Esse EP da banda F.Y.M é muito revolucionário na carreira e história do Power Trio, formado por Hugo Noguchi (Baixo), Lucas Franco (baterista) e Jean Machado (Guitarrista). O EP é especial para os três integrantes, porque todos eles praticam a sensação de cantar, até então algo oculto entre eles. Além disso, os processos de criação/produção/gravação foi o que chama muito a atenção.
— Pra mim foi diferente principalmente por conta dos músicos envolvidos, Lucas e Jean tem visões e talentos muito novos pra mim em relação aos músicos que já gravei. O bacana de fazer esse esquema de gravar sem arranjar e compor antes é isso, você vê/sente as habilidades e sensibilidades de cada um de um jeito muito orgânico, porque o ambiente é menos controlado do que em uma gravação super planejada (não que não tenha havido planejamento, mas a parte da criação foi dada em estúdio mesmo). São musicistas com um repertório muito amplo de referências e capacidades (Jean é multi-instrumentista e um grande produtor musical, que me ensinou muito; Lucas é um baterista com uma sonoridade única e incrível, assim como sua voz que é realmente muito, muito bonita). Acho que da minha parte eu também senti essa diferença 1. na concepção do baixo e mix em algumas músicas (solos de baixo e fritações de mix, com sons ambientes, etc.), 2. principalmente porque cantei, e porque tem uma letra/frase minha (mesmo que breve), que são coisas que não estou muito acostumado a fazer em outros trabalhos que estou envolvido e 3. foi a primeira vez que expus em música o sentimento de perda. — comentou Hugo Noguchi.
A seguir, veja na íntegra uma entrevista especial que fizemos com a banda:
Me chamou muito a atenção que vocês fizeram tudo no EP: composição, arranjos e execução…
Jean: Sim. Éramos apenas nós três ali no estúdio. A gente se dividia entre as funções e cada um contribuía com um norte.
Lucas: Tudo tem muito dos 03! As dinâmicas, as intenções, o enredo!
Hugo Noguchi: Sim, isso diz muito sobre a coisa toda né? Muita sorte e privilégio de estar com esses músicos/arranjadores/produtores.
E as gravações, como foram?
Jean: Lembro de cada um dar uma ideia, mostrar uma referência de alguma música que gosta ou que achava interessante pr’aquele momento. A gente conversava, ouvia, comentava e já partia pra tocar. Ficamos algum tempo tocando e criando e quando achava que estava chegando em algum lugar já começava a gravar.
Lucas: Processávamos as ideias e partíamos pra gravar. Tudo muito dinâmico para aproveitar o frescor do que era legal. Muita conversa também. Muito entendimento um do outro. Tudo isso é muito mais do que só chegar e gravar, é momento de cumplicidade, manja?
Logo de cara, o EP começa com a faixa RIO LENTO, que tem um diálogo perfeito entre sons (som de fundo, instrumentos), a voz e a letra.
Jean: Eu acho que isso é um ponto comum entre nós. Acredito que a gente estava imerso nesses sons, sabe? Eles faziam parte das nossas conversas, então foi bacana ter alguma menção desses sentimentos nos arranjos também.
Lucas: Lembro de quando eu e o Hugo captamos os sons na praia, já de noite, andando e trocando ideia. Tinham umas crianças brincando. Muito doido isso! A percepção toda! É sobre ‘ser’ humano mesmo. Traduz muito nossas ideias.
Hugo Noguchi: Realmente foi muito legal trazer essa conversa nossa pro som, dá um tom de realidade na arte, essas coisas não deviam ser separadas né? E estava ouvindo muito Bjork na época da mixagem também rs.
Ainda em RIO LENTO, é uma delícia ouvir as vozes de vocês, dá pra se imaginar num lugar bem calmo e paradisíaco.
Jean: Pra mim foi um desafio porque até então eu não tinha muitos registros com voz. Não sei, talvez por medo e achar que eu não sou tão seguro cantando. RIO LENTO foi um processo bonito porque a gente se uniu e decidiu colocar a voz nos arranjos também. Cantar virou mais uma textura do que a necessidade de uma canção, de passar uma mensagem, seja ela qual for.
Lucas: Que good! Bom saber porque não sou cantor, mas tive oportunidade de ser!
