João Pedreira passou a ser conhecido ao participar do jovem e irreverente Grupo Tripé, se apresentando em várias cidades do Brasil e até no exterior. Direto da capital do Brasil, João é uma das apostas certas na música brasileira. Mas foi há pouco tempo que João começou a trilhar seu caminho em carreira solo, com o lançamento de um show-espetáculo, cuja convivência e experiências resultou no álbum ÁGUAS NA PENEIRA, inspirado no poeta Manoel de Barros.
“ÁGUA NA PENEIRA é sobre estar ligado a despropósitos. É cuidar de peixes nos bolsos. Da paciência de enxugar uma pedra de gelo. É bacia furada a navegar até onde se quer. A peneira simboliza deixar-se transpassar, é então a travessia da vida, que água através de nós. Perceber e acolher o que há das experiências todas. Nos lavar e escoar constantemente o suco de nossa alma, o sumo de nossos sonhos”, comentou o artista.
Produzido pelo Selo Fubá, o trabalho se volta às questões do homem pós-moderno, paramentado por um verdadeiro baú de referências sonoras que colocam em destaque o que talvez seja o maior talento de Pedreira: o de letrista.
Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemos com João Pedreira.
A primeira pergunta e mais óbvia. Qual sua relação com Manoel de Barros? E como teve a ideia de fazer um álbum inspirado nesse poeta?
Manoel de Barros é uma inspiração poética para mim há alguns anos, porém não era observado por mim como uma fonte de desenvolvimento de um trabalho.
Tanto é, que o ELETRONICIDADES foi criado com textos meus e de Eduardo Galeano. Porém, quando eu iniciei o processo de gravações do ÁGUA NA PENEIRA, e já tinha deixado de lado os antigos textos, acabei indo em busca de novas referências, revisitei outras… e nesse revisitar, reencontrei Manoel de Barros.
Acho que inspiração ele sempre foi pra mim, porém, mais do que uma inspiração para o álbum, sinto que ele surgiu para o fechamento da síntese.
Quando reli o poema O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA, me identifiquei muito. Consegui relacionar completamente ao meu momento de vida,
às minhas vontades e sonhos, às dificuldades todas que observo que o artista tem socialmente para criar, realizar seus projetos e ser artista.
Então daí, saiu o nome para o álbum, todo o conceito estético e também o background de justificativa.
Ainda nessa pergunta, o que você fez no álbum que tem relação com Manoel de Barros?
Acho que meu paralelo com Manoel de Barros, seria a forma com que ambos gostamos de brincar com as palavras, e os sentidos, complexidade X simplicidade. Como autor de praticamente todas as letras, sinto-me conectado ao estilo de Manoel de Barros.
O show-espetáculo que você começou a fazer deu frutos em seu primeiro álbum ÁGUA NA PENEIRA. Fale um pouco sobre isso.
O show espetáculo ELETRONICIDADES já continha em seu repertorio, ao menos 5 músicas que viriam a compor o álbum e o novo show. Foi onde eu pude experimentar músicas, arranjos, formas de interpretar os textos, que ainda eram outros…
Acredito que tenha sido o meu momento de dar forma ao que viria ser o produto.
Neste trabalho, você demonstra o seu maior talento: o de ser letrista. Pensando nisso, como foi trabalhar as temáticas do álbum?
As temáticas surgiram de forma muito natural, a partir das minhas experiências e do que eu vejo por onde ando, o que sinto em relação a determinados fatos sociais ou pessoais e até mesmo em relação a Brasília e seus fluxos.
Ao longo de todo esse processo criativo, que vem de 2016 até 2018, eu busquei com minhas canções meu próprio lugar de fala. O que tem a ver comigo, o que tem a ver com meu cotidiano, os meus problemas, as minhas crises, o que eu vejo de bonito, o que eu sinto de caos, os meus privilégios e passei a refletir e me localizar no que é importante lutar e a luta que devo entrar ou se tenho lugar de fala para estar em determinada luta, ou levantando determinada bandeira. Eu sinto que eu falo o que cabe a mim falar, sabe… sentimentos de celebração à vida, contágio pelo mundo, amor, relações, devaneios e medos, conexões com o tempo e o espaço, ansiedades e sonhos, a própria política e o existencialismo.
A parte musical também parece ser bem interessante…
No sentido musical, eu trago para o álbum referências que buscamos, eu e Pedro Albuquerque (Produtor Fonográfico), desde o começo de 2017.
O disco passeia por referências regionais, clássicas, de neo-soul e jazz, e ritmos eletrônicos, como o IDM e o Break Core, o Dubstep e o DrumNBass, que dão grande margem para a utilização de sintetizadores e programações.
Você teve forte influência na produção do álbum, junto a Pedro Albuquerque. Como foi o processo de produção e gravação de ÁGUA NA PENEIRA?
Nós nos encontramos no começo de 2017, no Estúdio Phabrik Sound Design, estúdio de Pedro Albuquerque.
Nesse momento, eu tinha 5 composições inéditas para começar a produção de um CD, que inicialmente seria menor e teria o lançamento para o mesmo ano. Porém, o processo ganhou nuances outras, nós ainda gravamos o EMÁ, meu último EP, inspirado numa viagem que fiz para São Luís (MA). No segundo semestre de 2017, nos debruçamos verdadeiramente no álbum que viria em 2018. Iniciamos o processo de buscar referências, sonoridades, mixagens, os instrumentos que gostaríamos para cada música, quantas músicas…
Eu venho de um histórico ligado a música popular brasileira e o Pedro de um histórico com a música eletrônica/sintética. Então nós conseguimos trocar bastante nesse sentido, dando ao álbum um tom eletroacústico, que se tornou a nossa pesquisa para o álbum. A junção de percussões, instrumentos clássicos, e também outros instrumentos convencionais, às linhas de sintetizadores e beats eletrônicos.
É verdade que ÁGUA NA PENEIRA é um resultado de seus aprendizados com os três EPs que lançou anteriormente?
O álbum é resultado da minha vida até agora. Com certeza, posso afirmar que a elaboração dos meus primeiros EPs, foram uma verdadeira escola, tanto para composição, quanto para arranjos, mixagem e masterização. Os dois primeiros eu fiz sozinho, em minha casa e o terceiro eu já fiz com Pedro Albuquerque na Phabrik.
Então os primeiros trabalhos envolveram custos menores, menos pessoas, menos estrutura… o trabalho se construía mais dentro da relação minha com o produtor.
No novo álbum, o processo se tornou bastante rizomático, envolvendo coletivos diversos, núcleos diversos, investimentos, mais pessoas e uma produção sonora incomparável com que eu havia feito antes.
Tem alguma história ou curiosidade interessante que envolva o álbum?
Acho que o mais interessante de todo esse trabalho, foi a união de tantas pessoas bacanas, e tantos artistas gigantes de coração e talento. O projeto começou comigo e com o Pedro Albuquerque, e somando todos os núcleos hoje, no que tange ID Visual, Produção e Assessoria, Apoios, Banda e Músicos convidados, temos por volta de 30 pessoas envolvidas. E tudo isso aconteceu de forma independente! Sem editais!
E isso pra mim é muito bonito, considerando os distanciamentos que há nas relações entre as pessoas em Brasília.
Juntamos um coletivo especial, num momento tão turvo financeira e politicamente falando no Brasil, para fazer arte, arte com força, com presença e resistência.