3 de outubro de 2024
Álbum Entrevista Música

“Procurei explorar uns lados mais obscuros da música brasileira”, diz Leo Fazio sobre seu disco de estreia

(Foto por Matheus Miranda)

 

O disco de estreia de Leo Fazio, “Sangue Pisado & A Música do Século XXI” surge no cenário independente nacional repleto de histórias. Traz como principal influência “A Música do Século XX de Jocy”, álbum que completa 60 anos em 2019 e é a única experiência popular de Jocy de Oliveira, pianista erudita mundialmente conhecida. No fonograma, Fazio superou-se e compôs, produziu e executou nove instrumentos: voz, violão, clarinete, baixo, erhu (violino chinês), violoncelo, bandolim, cuíca e percussão.

O “Sangue Pisado & A Música do Século XXI” foi produzido em parceria com Everton Surerus (Estúdio Canil Recs) e conta com 12 faixas. As influências do álbum não se limitam a bossa nova de Jocy, entram também Elis Regina, Racionais, Milton Nascimento, Maria Beraldo, John Coltrane, Villa-Lobos, Sonic Youth, Cartola, entre outros. As letras variam da agressividade à uma doce esperança, com mergulhos no modernismo brasileiro, no surrealismo, na poesia beat e marginal paulista, como Roberto Piva, Claudio Willer e Bichelli.
 
“A ideia principal do disco é explorar a música brasileira de uma forma mais subversiva e em um contexto contemporâneo. Descobrir outros rumos sonoros e uma linguagem poética mais livre e experimental. De forma peculiar, abordar temas como o amor, o desejo, a perda, a sua própria relação com a depressão e diversas outras crônicas sobre nosso cotidiano. Tomando como a maior influência do disco da musicista curitibana Jocy de Oliveira. Inclusive, gravei uma versão de ‘Sofia Suicidou-se’, música que abre o álbum da artista”, explica Leo Fazio.

 

A seguir, você confere na íntegra uma entrevista que fizemos com Leo Fazio, sobre este lançamento.

 

 

Qual o conceito do álbum e do nome que você deu a este trabalho?

Na época em que eu comecei a compor as músicas do álbum eu estava sob forte influência dos artistas do modernismo brasileiro, o Manifesto Antropofágico escrito por Oswald de Andrade mexeu bastante comigo e foi uma grande fonte de inspiração e catalizador da minha procura por novos caminhos artísticos. Mas acho tudo começou mesmo quando um amigo me mostrou um disco de 1959 chamado “A Música Século XX de Jocy”, único álbum de música popular da compositora erudita de vanguarda Jocy de Oliveira. Eu estava atrás de uma certa estética sonora pras minhas músicas, buscando criar algo que explorasse a sonoridade da música brasileira mas por outros lados, um lado mais subversivo talvez, e “A Música do Século XX de Jocy” era exatamente o que eu precisava para usar como “norte”, para me guiar. E foi daí que veio parte do nome do meu álbum, foi minha forma de homenagear/fazer referência ao da Jocy – além de ter gravado uma versão minha de uma música dela, a “Sofia Suicidou-se”. A outra parte do nome acho que já é auto-explicativa, sintetiza em duas palavras o sentimento presente na maioria das músicas, meu “sangue pisado” derramado e expressado em palavras e sons.

 

Você fez praticamente tudo no álbum. Como foi essa experiência?

Eu fiz bastante coisa realmente, mas tenho muito a agradecer aos músicos que me acompanharam, o baterista Márcio Reis conseguiu captar totalmente o sentimento das músicas e criou/executou as baterias como mais ninguém poderia ter feito, digo o mesmo sobre o pianista Luiz Henrique Andrès, que gravou em 4 músicas e levou o álbum pra outro patamar, o mesmo com baixista Pedro Tavares, que gravou em 2 músicas. E claro que nada disso seria possível sem o meu querido amigo Everton Surerus, que me convidou pra viajar pra outro estado e gravar esse disco em seu estúdio (Canil Recs), ainda me ajudou a produzi-lo, tocou guitarra e baixo em algumas músicas e mixou o disco.

 

O álbum conta com vários instrumentos, alguns até pouco conhecidos como o caso do erhu (violino chinês). Comente.

Eu tenho essa mania de querer aprender a tocar vários instrumentos (todos ao meu alcance pelo menos), cheguei a fazer aula de cello no Sesc Consolação, comprei um clarinete com o dinheiro da rescisão do meu último trampo, o mesmo com a cuíca. O Erhu (violino chinês) eu comprei há alguns anos quando trabalhava numa livraria, na época eu estava pirando bastante com música do extremo oriente e consegui encontrar um erhu por uma bagatela na internet, cheguei a gravar e executar ao vivo em algumas músicas do meu outro projeto, a banda Molodoys. No meu disco eu procurei usar tudo isso que eu tenho aprendido nos últimos anos, foi bem legal.

 

Seria legal você falar um pouco das suas influências para a criação do álbum.

Minhas maiores influências foram o movimento Antropofágico e o álbum da Jocy de Oliveira, mas além disso eu tentei trazer muito de outras coisas (muitas coisas aliás) que eu andei ouvindo e lendo quando estava compondo as músicas. Eu ouvi muito Baden Powell, John Coltrane, Cartola, Milton Nascimento, Noel Rosa, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Elis Regina, Sonic Youth, Racionais MCs, Arrigo Barnabé, Villa-Lobos, Nirvana, Bob Dylan, Maria Beraldo, meu amigo Edgar, Thelonious Monk e mais algumas coisas que eu não consigo lembrar agora. Na parte lírica eu quis trazer uma linguagem mais experimental, estava lendo um pouco dos poetas surrealistas e poesia marginal paulista, como Roberto Piva e Claudio Willer, também li algumas coisas de Fernando Pessoa.

 

Como você abordou a música brasileira neste álbum?

Como eu disse antes, procurei explorar uns lados mais obscuros da música brasileira, mas sem perder a essência e as raízes, pesquisei bastante sobre choro e samba, bossa nova e a vanguarda paulista. Tentei abordar não só na questão sonora, como também na parte lírica, procurei explorar bastante da cultura brasileira no geral.

 

Como você definiria a poesia de “Sangue Pisado & A Música do Século XXI”?

Suja e perturbada, mas com alguns toques de doçura e contemplação, eu acho.

 

Você tem alguma história ou curiosidade interessante que queria nos contar?

Acho que a história mais legal sobre esse disco é como ele foi acontecendo. Eu conheci o Everton um dia quando ele veio tocar com o Filipe Alvim aqui em SP no estúdio dos meus amigos da banda Goldenloki, três meses depois eu estava pegando carona pra ir pra Juiz de Fora gravar esse disco, achando que ia ficar apenas um mês, mas acabei ficando exatamente 3 meses (de 19 de Julho até 19 de Outubro de 2018). Esse tempo que eu passei na casa do Canil Recs foi uma das experiências mais incríveis que eu já vivi, foi intenso, passei muito perrengue mas valeu a pena, arte de guerrilha como diria o baterista Márcio Reis.

 

Fique à vontade para falar algo que gostaria de ter dito e que eu não perguntei.

Acho que já falei tudo (falei muito inclusive, risos), obrigado de coração pelo espaço que vocês me deram pra falar desse disco, significa muito pra mim.

 

 

(Texto de introdução da assessoria de imprensa)

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.