Como dito no título da reportagem, o grupo natural de Natal (RN), trouxe para o álbum uma verdadeira mistura de ritmos, de certa forma, até inimagináveis. Mas segundo os próprios integrantes, nada aconteceu com uma ideia pré-determinada, e sim naturalmente.
“Gravamos, desgravamos e experimentamos bastante. Foi preciso se mover e bater cabeça, experimentar; nesse sentido de envolvimento foi laborioso. Mas também foi preciso não agir, esperar, dar tempo ao tempo, deixar rolar; nesse sentido foi tipo como vinho”, expressa Henrique.
LABORIOSO VINHO é o segundo trabalho inédito e autoral da banda, que conta com 13 músicas, entre elas, canções e instrumentais.
Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemos com a Igapó de Almas.
Como tiveram essa ideia “maluca” de misturar ritmos amazônicos e nordestinos com a atual música eletrônica?
Henrique – Acho que não foi bem uma idéia pré-determinada do tipo: vamos criar um projeto musical que misture Amazônia, Nordeste e música eletrônica. Foi algo fruto das trajetórias da vida mesmo, das buscas e dos encontros cotidianos. O Igapó de Almas começou a produzir o primeiro álbum em 2011 através do encontro de Pedras e Walter. Essa conexão trouxe uma junção de estilos que acabou indo pra esse lado de fazer um som eletrônico de livre experimentação com beats, samples, synths e ao mesmo tempo conectar com ritmos tradicionais, fazer releituras. Como o Pedras viveu muitos anos no Acre, ele trouxe toda uma bagagem de cultura amazônica que a gente desconhecia até então. Ao mesmo tempo o Walter tava aqui em Natal fazendo beats, compondo muito com o computador. O igapó nasce dessa troca de experiências. Com o LABORIOSO VINHO o que rolou foi um aprofundamento, um mergulho mais denso nessas possibilidades e aí já com mais cabeças interagindo juntas e contribuindo com a criação desse ambiente de fusão.
Quais outros ritmos usados no álbum?
Pedras – De elementos que não são nem da Amazônia nem do Nordeste, aparecem coisas de Trip-hop, Rap, Bossa-Nova, Samba, Techno, Cumbia, Candombe, Math rock, Salsa, Agabi, Trap, Maiame Bass, ritmos de Guiné. Já sobre os elementos do Nordeste e do Norte, tem Côco de Roda, Bolero, Brega, Baião, Maracatu, Baque de Samba e influências da música dos Yawanawá, através da figura do Shaneihu Yawanawá.
E o nome do álbum? O que quer dizer?
Henrique – LABORIOSO VINHO é sobre a ação do tempo, é sobre as lentas fermentações da vida cotidiana e também uma forma de sintetizar o processo de criação que vivemos coletivamente entre 2015 e 2018. A fermentação é um lance fascinante que tanto pode levar ao apodrecimento quanto a uma depuração né? Que também não deixa de ser um modo de apodrecer, mas sob certas condições específicas. O álbum não tinha esse nome desde o início, foi lá pra 2016 que cogitamos a ideia e todo mundo topou. A gente se encontrava em dificuldades com algumas músicas, descartando projetos que não queríamos mais colocar, esbarrando em questões técnicas, diferenças de estilo, etc.
Acabou que isso foi dando um ímpeto de seguir testando coisas novas ou então quietinho fazendo o labor pelas músicas antigas, aí elas foram se transformando e nós também, chegando em resultados estranhos e interessantes. Pra mim LABORIOSO VINHO remete a esse ensinamento, a esse equilíbrio entre ação e não-ação que foi necessário ao longo do processo. Em certos momentos era preciso botar muita energia em algo, em outros não havia nada que pudesse ser feito e o tempo nos surpreendia quando a gente esbarrava com ideias antigas e as reformulava. Quando a gente sacou que era sobre fermentação que estávamos tratando e vivendo, aí foi ótimo (risos), isso trouxe consistência e sabor ao álbum, aquele gostinho amargo de trabalho espiritual. Tudo isso está presente nessas 13 músicas. Por isso a gente fala brincando que é “música fermentada brasileira”.
A mesma pergunta para a capa do álbum.
Henrique – O autor da capa do álbum é o Sandro Freitas, ele é um artista visual aqui de Natal-RN que a gente admira muito e que adora conversar sobre todo tipo de coisa misteriosa. Aí o papo vai longe, tanto para o passado quanto para o futuro. Essa capa é fruto de uma conversa que tivemos eu, ele e Pedras. O assunto era sobre construções muito antigas que estão encobertas e soterradas em parte da floresta amazônica. Então a gente conversou sobre isso, sobre como a floresta é densa. Mas como não se tratava de um desenho realista, a gente também conversou sobre um céu com vários planetas e luas. Foi um bate-papo intenso de uma horinha digamos assim. Depois de uns meses ele chegou, mostrou a capa e pan!
