8 de dezembro de 2024
Música

Música e poesia, esse é o EP APRENDER A MORRER da banda Bratislava e do poeta Victor Rodrigues [ENTREVISTA]

Crédito: Sérgio Silva

 

Como diz o título dessa reportagem, o EP APRENDER A MORRER é a melhor da união entre a música e a poesia, que não está nada escondida ou oculta. Para tal efeito, o poeta Victor Rodrigues fez um convite a banda Bratislava para fazerem esse projeto acontecer. 

O álbum já vem sendo idealizado há anos, já no fim de 2016, ao almoçarem jutos em uma famosa rede de comidas árabes. O vocalista Victor Meira já é amigo antigo do poeta Victor. 

“Desde o começo, os poemas do Victor me chamaram atenção, pelo caráter narrativo. Tenho certa dificuldade em assimilar certo tipos de poema em récitas, por conta da velocidade da fala. Mas os dele, apesar de quase sempre longos, eram muito coesos e divertidos ao seu modo, sempre gostei muito de sacar tanto recitados quanto lidos. Passei a acompanhar as atividades dele não só como poeta, mas como articulador cultural, na realização de saraus e workshops. Em 2013, lembro que almoçamos juntos e nesse almoço sonhamos com um projeto em parceria, de música com poesia, mas como quem joga ideias no vento, sem pretensões”, conta Meira.

APRENDER A MORRER traz uma poesia que busca fugir da zona de conforto, por meio da poesia e da canção, ao longo 5 faixas. O EP poi produzido pelo próprio Meira. A engenharia de som é de Rafael Posnik e Iran Ribas, que também assina a mixagem e masterização.

 

Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemos com Victor Meira, integrante da banda, e o poeta convidado Victor Rodrigues.

 

Para ouvir as músicas completas, clique no botão branco no quadro abaixo.

 

Fale um pouco da importância da linguagem poética no EP.

Meira: A voz é o elemento central do EP. A estética do spoken word é exigente, pra mim ela nem funciona como música de fundo. É música pra se assistir, pra se percorrer passo a passo, com a mesma atenção que a gente coloca num filme, numa série. 

Rodrigues: Tenho sonhado, pesquisado e vivido o poema como elemento musical nos últimos tempos. Esse EP é uma das etapas dessa experiência. As faixas são poemas que também são músicas e músicas que também são poemas. Nem o texto é uma narração, nem a música é trilha sonora. Um está com o outro e no outro.

 

E a participação de Victor Rodrigues, como surgiu?

Meira: Talvez seja mais correto dizer que a participação é da Bratislava (risos). O convite veio do Rodrigues, mas a amizade e a vontade de construir algo juntos já tem longa data.

Rodrigues: Tinha o projeto de fazer música há um tempo e, enquanto estudava, vinha sondando quem estava por perto que poderia rolar uma conexão. Pois aconteceu com a Bratislava e foi lindo. A gente já vinha jogando pro universo numa conversa despretensiosa ou outra e quando fiz o convite aceitaram de pronto.

 

É verdade que o EP está sendo pensado há anos?

Meira: É sim. Conversamos sobre isso pela primeira vez em 2013. Não especificamente sobre um EP, mas sobre um trabalho em conjunto, que unisse as linguagens da poesia e da música.

Rodrigues: Como disse, é projeto antigo. Desde que comecei a me envolver mais na prática da poesia, principalmente da falada, cultivo essa vontade de fazer algo com música. E vim pesquisando desde então, ouvindo tudo que podia e colecionando referências. Bebi de Saul Williams, The Last Poets, Edgar Pererê (agora O Novíssimo Edgar), Parteum, Nação Zumbi, Cordel do Fogo Encantado e Lirinha. Cada um desses trazia um pouco da poesia falada nas obras. Fui pegando cada detalhe com atenção pra construir minha parte. O EP APRENDER A MORRER em si não estava planejado, o que estava era que em algum momento eu lançaria um primeiro trabalho musical que seria como uma extensão de algum livro. Aí senti que no processo do Deuses fazendo bolo ou ingredientes pra nascer de novo a ideia estava mais madura. Chamei a Bratislava, que vinha também numa mesma pegada com o Fogo e tudo se confirmou.

 

Como vocês “definiriam” a parte musical do EP?

Meira: O processo criativo foi menos preocupado do que de costume, menos neurótico, eu acho. Tem um pouco de caráter de colheita do que plantamos em FOGO (3º álbum da banda, 2017) também, acho que é uma sequência da estética que construímos nessa fase. E, apesar dos trechos de NOISE (faixas 1 e 2), as estruturas e harmonias são menos complexas do que as canções dos nossos últimos lançamentos, justamente pra poder abarcar com mais plenitude a fala do Rodrigues.

Rodrigues: Como foi meu primeiro trabalho indo além do experimento e como não tenho muito estudo técnico em música, fui pela intuição lírica. Conhecia o Meira e pedi pra conhecer os meninos da banda também. Confiava na sensibilidade da Bratislava. Quando rolou o encontro, tentei deixar claro meu sentimento em relação ao projeto e joguei na mão deles. Foi arriscado, bem fora da minha zona de conforto. Mas foi excelente, como processo, vivência e aprendizado.