Hugo Noguchi: Demais! São três musicistas que não se consideram cantores, então receber um elogio pelas nossas vozes é muito bacana. Eu particularmente sou muito inseguro com minha voz ainda, e acho muito legal que consigamos passar algum sentimento com ela. É engraçado que estamos cantando sobre uma parada meio sinistra, e te passou uma vibe calma e paradisíaca hahaha.
Em CHUVA vocês usaram uma boa parte só com instrumentos, e a outra metade adicionaram as vozes. Qual foi o motivo?
Jean: Sim. Nessa experiência, pensando que estamos mais acostumados em trabalhar em arranjos instrumentais em nossos outros projetos, naturalmente a gente se dedicou primeiro a construir a estrutura instrumental das músicas. Mas depois, conforme a gente ia conversando e se conhecendo, mais temas e experiências compartilhadas vinham à tona. Com isso surgiam algumas letras também, que a gente achava que fazia sentido elas pertencerem ao registro daquele momento. Mas para isso a gente tinha que cantar também hahahaha. Então, se tem que cantar, vamos cantar. Cada poesia ali pertence ao momento que a gente se reuniu.
Em ENXURRADA, vocês inovaram novamente, usando a introdução com a voz de uma pessoa aparentemente triste.
Jean: Acho que o HUGO fala melhor sobre a ENXURRADA porque ele que foi o gênio de convidar a Paola – que eu admiro muito e fico honrado demais de ter ela nesse registro.
Lucas: Conheci o trabalho da Paola por causa do Hugo também! Galera da Geração Perdida!
Hugo Noguchi: Eu sou fã da Paola Rodrigues tem um tempo já, ela é uma tatuadora/compositora que faz parte de um coletivo de artistas belo-horizontinos chamado Geração Perdida de Minas Gerais, da qual participam também a Lupe de Lupe, uma das minhas bandas brasileiras favoritas (já foi A minha banda favorita rs), que foi por onde eu conheci a Geração; o Jonathan Tadeu, Vitor Brauer, Fábio Carvalho, Fernando Motta, entre outros. Eles me re-ensinam uma lição muito interessante: se liguem nas letras, nas mensagens que temos a passar; e façam, não importa como, mas façam, pegue a sua limitação e a transforme na sua potência, naquilo que te faz único no mar padronizado que a indústria musical (ou a forma industrial de ver a música). No meio desse contexto tem a Paola que é uma artista incrível, com letras incríveis (é minha letrista brasileira favorita). Inclusive uma música do primeiro disco dela chamada Chumbinho (procurem ouvir) já tinha sido referência para nós em estúdio, pela temática e tal. E pra completar ela também ta se arriscando a cantar (os primeiros trampos dela tão entre o spoken Word, e o rap), então ela meio que caiu como uma luva para o EP!
Em OCEANO, vocês usaram o estilo das outras músicas, mas percebi que ela é um pouco diferente.
Jean: A gente vem de lugares diferentes, mas que se conversam. Nós três somos fãs de Math Rock, R&B, Ambient e mais um monte de gêneros e artistas que ajudaram a construir nossa identidade musical. Cada música gravada é o resultado um monte de horas de buscas de referências que a gente buscava antes para imprimir nosso sentimento no F.Y.M. Acho que essa pegada diferente vem da audição de uns groove doido que a gente tava buscando. E é isso que eu acho doido. A gente ouve, ouve e ouve, mas no fim, no hora de gravar a gente vai pra outro lugar. F.Y.M foi isso. Uma busca de um lugar que eu não saberia dizer o que é direito. Mas ele taí.
No final de tudo, o EP me pareceu a cara da banda Pink Floyd, bem psicodélico mesmo…
Jean: Eu fico honrado demais de construir isso com Franco e Hugo. Tem muita banda, tem muita história e conversa nesse EP e Pink Floyd com certeza faz parte disso também. Durante toda nossa caminhada várias bandas interferiram no que somos hoje e eu acho isso lindo
Lucas: É um misturado de tudo! Tudo o que a gente gosta, separamos coisas especiais! Privilégio estar com esses caras. E ó, ano que vem tem mais. Certeza!
Hugo Naguchi: Achei ótima essa referência, porque não passou muito pela nossa cabeça, mostra o quão livre são as associações e as recepções na música. E sim, vamos continuar pra ver quais vão ser essas próximas impressões de vocês!