20 de janeiro de 2025
Álbum Entrevista Música

[ENTREVISTA] Vitor Guima lança o álbum autoral “O Estrangeiro”

(Crédito: Tião Rocha)

 

“Eu tento encarar a arte como algo unificado, já que o cinema une várias delas. Até por isso, escolhi colocar na capa ‘um álbum de Vítor Guima’, como um aceno a um elemento cinematográfico”, diz. “É bom estar conectado a outras artes para sintonizar influências do cinema, da literatura… E agora também da filosofia e das artes visuais, que comecei a estudar recentemente.”

Para introduzir essa reportagem, achamos esse comentário de Vitor Guima algo que pode guiar a compreensão de “O Estrangeiro”, o álbum de estreia do artista. Isso porque as nove faixas que compõem o trabalho, estão de uma forma ou outra, ligadas a outras artes, como a forte influência do poeta Fernando e dos músicos Bob Dylan e Belchior, entre muitos outros.

Todas as músicas são assinadas por Vitor, porém algumas em parcerias com Paulo Felisberto, Paulo César de Carvalho e Guilherme de Castro Andia. O lançamento acontece pela Tratore, tem produção musical de Eduardo Kusdra, e com muita criatividade e falta de pressa, “O Estrangeiro” foi gravado no Estúdio Arte Master, localizado no interior de São Paulo.

 

Nós entrevistamos Vitor, na busca dos nossos leitores entenderem melhor as inspirações e os conceitos das faixas do álbum.

 

 

Vitor, não se assuste com minha ousadia. Não consegui evitar de idealizar um clipe para a primeira faixa do álbum. Você num quarto, curtindo uma melancolia e a cabeça viajando para além da ciência e da religião. O que acha dessa ideia? Afinal, qual o conceito de “Do Lado de Fora”?

Eu acho que um clipe da maneira que você descreveu faria muito sentido. Esse estado melancólico, aquele vazio, a atmosfera solitária em meio a tantos questionamentos… Divagações… O conceito da faixa acaba sendo o pontapé inicial para a busca que veremos nas próximas canções do álbum. É o começo da história desse “estrangeiro” em questão.

 

Na próxima música, “Por Aí”, você reforça a identidade existencial do álbum. É como se o eu lírico da canção preferisse ficar sozinho para não se trombar com as maldades do mundo. Estou certo?

Não creio que essa solidão – nesse momento da narrativa – é uma preferência desse eu lírico, mas vejo ali, sim, um afastamento consciente ao mesmo tempo em que ele tenta entender com maior clareza essa atmosfera ao seu redor, enquanto se sente um desconhecido, um estrangeiro buscando entender seu lugar nesse mundo, se é que ele existe da maneira que o eu lírico pensava à princípio…

 

“Movimento”, canção composta por você em parceria com Paulo Felisberto, usa a “árvore” como ponto de referência metafórica. Quem seria essa árvore? Qual o contexto?

Como a música surgiu a partir de um poema do Paulo Felisberto e a letra é inteirinha dele, não posso afirmar categoricamente o que seria para ele essa árvore. Porém, vale ressaltar que eu e o Paulo somos ararenses, e essa cidade no interior de São Paulo é conhecida como Cidade das Árvores. Ele escreveu esse texto em 2011, um pouco depois de termos passado alguns dias em São Carlos durante uma Virada Cultural por lá, na época em que eu ainda não tinha largado a faculdade de engenharia da USP. Imagino que, de alguma maneira, ele associou aquele momento que estava passando em Araras com essa imobilidade das árvores. Essas árvores que não dançam nem transam com fogo, como ele escreveu – e como creio que ele sabia que eu também me sentia fazendo um curso pelo qual descobri não ter o menor interesse. Ele diz que a árvore é mais uma atitude do que um objeto, a de estar preso a algo que precisamos deixar para trás. Conversamos um pouco antes do lançamento do álbum sobre essa faixa e ele até me falou que questiona se conseguiu transmitir direito o que sentia nessa letra e que ela soa estranha pra ele. Eu ainda a acho tão bela, cheia de imagens que me intrigam até hoje e que me evocam belas (porém doloridas) memórias. Acho que é como o Paulo disse em uma outra conversa, que quem ouve essa canção a sente de acordo com seu contexto e é isso o que ele mais tem gostado em “Movimento” depois de tantos anos.

