que vem brotando por aí?

Ravenc – Minha música age como uma lembrança gostosa do passado, uma memória com a qual você tem a oportunidade de reviver repetidas vezes certo sentimento nostálgico, mesmo sabendo que está caminhando para o futuro. É como um álbum de fotos que você gosta de abrir para sorrir, chorar ou se emocionar, dependendo do que está vivendo ou passando no momento.

Eu percebo que o cenário nacional está bastante democrático, e, portanto, igualmente acirrado. Há um movimento de artistas carregando gêneros e propostas diversas, e que não dependem mais de grandes gravadoras para existir e expor sua arte. Eles podem ser donos do próprio negócio através do seu celular, da tela de um notebook, e ser reconhecidos por isso e aprendem, assim, a se posicionar no mundo do entretenimento de uma forma muito natural e espontânea. Hoje, você pode ter um pop dançante ou um funk batidão, se está afim de dançar; uma balada romântica mais lenta se quiser só curtir; ou um pop vintage como o meu se estiver na dúvida entre os dois!

 

“Eu percebo que o cenário nacional está bastante democrático, e, portanto, igualmente acirrado. Há um movimento de artistas carregando gêneros e propostas diversas, e que não dependem mais de grandes gravadoras para existir e expor sua arte.”

 

Matheus Luzi – Quais são suas referências?

Ravenc – Os boleros modernos da chilena Mon Laferte, as crônicas musicais de Rita Lee, com algumas nuances melódicas da banda The Fevers, um pouco da psicodelia lírica de Os mutantes, o romantismo brega da Jovem Guarda, a autoconfiança da Madonna e a tentativa de tentar aceitar a mim mesmo da Lady Gaga, além da inspiração e coragem de fazer o próprio material visual com filtros vintage de Lana Del Rey. Todos esses são artistas que me inspiram e esses são alguns pontos que tento abraçar em meu trabalho.

 

Matheus Luzi – Além da música, você trabalha com outras formas de arte?

Ravenc – Já cheguei a participar de alguns filmes pornográficos, mas minhas cenas foram deletadas porque não fiz o requisito. Brincadeiras à parte (obviamente, isso é mentira), eu faço muita coisa além da música: desenho, fotografo e também escrevo algumas crônicas sociais e eróticas que pretendo compartilhar com as pessoas em algum momento da minha vida. Já fiz trabalhos como designer em empresas pequenas na minha cidade natal e para sites e páginas da Internet, e até elaborei capas de singles e álbuns de outros artistas independentes. Hoje, tenho uma página no Instagram com alguns desenhos variados chamado @ravencillustration e atualmente tenho ocupado meu tempo editando vídeos para um canal do YouTube chamado “Sociocrônica”, que criei com meu namorado, com conteúdo sobre cultura pop, e tenho me divertido bastante com tudo isso.

 

Matheus Luzi – Você tem alguma(s) história(s) ou curiosidade(s) que englobe sua vida artística?

Ravenc – A maior curiosidade sobre mim é que tudo o que produzo em relação à conteúdo é feito somente por mim e meu namorado, o escritor Phill Emmanuel. Nós bolamos as ideias, vamos atrás das roupas e do visual, caçando em brechós antigos da cidade, e montamos juntos os conceitos de cada faixa. Meu primeiro videoclipe foi feito inteiramente no celular, com filtros vintage, inspirado nos clipes de Lana Del Rey pré-fama. Já o vídeo para “Ei Baby” teve como inspiração “Canción de Mierda”, de Mon Laferte, e foi gravado em bairros do Butantã com uma câmera semiprofissional que pifou no dia em que gravamos a última cena! Curiosamente, nestes dois primeiros trabalhos, topamos com carros antigos expostos nas ruas; então eles meio que se tornaram uma marca por coincidência!

Ter trabalhado com edição de imagens e designer e entender de fotografia e audiovisual desde os 15 anos, sem dúvidas, é um fator crucial para que eu possa produzir minha próprias capas e fotos de trabalho. E acredito que ser capaz de compreender um pouco de tudo é fundamental para definir sua autonomia e liberdade de criação no mundo do entretenimento moderno, em especial se você é um artista independente. Às vezes, criatividade e talento são os melhores trunfos com os quais você pode contar nessa jornada solitária e árdua que é ir atrás do sucesso e do reconhecimento.

 

Matheus Luzi – Sinta-se a vontade para falar algo que gostaria e que eu não perguntei.

Ravenc – Eu queria agradecer a oportunidade de estar dando essa entrevista, realmente estou muito feliz em ter respondido essas perguntas. Para artistas independentes como eu, qualquer chance de poder levar aos outros o conhecimento de sua arte é algo louvável. Estar fazendo isso aqui já pode ser considerado um dos melhores momentos da minha vida. Há uma leva de artistas lá fora, muitos deles extremamente talentosos e com um trabalho único, procurando por atenção, e ver que há canais dispostos a oferecer espaço e voz para nós nos enche de emoção e esperança. Gratidão!

 

 

 

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.