Abigail Botelho / Divulgação.
Natural de uma família cravada na música, Pedro Constantino é guitarrista e violonista desde os 13 anos de idade. Apesar disso, ele se viu, inserido de fato, neste universo, quando passou a cursar Ciências Sociais na UFG. Assim, se aproximou do sonho artístico, tendo em vista a colaboração importantíssima da instituição acadêmica neste processo.
Em 2018, Pedro fechou uma boa parceria com um amigo e, assim, alguns locais da vida noturna de Goiânia prestigiou seu som ao vivo. Já no ano seguinte, ao se formar, tomou-se goles de coragem e entusiasmo ao ingressar no curso de licenciatura em instrumento musical pela mesma instituição. Neste mesmo ano, Pedro juntou-se a dois companheiros e, dessa forma, nasceu a banda Diadorim.
No entanto, a pandemia tornou o sonho inviável. O hiato prematuro aconteceu. Mas há males que vem para o bem. Isso porquê o “fim” da Diadorim revelou a carreira solo do artista. Essa nova fase é apresentada em “Esboço”, álbum que Pedro lançou recentemente nas plataformas de streaming.
Toda essa história contada anteriormente serve para instigar você a ler a entrevista que realizamos com o músico, tanto sobre sua vida artística quanto sobre “Esboço”. Confira a seguir!
Matheus Luzi – Como foi sua infância em vista que veio de uma família musical? Na verdade, a pergunta se direciona para a questão da música mesmo.
Pedro Constantino – Acho engraçado lembrar da minha infância relacionando-a a música. Tenho algumas lembranças específicas, umas bem definidas e outras um pouco nebulosas. Uma coisa é certa: a música estava lá, fosse na minúscula sala que meu pai cultivava em casa, onde cabiam seus vinis, cds, computador e ele, basicamente, ou nas festas em que minha mãe tocava violão junto com os amigos e se empolgava pra ligar o som; ou então do meu irmão tocando piano, ou algum outro instrumento. Além disso, lembro de quando decidi que queria tocar e foi necessário esperar eu crescer, pra que minha mão crescesse. E nesse tempo eu ia de bicicleta até única loja de instrumentos da cidade e ficava namorando as guitarras, violões, baterias, até os funcionários perguntarem se eu queria tocar ou deixarem eu mexer em algo. Enfim, o ambiente sempre foi esse mesmo, musical. Nessa época a minha vontade maior era improvisar, tocar guitarra como os grandes bluesmen e guitarristas das bandas de rock. Eu vivi a fase poster na parede e admiração invariável a diversos guitarristas, mas felizmente, consegui expandir meus horizontes.
Matheus Luzi – O quê o curso de ciências sociais e de música e seus devidos ambientes acadêmico proporcionou para sua história no meio artístico?
Pedro Constantino – Eu sempre digo que a universidade, de maneira geral, teve influência na minha trajetória. Eu sai do interior de São Paulo, e apesar de não me considerar “alienado” em relação a vivência das grandes cidades, mudar para uma capital foi bem transformador, ainda mais por ter me mudado sozinho. Nesse movimento, a universidade foi central tanto pelas pessoas quanto pelas situações, em aula e fora dela. Especificamente, as Ciências Sociais expandiram e limitaram minha visão de mundo e daí pra frente criei uma noção deliciosamente confusa sobre a maioria das coisas, inclusive sobre a arte. Depois de formado, voltei a flertar com a música e decidi voltar estudar formalmente, o conhecimento que adquiri nas Sociais começou a se misturar aos que tinha e ia apreendendo da música, e isso fez com que eu encontrasse caminhos no meu estudo musical que só a prática do instrumento ou da teoria da música não conseguiam acessar, assim como a música e a arte mudaram meu jeito de entender e estudar a sociologia. Essas divisões entre as áreas, que são necessárias, porém irreais, foram ficando menos evidentes e o fluxo entre uma e outra ficou mais constante e fluído, o que sem dúvida reflete no meu fazer artístico
Matheus Luzi – De alguma forma, os ensinamentos das universidades, os debates que ali se deram, influencia na sua mensagem na música, nas suas letras e composições?