 

Adoro quando a letra de uma música cita outros músicos, e foi isso que aconteceu na faixa “Coração na Cabine”, parceria sua com Paulo César de Carvalho. 

O Paulo César de Carvalho é um poeta paulistano que dispensa apresentações. Seus vários livros publicados e a velocidade com que ele produz tantos poemas são fascinantes. Ele escreveu esse poema após assistir a um programa na televisão que falava da vida dos caminhoneiros. No fim essa canção tem uma história bem engraçada. O Carvalho compõe com várias pessoas da cena da MPB, e é bem rápido que os poemas dele acabam virando canções. Quando li esse poema pensei “esse aí tem que ser comigo”. Aí logo depois que ele postou o texto no Facebook eu mandei uma mensagem dizendo que o tinha musicado – mas eu não tinha feito é nada, ainda. Algumas semanas depois eu ia visitá-lo e pouco menos de uma hora antes de sair pra ir pra casa dele me sentei na frente do poema e fui tocando uns acordes até que virou música (risos). No fim deu certo e ele até deu risada da história. Gosto muito dela e é uma honra ter feito essa e tantas outras canções com o Carvalho. Quanto a citar o Amado Batista e Bartô Galeno, são dois caras que eu adoro. E acho que essa faixa carrega um tanto dessa atmosfera da música tida como brega (apesar de eu não concordar muito com essa classificação). E, se me permite, já que falamos dos dois, caso o leitor não conheça suas canções eu recomendo “Folha Seca” e “Serenata” do Amado, e “No Toca Fitas do Meu Carro” e “Essa Cidade é uma Selva sem Você” do Bartô.

 

Amo mais ainda quando a obra do artista é trabalhada dentro de outra obra. Em “Balada para Álvaro de Campos” você fez essa brincadeira de forma fantástica. Parabéns!

Muito obrigado. Fernando Pessoa está definitivamente entre os artistas que mudaram minha vida. O quanto li e reli sua obra, especialmente o “Poesia de Álvaro de Campos” e o “Poemas Completos de Alberto Caeiro”, ambos nas edições da Martin Claret, não está escrito. Os livros estão todos amarelados de tanto que os manuseei desde que adquiri os volumes há mais de uma década, em meados da minha adolescência. A obra de Pessoa teve um impacto gigantesco na minha vida e eu fico muito feliz em ter essa conexão com ele de alguma maneira nessa música. Quando estive em Lisboa fui até a Casa Fernando Pessoa, onde ele viveu nos seus últimos 15 anos de vida e que hoje é um museu, e foi bastante emocionante estar em um lugar onde ele ficou por tantos anos e escreveu tantas obras que me marcaram. E obviamente, como bom turista, também tirei aquela foto com sua estátua na Rua Garrett…

https://www.instagram.com/p/BPvoAJxj1fi/

 

Em questão poética, “O Trem” me lembrou muito “O Trem das Sete”, do nosso querido Raul Seixas. Seria essa faixa inspirada em quem/algo?

Essa música foi inspirada de maneiras diferentes por três obras. A canção “Trem de Doido” de Lô Borges e Marcio Borges, a peça “Um Bonde Chamado Desejo” de Tennessee Williams e o filme “O Último Metrô” de François Truffaut. Até pra mim é difícil colocar em palavras o que uniria essas obras – se é que essa confluência existe, mas creio que essa faixa consegue estabelecer diferentes diálogos com cada uma delas. E, no mínimo, elas são três grandes obras que encorajo as pessoas a conhecerem.

