Em outubro de 2019, a gloriosa banda Nenhum de Nós, comemorou 33 anos de estrada, cujo caminho culminou na superação de 2 mil shows, no lançamento de 17 discos, 3 DVDs e 1 EP. O conjunto recebeu inúmeros prêmios, reconhecimento da crítica e do público que está espalhado pelo Brasil e na América Latina.
Recentemente, em 2018, a banda encerrou a tour que apresentava o EP “Doble Chapa”, lançado no mesmo ano, e também iniciou as apresentações de “Paz e Amor Tour”, trabalho que comemora o relançamento dos álbuns “Paz e Amor” (20 anos) e “Paz e Amor Acústico” (10 anos).
Nada de parar. Assim como os próprios integrantes dizem, fiquem de olho na Nenhum de Nós, pois há sempre novidades por aí. E nós, da Arte Brasileira, para aplaudir com elegância essa longa caminhada da banda, entrevistamos o guitarrista Carlos Stein e o baterista Sady. A ideia da entrevista surgiu após conhecermos a jovem Vitória Silva Andres, de apenas 12 anos, que é fã incondicional, sendo então, a inspiração para esse bate-papo.
Vitória Silva Andres, a jovem fã da Nenhum de Nós que inspirou essa entrevista
A história de Vitória com o Rock Nacional e com a banda Nenhum de Nós, começa pela influência de seus pais, que vieram para o interior de São Paulo direto do Rio Grande do Sul, trazendo assim, grandes referências dessa cultura. “Meus pais iam nos shows da banda, compravam os CDs, e quando vieram para SP, trouxeram com eles o CD “A Céu Aberto”, e então, desde os meus 7 ou 8 anos eu ouço a banda.
Vitória diz que conhece a maioria das músicas do grupo, incluindo “O Astronauta de Mármore”, “Você vai lembrar de mim”, “Santa Felicidade” e “Diga a ela”, que com suas próprias palavras, define como “músicas gostosas, de melodias que fazem a gente querer dançar”.
“Me sinto feliz, pois tem muitos adolescentes de hoje em dia que não conhecem a banda e as musicas mais antigas, e as letras possam sempre algo tão positivo, acho que todos deveriam conhecer a bandas como a Nenhum de Nós.”, responde ela quando perguntamos o que ela diria a outros jovens sobre esse assunto.
A jovem ainda comenta que gosta de outros clássicos, como Roupa Nova, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Nando Reis, Engenheiros do Hawaii, Red Hot Chili Peppers, entre outros artistas do século passado.
“[..] ser músico, ou pretender sê-lo nos anos 90 ou mais adiante já não parecia tão delirante por causa desses pioneiros dos 80.” (Carlos Stein)
Matheus Luzi – Primeiramente, queridos, obrigado por toparem essa entrevista. Ficamos muito felizes. Vamos à primeira pergunta: quem era a Nenhum de Nós no começo, e quem é a banda hoje, depois de três décadas? Falo em questão de personalidade, musicalidade, poesia…
Carlos Stein (Guitarrista) – O Nenhum começou comigo, Carlos, o Sady e o Thedy. Fomos colegas de colégio, mas a banda começou quando já estávamos na faculdade. Naqueles dias ouvíamos muita coisa, desde nativismo até punk. Pensando bem, nossa música acabou virando uma mistura disso. Mais pós punk do que punk. Éramos meio nerds, vivendo uma vida de classe média, cursando nossas faculdades. No começo, tudo era descoberta. Qualquer ideia era válida. Ás vezes compúnhamos uma letra a partir de um conjunto de frases aleatórias e íamos intuindo um sentido durante o processo. Estávamos tentando descobrir nossa forma de compor e nossa sonoridade. Hoje somos um quinteto. Agregamos o Veco e o João que nos ajudaram bastante nisso. Amadurecemos um bocado e fomos, com o tempo, cada um de nós tendo funções mais específicas na banda. O Thedy se encarregou das letras, mas todos nos envolvemos nas composições. Nossa sonoridade amadureceu junto e hoje somos reconhecidos por ela. Assim como nossas letras, que contam histórias cotidianas, são uma mistura de crônica e poesia.
Sady (Baterista) – Continuamos com os mesmos argumentos que nos levaram a ter uma banda. Nosso olhar do presente passa por conceitos dos quais nunca nos afastamos: poesia com conteúdo; melodias, harmonias e ritmos com referência pop-rock, sem copias e um profundo respeito por quem nos escuta. Claro que aprendemos muito nessa trajetória. Erramos, acertamos e seguimos buscando viver de música com dignidade.
Matheus Luzi – Pegando gancho nessa primeira pergunta, faço algo semelhante. De que maneira vocês enxergam o cenário da música brasileira (e do rock) hoje e das décadas passadas?