Pedro Constantino – Sem dúvida. Não só os debates, que me formaram enquanto pessoa, mas o conteúdo do curso em si, os autores, as teorias, os pensamentos. “Esboço” traz em parte da sua concepção lírica e musical um texto antropológico do Tim Ingold. “Trazendo as coisas de volta a vida” foi, de certa forma, um ponto de partida que norteou todo o resto da criação do disco. O caminho feito pelas músicas de “Esboço” partem de um novo olhar pro lugar que eu achei que conhecia; do estranhar o familiar e do familiarizar o estranho, que é a base dos pensamentos sociais. E disso segue para essa visão bem teórica que perpassa o texto e então se perde nas minhas percepções e num Eu, que é construído tanto por mim quanto pelo outro. Nisso tudo há sempre a visão do artista e do “cientista” dialogando e criando possibilidades.
Matheus Luzi – Acho mais do que viável e importante você falar da banda Diadorim.
Pedro Constantino – A Diadorim foi uma das muitas bandas que a pandemia levou a um hiato, por assim dizer. Ela foi criada quase num estalo. Eu e Karl, o vocalista, vínhamos tocando na noite e em eventos de Goiânia. No final de 2020 apareceu um festival que precisava de três vídeos de músicas autorais. As músicas eu e Karl já tínhamos, mas a banda pra tocar e montar os arranjos, não. Em menos de 15 dias, convidamos mais dois parceiros e montamos a Diadorim; ensaiamos duas vezes e gravamos os vídeos com uma estrutura que só a cumplicidade e a ajuda de outras pessoas poderia gerar pra uma banda recém formada e sem recursos. Duas das canções eram parcerias minhas e do Karl e a terceira, uma composição minha que considero ter sido a primeira, ou pelo menos a que me fez perceber que podia fazer mesmo música e escrever. A pandemia cancelou o festival, e jogou água fria na nossa relação de banda que ia se construindo, todos membros tiveram que voltar pra algum lugar e a distância dificultou o trabalho. Diadorim foi muito importante, não só pra mim, mas no momento se encontra tal qual a personagem de Guimarães Rosa, confusa entre o retorno e o não retorno, entre homem e mulher.
Matheus Luzi – Após o hiato da banda, você passou a se dedicar na carreira solo. Como foi esse momento?
Pedro Constantino – “Não Lugar”, a música que compus e executamos com a banda, foi pra mim a virada. Quando a fiz, tive certeza de que era boa e aí tive certeza que de sabia fazer aquilo. Quando fui tomado por isso, fui também tomado por uma ânsia em fazer acontecer, uma ânsia que quando me atinge eu quero que atinja todo mundo que cria comigo. E isso estava funcionando até a banda ser obrigado a essa pausa. Com isso, ficamos eu e minha ânsia pensando e buscando como dar vasão a essa vontade de criar. Eu nunca quis ser frente de projeto, estava contente com compor e ser instrumentista de artista bons. Mas a situação fez com que eu quisesse compor e tocar coisas que só eu conseguiria fazer como desejava. E aí não tive outra escolha.
Matheus Luzi – Sobre o álbum o álbum “Esboço”, o que você tem a dizer sobre a sonoridade, sua musicalidade?
Pedro Constantino – O álbum é fruto disso tudo, desses reencontros, desencontros e desse caos que a gente tá vivendo. Por mais que ele não traga em momento nenhum esse março histórico da pandemia, ele é parte, inevitavelmente, desse cenário. Não fosse as mudanças de curso que esse acontecimento gerou, talvez nunca o tivesse feito. Quanto a sonoridade, acho difícil definir algo como “minha sonoridade”, apesar de já sentir que eu tenho meus próprios meios de pensar e criar a música. Especificamente, “Esboço” traz uma sonoridade vazia, cheia de espaços propositais, de caminhos lineares e espiralados. De estruturas não muito convencionais. Busquei no som a tradução de sentimentos aos quais estava exposto. Tive em mente desde o processo de criação, que não queria simplesmente reproduzir os moldes da canção; com sua estrutura engessada. Eu fazia os caminhos sonoros e se achasse que ele pedia pra acabar, acabava; se sentisse que um retorno era necessário, retornava mudando alguma coisa. É bastante pretensioso dizer que modifiquei ou empurrei os limites da canção, mas eu tentei. Enfim, é um álbum de canções, iguais e diferente das demais
Matheus Luzi – O que suas composições trazem nas letras? Do que você fala nelas?
