É na mistura de gêneros musicais genuinamente brasileiros que Sid Ferreira apresenta seu mais novo álbum, “Outros 500”. O samba e choro combinam com ijexá e jazz, em uma fusão harmoniosa de composições que manifestam a insatisfação com a classe política e denunciam a realidade atual do país.
— Neste CD mais uma vez eu tive o prazer de poder contar com a participação de músicos muitos talentosos, muitos se tornaram amigos e parceiros, como Matheus Prevot, que canta uma de nossas parcerias comigo no disco, Yumi Park, que canta uma música que fiz sobre o Rio, e leo Mucuri, com quem divido os vocais na canção que abre o disco. — comentou Sid.
Abaixo, veja na íntegra uma entrevista especial que fizemos com Sid Ferreira.
Na questão temática, você usou a realidade do país. Como chegou nesse assunto? O que exatamente te inspirou para isso?
No meu primeiro CD SEM FANTASIA as composições falam de amor. Neste segundo trabalho quis fugir um pouco deste tema e, considerando o período de transformações negativas que o Brasil vem passando, focar em assuntos que infelizmente permanecem atuais, como racismo, corrupção na política e intolerância religiosa. Esta mudança de foco nas letras foi a razão para eu ter escolhido OUTROS 500 como título do novo CD e esta expressão, além de fazer referência aos quinhentos anos de história do país, é bastante adequada se considerarmos a sua origem, que aparentemente nasceu de uma lei instituída na península Ibérica por volta do século XIII que estipulava uma multa de 500 soldos a quem ofendesse um nobre, tendo ainda o agressor, se reincidente, que pagar outros 500.
Você escolheu ritmos genuinamente brasileiros para compor o álbum. Por que teve essa escolha?
As letras do CD falam da realidade do Brasil, então naturalmente os arranjos deveriam representar a música brasileira. Mas além de samba, choro, ijexá e bossa nova, houve a inclusão de outros gêneros, como jazz, salsa e bolero, pois também sou bastante influenciado pela música latina.
Nesse sentido, quais foram suas influências?
Costumo dizer que sou uma salada de frutas de influências musicais. Na adolescência ouvia de Hanson a Nightwish, mas a minha formação musical tem como base a MPB. A MPB clássica de Ivan Lins e Chico Buarque principalmente. E a MPB contemporânea de Jorge Vercillo e Fabio Cadore, por exemplo.
Você também usou temas mais leves…
Sim. A temática “amor” não foi inteiramente deixada de lado neste trabalho, no entanto abordei nas letras o amor pela música, pela natureza, pela vida e pelo Rio de Janeiro, minha cidade natal.
Com esse disco, você acredita estar contribuindo para uma sociedade melhor? Como fez Chico Buarque e como faz Criolo?
A arte em si contribui para uma sociedade melhor. Eu, como todo artista, sou apenas um canal que oferece suas próprias emoções, histórias e ideias para tentar emocionar, divertir e causar reflexão. Mas esse efeito depende mais de quem consome a arte e do que de quem a faz.
Esse disco é totalmente autoral. Gostaria que você comentasse como foi o processo de composição das 12 faixas.
Sobre o processo de composição: para cada música a criatividade brota de uma forma diferente. Às vezes de uma ideia de melodia, às vezes surge uma letra de algo que ouço, vejo, penso, vivo ou até mesmo sonho. A inspiração está em toda parte.
Tem alguma história que envolva o disco?
Sim. Especificamente sobre a composição de SILENT RIO (CARIOCA) que surgiu durante um show. Faz quase dez anos, durante o show de lançamento do CD NOSSAS CANÇÕES no SESC de Madureira, Ivan Lins conversava com seu parceiro de palco, Celso Viáfora, sobre o orgulho de ser carioca e que apesar de estar sempre rodando o mundo fazendo shows, o Rio de Janeiro era o seu lar. Eu estava na platéia ouvindo as conversas que eles tinham entre uma música e outra, e dado momento Ivan comentou de uma frase que havia lido em algum lugar (não lembro se um livro ou poema) que dizia algo como: o Rio tem algo especial que amanhece e aqui parece que tudo se amou. Ao ouvir essa fala, os versos do que viria a se tornar a letra de Silent Rio vieram a minha mente. Foi até um pouco engraçado, na época não tinha smartphone, eu estava sem papel, sem caneta e fiz um grande esforço para decorar a letra durante todo o trajeto do ônibus para voltar pra casa.
Já a música surgiu com bastante naturalidade também. Eu já tinha a sequência de acordes da primeira parte da música pronta, o que facilitou a criação de uma melodia que casou perfeitamente com a letra.”
CONHEÇA FAIXA A FAIXA DO DISCO, segundo Sid.
- Diversidade
A música que abre o disco é um ijexá, cuja letra fala sobre a (in)visibilidade negra na mídia: as oportunidades negadas, a sociedade reforçando esteriótipos e o racismo velado.
- F.D.P. (Filosofia Dos Políticos)
A letra surgiu de um poema da Keissy Carvelli que transformei em música, enquanto tentava aprender uma batida de violão de um samba do João Bosco.
- Viva a Vida
Esta canção é um samba sobre aproveitar as coisas simples da vida, respeitar a natureza e buscar a felicidade.
- A Voz da Alma
Uma música de amor sobre o amor à música. Esta canção explicita outra vertente das minhas influências musicais: o jazz.
- Silent Rio (Carioca)
Canção entre jazz e bossa nova que fala sobre o Rio de Janeiro, mas não do ponto de vista de um turista, mas pela ótica de um trabalhador. A letra fala da rotina de alguém que acorda de madrugada, encara a labuta, e ao fim do dia, encantado pela magia da cidade, recarrega suas energias ao aproveitar a noite carioca.
- Copo d’Água
Um samba que simboliza duas correntes políticas opostas, mas ambas decepcionadas com os políticos brasileiros. E o dilema mudar o país ou mudar de país?
- Comédia Romântica
Choro sobre a mente feminina do ponto de vista masculino. No arranjo, a flauta simboliza a mulher e o cavaquinho simboliza o homem contando a história.
- Veja Somente
Uma mistura de bolero com arrocha que é a minha composição mais recente a entrar no disco, e também primeira parceria “não virtual”. Matheus Prevot e eu nos reunimos, começamos e terminamos letra e música em uma só noite.
- Aos Nossos Pais
Segunda parceria com Keissy Carvelli que fez a parte inicial da letra a partir do meu pedido de fazer o outro lado de “Aos Nossos Filhos” (Ivan Lins / Vítor Martins).
- Estado Laico
Um pop-rock inspirado nas trilhas sonoras dos filmes do 007, cuja letra fala de intolerância religiosa.
- Keissy
Uma música que traduz as diversas fases da adolescência passeando por vários gêneros musicais, do pop ao samba. Teve inspiração na sonoridade do nome de minha parceira Keissy.
- Simone
Uma singela homenagem a uma das minhas cantoras brasileiras favoritas.