9 de fevereiro de 2025

[ENTREVISTA] Copacabana é a inspiração do novo clipe da banda brasiliense Guardavento

(Imagem do clipe “Copacabana”)

 

Guardavento é uma banda brasiliense independente, formada entre 2017-19 e constituída por Naiça Mel (Vocal), Lídia Moreira (Teclados), Anderson Freitas (Guitarra/teclado), Humberto florim (Baixo), Yan Britto (Bateria). A banda lança o seu primeiro álbum “Apesar de tudo” – gravado e produzido por André Zinelli e Diego Poloni, mixado e masterizado por Diego Poloni.

(Capa do CD “Apesar de Tudo”)

As influências da banda vêm da MPB, da World Music e do Pop internacional. O projeto teve início na junção entre Humberto e Anderson, que compuseram as músicas e encontraram Naiça para dar voz ao material. Nesse processo entraram também André e Diego, produtores experientes inclinados a experimentar novos sons. As composições foram sendo desconstruídas no estúdio e pensadas de dentro para fora, buscando consolidar uma identidade nova para o som.

Yan Britto e Lídia Moreira integraram-se ao grupo durante o período de ensaios para dar corpo ao projeto. O conceito do álbum trata da influência do tempo sobre a percepção das emoções e o valor da memória. Temas como angústia, solidão e melancolia são abordados em forma de confissões pessoais, imersas numa sonoridade brasileiro-urbana e contemporânea.

 

MÚSICA DE TRABALHO

No álbum, a faixa “Copacabana” ganhou destaque, o que levou o grupo a gravar um clipe. Como o próprio nome sugere, a canção é inspirada no antigo bairro carioca, e o clipe vai além, muito além, em seu contexto e história.

“No clipe tivemos a ideia de contar a história de um dos diversos personagens abordados na composição musical. Um escritor falido que utiliza a atividade de pipoqueiro para o seu sustento e como um observatório de pesquisa para um novo livro se encontra em uma crise existencial ao deparar com um dos seus livros rasurado em uma parada de ônibus”, explica o integrante Humberto Florim.

 

Respostas do baixista Humberto florim  

Qual foi a inspiração da música?

Durante parte de minha infância em Copacabana me fascinava observar o cotidiano das pessoas. A sobreposição da história antiga do bairro e a deterioração caótica do Rio de Janeiro dos anos 80 despertavam em mim uma profunda inquietação.

Acumulou-se tudo isso em minha memória: os inúmeros bares com suas rodas de samba, a arquitetura do bairro, o movimento incessante da madrugada, os tantos personagens anônimos que cruzavam Avenida Atlântica no rumo da praia, e até a figura de um pipoqueiro com sua carrocinha. Este personagem ficou muito vivo em minhas lembranças. Todas as vezes que me recordo de Copacabana, inevitavelmente o pipoqueiro de minha infância surge enquanto um portador de alegria e esperança.

Até hoje, Copacabana me remete a um Rio vanguardista que perdeu seu glamour ao tombar diante da violência urbana sem limites, decadente e aparentemente sem saída. Me sinto, então, tomado por certo apego nostálgico das coisas que se foram e nunca mais voltaram, deixando a impressão de que toda a existência é somente uma fugacidade sem sentido.

A arte, neste caso a música, vem nos fazer reviver aqueles acontecimentos. Todo aquele instante originário de vida se repete nos arranjos, nas partituras, nas letras, na força vocal, na escuta.

 

Como foi o processo de gravação?

[Música] Foi elaborada inicialmente para voz e violão no final de 2015. Posteriormente, trabalhada em um programa de gravação digital no qual se pôde acrescentar timbres, camadas e nuances para a delicada interpretação da cantora Naiça Mel.

[Clipe] Foi gravado em Brasília em dois fins de semana pela produtora Estúdio 70. Utilizamos uma parte do centro comercial e a própria casa do artista plástico que atuou na narrativa (Carlos Linn).

 

Qual mensagem vocês querem passar com a música e o clipe?

[Música] refere-se à solidão de se viver em uma grande metrópole. Entre a indiferença das pessoas e o declínio de um endereço charmoso existe uma poesia oculta nos cantos de humanidade.

[Clipe] aborda a melancolia do processo criativo artístico; o artista usa a arte para transfigurar o cotidiano precário em algum tipo de beleza e mesmo numa vida suportável. De certo modo, portanto, quando admitimos que a vida é imprevisível e que dói muitas vezes, seja porque não encontramos significados convincentes para ela, seja porque esquecemos de lidar com seus altos e baixos, nós queremos fazer a sua afirmação. Louvor à vida é a nossa intenção, absorvendo-a em suas clarezas e escuros, sem entrar em confronto com sua natureza.

 

Como vocês definiriam a poesia e a musicalidade de “Copacabana”?

[Poesia] É uma reflexão que se apropria da subjetividade para descrever uma época e anseia por encontrar o romance entre o homem e sua cidade. Um pensar que vem à linguagem escrita sem nunca abrir mão do sentimento.

[Musicalidade] o clima de serenidade e contemplação utiliza elementos eletrônicos para criar uma ambiência brasileira moderna com a intenção de se degustar saudade e devaneios.

 

Você tem alguma história(s) ou curiosidade(s) interessante(s) para nos contar?

A produtora da filmagem do clipe estava com dificuldade em compor o figurino material do personagem, no entanto queríamos muito uma carrocinha de pipoca de verdade. Nos planos do roteiro estava planejado de que se ateasse fogo ao final da história. Eu fui ao encontro de um pipoqueiro na periferia de Brasília, o qual fabricava os carrinhos em sua própria casa. Ele me perguntou se era para um novo investimento comercial, porém desconversei e não revelei a real finalidade da aquisição.

O mesmo, muito entusiasmado e orgulhoso de sua recente confecção, me deu dicas dos melhores pontos para vender pipoca, as melhores festas e horários-chave. Eu, constrangido, o agradeci de forma tímida, prestando atenção no que ele me dizia. No dia seguinte, após a gravação da cena da explosão do carrinho, constatamos que um morador de rua o havia levado embora.

 

Fiquem à vontade para falarem algo que eu não perguntei e que vocês gostariam de ter dito.

Há algo que vale a pena dizer: que a arte é e será sempre uma via de acesso para o transcendente que existe em nós. Tudo foi difícil, desde o começo até a conclusão do álbum. Tudo ainda se mostra difícil quando tentamos enxergar o que o destino reserva para nossa música. Tudo é assim meio marcado por expectativas e incógnitas, esperanças e desapontamentos, desejo de visibilidade e risco de esquecimento precoce. Assim também é a vida. Então, olhamos adiante e vemos o horizonte. Que ele se aproxime na medida em que pode se aproximar, mais perto ou mais longe. Em qualquer das hipóteses, nos sentiremos felizes ao saber que, em alguma parte do mundo, seja na metrópole, seja na solidão do ermo, alguém possa estar escutando nossa música, acolhendo nossa poesia. Esse compor, esse cantar, essa arte, tudo isso só veio à vida por absoluta necessidade do espírito. É preciso fazer. O artista sabe disso, não pode se esquivar do seu ofício criador. Ao criar artisticamente, o artista torna divinos o precário e o inútil; e tudo ganha significado na arte em si mesma.

 

[Entrevista e edição de Matheus Luzi]

 

 

 

 

 

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