Chama também muito a atenção de que o álbum é misturado entre músicas cantadas e outras apenas instrumentais. Como chegaram nisso? E como foi trabalhar dessa forma?
Henrique – Chegamos nisso bem naturalmente. O primeiro álbum – que foi lançado em 2014 – já apresentava esse formato, de unir canção com temas instrumentais. Ao vivo a gente também vem misturando isso desde sempre. No LABORIOSO VINHO tem letras da Maria Di Lia, do Pedras, minhas, algumas menos canção e mais leitura, sussurros de ideias. Aí nessa parte da canção entram as participações, esse lance de convidar cantoras que a gente curte pra interpretar a composição, botar sua característica. De vozes femininas tem a Luísa Guedes (Luísa e os Alquimistas), a Debora Malacar (Chico Correa & Eletronic Band), a Clara Pinheiro e a própria Maria Di Lia – que além de compositora, é mãe do Pedras e nossa grande madrinha 😀 .A voz também surge num esquema mais coral nesse álbum através do Tiago Landeira – que fez parte do Igapó entre 2014 e 2016- ele tem toda uma vivência com camerata de vozes, tradições de canto, então a gente deu vazão a isso também com ele. O único convidado que chamamos no sentido de compor e cantar foi o EDGAR, ele é um poeta de muita verve e contundência crítica, muita leveza e liberdade no modo de ritmar a mensagem, foi um lance que rolou já bem na reta final do processo e somou bastante. A diferença do segundo álbum para o primeiro, é que agora a gente também botou nossas próprias vozes. O Pedras e o Rafa cantam em SE FIQUE, tem eu e Walter em LOMBRORGES.
E a criação das músicas, como foi?
Walter – Tiveram alguns caminhos distintos para chegar até as músicas, então depende. A matriz principal são as músicas de Pedras e Maria, tem várias canções, selecionamos algumas e começamos a trabalhá-las. Foi um caminho complicado, porque algumas não deram tão certo. Mas a maioria deu. Canções como SE FIQUE, SOLIDÃO AVULSA e ABALA, derivaram dessa matriz. Teve também a criação orgânica, com toda a banda, partindo de lugares diferentes: ensaios no TranspirArte deram origem a Salsa Division (a música síntese da nossa última formação) e a Peixe Lua, sendo inclusive as duas que tem gravação de bateria.
Por último uma terceira via, a menos iluminada mas que nos levou aos destinos mais inesperados. A gente tinha o costume de se internar, ficar gravando coisas aleatórias, testando, uma coisa bem saudável. E produzimos uma infinidade de projetos inacabados no Ableton, só com ideias soltas. E ao longo de todo o processo esses projetos iam nos acertando como asteroides, ideias que nem imaginávamos que estavam orbitando perto da gente e de repente… BUM! E as coisas foram sendo adicionadas ao longo dessa fermentação, e tijolo por tijolo esses projetos foram se erguendo em faixas complexas, elaboradas, que carregavam vários momentos, sample de um ano, voz de outro ano, e por aí vai. Nesse modus operandi surgiram músicas como TROPICAL MADNESS, LOMBRORGES, LABORIOSO VINHO, e a minha preferida, BAIXO MAIAME.
Tem alguma história ou curiosidade que envolva o álbum?
Pedras – Tem várias, vou contar duas. A primeira música – ANDANDO SÓ – tem o toque do côco de roda, ritmo bem disseminado aqui no RN em torno da figura do Mestre Severino. A música SE FIQUE também traz releituras de sons e ritmos. É um Baque de Samba – também conhecido como Baque Acreano. Segundo o Mestre Antônio Pedro (1942-2016), este ritmo tem origem nas festas que aconteciam nos CUPIXAUS, que são construções de dois andares nas aldeias por onde passou (Huni Kuin, os Culina, Shanenawa, Arara e Jaminawa). Segundo os seus companheiros txais, o ritmo que formou o Baque de Samba tem origem no canto dos sapos, mais especificamente em um chamado Sururú, que mora nos formigueiros e é muito arisco e venenoso.
Fiquem à vontade para falarem o que quiser. (essa resposta, geralmente, entra na introdução da entrevista).
Henrique – Procurem conhecer mais sobre o que anda acontecendo na cidade de Natal-RN, tem muita coisa boa rolando no campo das artes em todas as linguagens!