 

 

Tem alguma canção de APRENDER A MORRER que vocês considerem como carro-chefe?

Meira: A escolha da primeira faixa de um disco normalmente tem um pouco disso, da música que consideramos ser carro-chefe. Mas já nos primeiros dias de release, com os comentários que estamos recebendo, me parece que CRIANÇAS ENTEDIADAS tem sido a preferida da galera.

Rodrigues: Ainda não sei dizer, escutei e escuto tanto o EP que parece uma coisa só. Mas tenho essa inclinação pra “Crianças Entediadas” também. Fiz esse poema condensando a ideia do livro, depois que ele já tava quase pronto. Ele meio que explica um parte do título também, dos deuses fazendo bolo. E a banda arrepiou nos arranjos e nos truques, lembro que quando ouvi a versão final veio cheia de coisa nova depois dos ensaios, senti um carinho legal pela faixa.

 

Como foram os momentos de criação das faixas?

Meira: Foram diferentes momentos. Algumas saíram de um processo criativo coletivo que fizemos eu, Sandro e Lucas no quintal da casa dos meus pais, no interior de São Paulo. Tínhamos os poemas recitados, gravações só da voz do Rodrigues, e partimos disso para a criação das ideias. Deixávamos rolando como backtrack e as palavras e o flow iam conduzindo a criação. Outras eu mesmo montei em midi e já levei uma ideia musical para a banda. Quando nos encontrávamos no estúdio, todo mundo mexia nas ideias. Tem bastante guitarra no disco, Xande criou riffs lindos. Já a ANTES DE ATROPELAR foi o Lucas quem compôs, também se deixando guiar pela backtrack com o poema recitado.

Rodrigues: Foi doido, em vários momentos mesmo. E aconteceu muita coisa no meio do caminho, o que foi bom pra a gente conviver com as músicas e amadurecer as ideias. O EP fez muito parte do meu dia-a-dia durante o processo. Levava ele pro banho, pra lavar louça, pra pegar ônibus, pra jantar. Botava as tracks no fone e ficava falando pela rua. E aí mandava um áudio pro Meira com algum devaneio. Quando ia pro estúdio já era outra coisa. Até que a gente se encaixou.

 

Tem alguma história ou curiosidade interessante que envolva o EP?

Rodrigues: O que me vem na mente agora foi do dia da gravação dos clipes, que foi bem doido. Moro num bairro de periferia e a gente fez tudo aqui na minha rua, entre a minha casa, da vizinha e a casa da minha avó. E tava todo mundo maquiado, eu de saía e sem camisa todo pintado, a Bruna de topless pintada também. Nada muito comum pra um sábado em Itaquera. Então era tia voltando da feira quase tropeçando de curiosidade, gente passando buzinando, crente saindo do culto excomungando. Cada um com seu buchicho tentando adivinhar o que estava acontecendo. Tem um vizinho aqui bem crente e racista. Depois fiquei sabendo que ele ligou pro meu primo dizendo que estava assustado, porque a gente estava todo maquiado com algumas pinturas simbólicas (indígenas, africanas, mexicanas e nórdicas) e ele estava querendo chamar a polícia porque de noite subimos pra laje e ele achou que estava rolando um ritual ou sei lá o que.

 

Fiquem à vontade para falarem o que quiserem.

Rodrigues: Sempre fui muito movimentado pela poesia que tem na música. Não vejo a palavra poesia longe da palavra movimento. Comecei a escrever por isso. Virou quase uma missão pra mim fazer parte. Quando fui pesquisar e sair ouvindo tudo que podia que me trouxesse poesia o negócio ferveu aqui dentro. Toda vez que escutava um Saul Williams, um Edgar Pererê, um Cordel do Fogo Encantado eu só conseguia pensar “tem que ter mais disso aí porque isso é muito bom e é vivo”. Pois tô aí tentando fazer meu papel pra multiplicar. Repito o mantra do mestre e amigo Daniel Minchoni, a meta é fazer da poesia o esporte nacional. Porque ela agrega e é divertida, não tem como não gostar. É só ver direitinho como chegar. Pra mim foi na música, então quero espalhar pra quem tá por ela também.

Meira: Rodrigues tá coberto de razão: a poesia agrega, diverte, encoraja. Diferente da música, do cinema ou da pintura, você não precisa de instrumentos, câmeras, telas e tintas a óleo. Basta um lápis. É crueza de arte que descarta produção. E não fosse a poesia eu jamais teria ido para a música (ainda hoje me considero mais um “criativo” da música do que de fato um instrumentista). A fala pode se manifestar de inúmeras formas numa composição; pode vir desde o ponto mais distante da fala cotidiana, como de um solo de guitarra (ouve BEFORE THE BEGINNING, do John Frusciante, pra saber do que tô falando), pode vir de uma bela melodia vocal e, se trocarmos o valor melódico pelo percussivo, encontramos a rima, o rap. É seguindo essa rumo de aproximação da fala cotidiana que a gente chega no spoken word, onde o valor musical intrínseco da voz (melodia, ritmo) é menos importante do que a semântica, a história e as ideias embutidas dentro das palavras. Palavra em primeiro plano, absoluta. Aprender a Morrer é reaprender a ouvir também.

 

 

 

 

 

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.