Carlos Stein – Bom, falando do rock, que é o nosso campinho, vejo algumas diferenças de quando surgimos para hoje em dia. Nos 80, quando pensávamos em formar uma banda, não chamávamos um excelente baterista ou guitarrista ou um cantor excepcional. Chamávamos nossos amigos e dizíamos: tu vai tocar guitarra, eu o baixo e fulano bateria. Era mais um ajuntamento de amigos com uma baita pretensão. Isso ajudou a moldar as bandas daquele período. Era tudo baseado numa convicção. Fomos, de certa forma, pioneiros e ajudamos a conformar um mercado para as bandas que viriam depois, estas já formadas sobre uma outra base, bem mais profissional. Já eram músicos se reunindo para fazer seus projetos. Não que não pudessem ser amigos também [hehe], mas ser músico, ou pretender sê-lo nos anos 90 ou mais adiante já não parecia tão delirante por causa desses pioneiros dos 80. Quanto ao mercado, acho que o espaço que abrimos para a música nacional nos 80, principalmente no que diz respeito ao público mais jovem e ao rock, parece ter encolhido nesses últimos anos. Uma pena. Será que perdemos a capacidade de nos comunicar com esse público?
Sady – Desde que começamos vemos que música brasileira tem diversas correntes e objetivos. Quando entra no campo do investimento, o que se busca é monetarização. Ao compor/cantar com sinceridade cria-se um caminho dentro da arte, que emociona, transcende e alegra. Às vezes as duas coisas andam juntas. Mas em todos esses anos vimos que o rock, em todas suas vertentes, deve ser provocativo, transgressor pois sua vocação é ser contra-cultura. Mesmo quando, em alguns breves momentos, vira moda.
“[…] em todos esses anos vimos que o rock, em todas suas vertentes, deve ser provocativo, transgressor pois sua vocação é ser contra-cultura. Mesmo quando, em alguns breves momentos, vira moda.” (Sady)
Matheus Luzi – Como vocês enxergam, hoje, os primeiros clássicos da banda?
Carlos Stein – Temos muito orgulho de nossos sucessos. São músicas que ainda hoje nos representam muito. Não “envelheceram” para nós e temos muito prazer de tocá-las nos shows.
Sady – Como clássicos [KkkkkkK]. A canção é de quem a ouve, não de quem a faz. Se ela é importante pra muitas pessoas durante muito tempo, é sinal que não tem prazo de validade. Daí vira clássico.
Matheus Luzi – Há um problema muito grande no público em geral, que os grandes Hits acabam dificultando que as pessoas conheçam o Lado B de uma banda, de um artista. O que vocês diriam sobre as músicas do Nenhum de Nós que estão um pouco escondidas, ou seja, que o público não conhece tanto?
Carlos Stein – Isso acontece com todos os artistas. Os “lados B” acabam sendo mais solicitados pelos fãs mesmo. Mas sempre gostamos de usar essas canções menos conhecidas em nosso setlist. Elas são também muito importantes em nosso repertório. Ajudam a representar nossas diferentes fases e temos, também muito carinho por elas. Temos até um álbum dedicado a elas, o “As Mais Pedidas”.
Sady – Quando a mídia era restrita ao rádio, TV e jornais a estratégia era essa. Bombar as canções de trabalho para gerar uma vendagem rápida. Hoje há ferramentas para conhecer a carreira de uma forma mais horizontal, sem dúvida. Mas tem que querer conhecer. Não acho que todos sejam obrigados a escutar os Lado B, só quem quiser. Fizemos uma temporada no Theatro São Pedro, há alguns anos, cujo mote era esse. A galera reclamou a falta dos clássicos…
“Temos muito orgulho de nossos sucessos. São músicas que ainda hoje nos representam muito. Não ‘envelheceram’ para nós e temos muito prazer de tocá-las nos shows.” (Carlos Stein)
Matheus Luzi – Para vocês, quais foram os álbuns/faixas mais importantes da carreira da banda?
Carlos Stein – Bom, essa é bastante pessoal, mas vamos lá. “Camila Camila” foi o nosso primeiro sucesso e não é exagero dizer que sem ela eu não estaria dando essa entrevista hoje. “O Astronauta de Mármore” foi fundamental para tirar aquele estigma da banda de um sucesso só e também foi a que consolidou o nosso sucesso. “Vou Deixar que Você se Vá” foi a música que, depois de um tempo de relativo ostracismo em execução, marcou nosso retorno à mídia no final dos 90. Quanto aos álbuns, acho que nosso primeiro acústico foi um dos mais significativos. Estávamos correndo o risco, no início dos 90 de perder um pouco da nossa identidade e esse álbum nos recolocou no caminho. Assim como o nosso segundo acústico, um disco excepcional que nos recolocou definitivamente no mercado.
Sady – “Camila Camila”, pela temática e atemporalidade com uma batida característica; “O Astronauta de Mármore”, por popularizar David Bowie numa versão de conteúdo hermético; “Sobre o Tempo”, que nos levou ao palco do Rock’n’Rio 2; “Ao Meu Redor”, melhor clipe de 1992, segundo a MTV, que consolidou o acordeão no rock brasileiro; “Diga a Ela”, do 1º acústico do Brasil; “Vou Deixar Que Você Se Vá”, parceria com Edgard Scandurra; “Amanhã ou Depois”, “Julho de 83”, “Você Vai Lembrar de Mim” e “Paz e Amor” que mantiveram a chama acesa na virada para o século XXI e até agora.