Pedro Constantino – As letras traçam um caminho de interiorização em mim e na casa de minha avó, que foi central na criação do álbum. Esse movimento exterior-interior começa com um olhar sobre a cidade que cresci, sobre suas mudanças e desconfigurações, deixando claro o egoísmo desse olhar. O corredor faz a mediação material e imaterial entre o interno e o externo e aí falo da experiência de reencontro com essa casa, apoiado pelo poema escrito e interpretado por Bárbara Christófalo; daí em diante as letras se deslocam de um aspecto mais material, palpável e passam a abranger minha subjetividade, meus sentimentos e sensações. Há algo de autobiográfico em algumas canções, mas sempre me permitindo inventar um Eu. O nome do disco traz isso, essa noção do inacabado, da coisa em constante mudança, dos traços que podem ser apagados, mas que deixam suas marcas.
Matheus Luzi – Você tem alguma(s) história(s) ou curiosidade(s) interessante(s) para nos contar?
Pedro Constantino – Que pergunta complicada, mas vai lá. Quando criança cortei o cabelo moicano e não foi nada relacionado a cena punk ou algo ligado a música. Eu queria ser jogador de futebol e, inspirado no Beckham, imitei o seu penteado.
Matheus Luzi – Fale o que você achar importante sobre seu álbum.
Pedro Constantino – Acho que ele é um álbum que deve ser ouvido inteiro, em sequência. Eu busquei uma construção narrativa e sonora que comunica esse movimento ao qual me referi. Acredito ser um todo bem amarrado, que carrega no nome e no som essa não pretensão de entregar algo perfeitamente pronto. Há ruídos e espaços que instigam, e eu de fato acredito na ideia de que “a forma é a morte e o dar forma é a vida”.
Matheus Luzi – Deixo uma carta branca para você falar o que quiser, o que achar interessante sobre você e sua música, ou sobre qualquer outro assunto.
Pedro Constantino – Teria tanto pra ser dito nessa carta branca. Há um país caótico e em queda livre a nossa frente. Mas digo que a desconfiança há de ser o norte das nossas percepções. O perigo da obviedade limitante tá sempre aí, ainda mais com uma crescente hegemonia das redes sociais; que estão à beira de uma reformulação ainda mais massificante, e por isso tornam a visão de um mundo concreto cada vez mais obtusa. O real é sempre mais confuso, perigoso e irreal do que parece, e os progressistas deveriam saber disso.
FICHA TÉCNICA DO ÁLBUM
- Breve Relato Egoísta:
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Guitarra, violão, baixo elétrico e voz
Bárbara Christófalo: Voz
- Corredor:
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Violão e viola caipira
Pedro Miranda: Baixo Acústico
Pedro Vasconcellos: Cavaquinho
- Retratos:
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Violão, guitarra, viola caipira e voz
Bárbara Christófalo: Voz
- Devir:
Letra: Bárbara Christófalo
Música: Pedro Constantino
Pedro Constantino: violão
Bárbara Christófalo: Voz e geladeira
Pedro Miranda: Moog
- Espreita
Composição: Pedro Constantino part. Bárbara Christófalo
Pedro Constantino: Guitarra, violão e voz
Bárbara Christófalo: Voz
Pedro Miranda: Baixo acústico
- Enquanto
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Guitarra, violão e voz
Bárbara Christófalo: Voz
- Vão
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Violão e voz
- Espiral
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Violão, voz
Bárbara Christófalo: Voz
Pedro Miranda: Baixo Acústico
Pedro Vasconcellos: Cavaquinho
- Esboço
Composição: Pedro Constantino
Pedro Constantino: Violão e voz
Pedro Vasconcellos: Cavaquinho
Disco gravado no estúdio “Naquele Lugar”, Brasília-DF;
Pré-produção: Pedro Constantino e Bárbara Chistófalo
Produção: Wilson Bebel, Pedro Constantino e Bárbara Christófalo
Engenheiro de som: Pedro Miranda
Mixagem e Masterização: Daniel Félix