 

“Tortos Assim”, é a primeira música do álbum que versa o relacionamento amoroso. Ou estou errado? Suas metáforas são muito boas, acabo me perdendo. [RISOS]

Poxa, muito obrigado. E sim, sim! É quando “o estrangeiro” entra no trem (risos). Essa é minha faixa favorita do álbum. Adoro, também, os violões do Eduardo Kusdra nela, especialmente o solo. Essa canção é um momento em que a personagem busca apreender essa possível fugacidade. Creio que é uma canção sobre poder entender as coisas boas e belas, mesmo com seus defeitos e mesmo sendo possível elas sejam breves ou frágeis.

 

Levando em consideração o meu comentário na pergunta anterior. Pra ser bem sincero, não entendi nada de “Laís” e “A Lei do Desejo”.

(Risos). “Laís” é uma faixa que brinca com o mito de Orfeu e Eurídice só que às avessas. Eu acho que o refrão dessa faixa pode soar até dócil pra um ouvinte mais desatento, mas nos versos acabamos vendo um certo aprofundamento em algumas questões. Esse protagonista que não desce ao inferno procurar sua amada, a casa que só está aberta aos erros. É um certo comentário sobre esses romances e pseudo-romances tão fugazes na era dos aplicativos, ao meu ver. Essa personagem se acostumando a não fazer a diferença… Por sua vez, “A Lei do Desejo” é a conclusão dessa história, da saga desse estrangeiro. O protagonista já sabendo que pode não ser o Tejo o rio que corre por sua aldeia (outro diálogo com Pessoa, dessa vez com Alberto Caeiro), mas que aprendeu a buscar outras coisas, almejar o que parece distante. O refrão final, que encerra o álbum, fala um pouco sobre apreciar esses aprendizados, essas buscas, mesmo que seja o que aprendemos com a solidão ou a tristeza. E crente que com todas essas pequenas ou grandes mortes que encaramos, uma fênix volta das cinzas. 

 

Você tem alguma(s) curiosidade(s) ou história(s) para nos contar?

Meus filmes favoritos são “News From Home” (1977; dir. Chantal Akerman) e “Blue” (1993; dir. Derek Jarman). Além de músico eu também sou cineasta e escritor. Minha série favorita é “Os Normais”. Se eu pudesse levar apenas um disco pra uma ilha deserta seria o “Pink Moon” do Nick Drake. Eu gosto muito de cozinhar. Se eu precisasse escolher um livro favorito eu provavelmente escolheria uns 50. Eu tive uma carreira no jornalismo de entretenimento, principalmente como crítico e comentarista de cinema em sites, jornal e rádio, e ainda escrevo pra um site de séries de TV. Atualmente estudo Filosofia e Artes Visuais. Entre o final desse ano e o início do ano que vem vou lançar meu primeiro livro de poemas. Planejo filmar um longa-metragem experimental em breve e na semana passada comecei a inscrever o “Mônica”, um dos meus primeiros curtas-metragem, em festivais. Planejo, também, lançar um segundo álbum no ano que vem ou no próximo. No fim, a história acho que é eu ter passado muito tempo fazendo o que esperavam de mim e não pensando no que realmente queria fazer. Acho que “O Estrangeiro” tem bastante disso. De alguma maneira estou “em busca do tempo perdido”, pra citar Proust, e estou feliz com o que está acontecendo, esses projetos se encaminhando, a repercussão do álbum. Isso me deixa bastante contente. Ah, e eu também amo muito cachorros. Muito mesmo.

 

Fique à vontade para falar algo que eu não perguntei e que você gostaria de ter dito.

Bom, por último, recomendo que ouçam o álbum “O Estrangeiro”, ele já está disponível no Spotify, Deezer, Youtube e iTunes! Foi um trabalho de anos e que me deixou muito feliz com o resultado. E também peço que me sigam nas redes sociais porque muito em breve tem novidades! Estamos preparando algumas sessões acústicas e tem música inédita vindo por aí! 

 

 

 

 

 

 

administrator
Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.