Matheus Luzi – E quais vocês mais gostam?
Carlos Stein – Desnecessário dizer que todos os álbuns são muito importantes para mim, mas tenho especial carinho pelo primeiro disco, pela liberdade que tivemos para explorar sonoridades. Também pelos nossos acústicos e, mais recentemente, pelo “Histórias Reais, Seres Imaginários” e “Contos de Água e Fogo” pela incrível sonoridade que conseguimos com eles.
Sady – Essa questão da preferência é pessoal e mutante. A própria energia que elas ganham nos shows traz uma sensação distinta ao longo do tempo. Pra mim, das mais conhecidas, “Camila Camila” e “Você Vai Lembrar de Mim”. Dos Lado B, “Sobre As Mãos”, “Corrente”, “Dança do Tempo”, “Caso Raro”, “Despliega”… Como falei, em 20min tudo pode mudar…
“A canção é de quem a ouve, não de quem a faz. Se ela é importante pra muitas pessoas durante muito tempo, é sinal que não tem prazo de validade. Daí vira clássico.” (Sady)
Matheus Luzi – De uma maneira geral, quais/qual mensagens vocês sempre quiseram levar ao público, musicalmente e poeticamente?
Carlos Stein – Foram sempre mensagens produtivas. Nada de lição de moral, claro, mas sempre coerentes com a forma que concebemos o mundo e como fomos criados e criamos nossos filhos. Musicalmente, apesar de termos aprendido e evoluído muito nesse tempo todo, ainda preservamos nosso lado intuitivo para resolver nossos arranjos. Eles ainda são fruto de muito bate papo, não só ensaio. Nosso objetivo continua o mesmo, fazer algo que inspire as pessoas.
Sady – Está na resposta da 1ª pergunta.
Matheus Luzi – E daqui para frente, o que a banda Nenhum de Nós planeja?
Carlos Stein – Acho que temos ainda bastante para produzir. É claro que o mercado mudou bastante e estamos ainda aprendendo a lidar com essas mudanças, mas aquele espírito que nos motivou a começar ainda continua presente. Vamos fazer novos trabalhos, certamente.
Sady – Estamos passando por um período de reciclagem muito contundente, onde a arte retomou um espaço importante na vida das pessoas. Como viver disso a partir de agora será o no aprendizado. Vamos seguir alguns projetos que estão aguardando essa retomada, como a turnê do CD “Acustico Ao Vivo no Theatro São Pedro”, um novo trabalho de estúdio e um apanhado do material que produzimos no esquema #fiqueemcasa.
“Quando a mídia era restrita ao rádio, TV e jornais a estratégia era essa. Bombar as canções de trabalho para gerar uma vendagem rápida.” (Sady)
Matheus Luzi – Nessas mais de três décadas de carreira, eu tenho certeza que há muitos histórias e curiosidades sobre vocês. Poderiam citar uma ou mais delas?
Carlos Stein – Uma mais ou menos recente é de 2010, quando fomos escolhidos, entre outros artistas, para representar “Porto Alegre” na Feira Mundial em Xangai, na China. Cruzamos o planeta para mostrar nosso trabalho. Foi uma inesquecível recompensa por esses anos todos de dedicação.
Sady – São várias… Mas tivemos dois episódios onde os prefeitos das cidades que contrataram a banda tiveram “participação especial”, depois de tomar umas doses… No interior do RJ, o prefeito subiu ao palco no meio do show exigindo que o Thedy cantasse uma música com seu chapéu de cowboy, senão o show não continuaria… Outro prefeito no interior de MG, ao ser insultado pelo público, subiu ao palco e chamou os descontentes pra briga. Nós saímos de fininho até acalmarem os ânimos.
Matheus Luzi – Agora deixo vocês a vontade para falarem o que quiserem.
Carlos Stein – Agradeço, Matheus, pelo espaço e pelo interesse daqueles que leram. Fiquem atentos ao Nenhum. Estamos sempre em fase de produção [hehe].
Sady – Temos visto uma renovação constante do público nos shows e nas redes sociais. Nem todos se contentam em ficar escutando a música de massa ou modismos. Essa menina que provocou essa entrevista é um estímulo pra continuarmos a compor, gravar, subir ao palco acreditando num mundo melhor, com mais tolerância, respeito e amor.
“Temos visto uma renovação constante do público nos shows e nas redes sociais. Nem todos se contentam em ficar escutando a música de massa ou modismos. Essa menina que provocou essa entrevista é um estímulo pra continuarmos a compor, gravar, subir ao palco acreditando num mundo melhor, com mais tolerância, respeito e amor.” (Sady)