14 de dezembro de 2024
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MÚSICA CAIPIRA: Os caipiras de 1962 ameaçados pela cultura dos estrangeiros

Música Caipira

Em 1962, Tião Carreiro e Carreirinho, dois estranhos se comparados ao mundo da música nacional e internacional, lançavam o LP “Meu carro é minha viola”. As quatorze faixas desvendavam um Brasil talvez meio “ridículo” aos olhos de muitos, tratava-se da cultura caipira, da música caipira, do homem caipira. Entretanto, o “ridículo” tratava-se apenas de um preconceito bobo, sem fundamento legítimo. A música caipira gravada por estas feras, artistas da mesma safra de duplas como Tonico e Tinoco, Liu e Léo, entre outros, era ricas em conteúdo, originalidade e essência brasileira, com um retrato do homem rural, seu cotidiano, aspirações e relações com o urbano.

(1) Essa pequena afirmação nos prepara para perceber que “de bobo e ingênuo, caipira não tem nada”. (2) Os calorosos anos 1960 já experimentavam grandes transformações de vários setores Brasil afora, a globalização já era um acontecimento. Ao juntarmos essas duas frases temos uma preocupação nítida por parte dos artistas brasileiros à época, sempre preocupados com a brasilidade: o medo latente de que a música e cultura estrangeira invadisse as nossas. É ai que raia o sol de “A Viola e o Violeiro’, a 9ª faixa do LP “Meu carro é minha viola”, o assunto desta reportagem.

Composta pelo próprio Tião Carreiro com Lourival dos Santos, “A Viola e o Violeiro” é uma canção de guerra, mais próxima do estado de autodefesa. Formatada como um pagode de viola, ritmo eternizado por Tião Carreiro na viola caipira, os autores desta música se defendem de dois inimigos (1) dos que não gostam da “classe dos violeiros”, embora possamos definir como amplo a identificação deste inimigo e (2) da música e cultura estrangeira a adentrar no Brasil, colocando, assim, nossa cultura e costumes em seríssimo risco de sobrevivência. Por outro lado, a música é uma descrição da imensidão e diversidade encontrada no Brasil, ainda que na ótica de um violeiro, de um homem do campo.

Refletindo as mensagens de “A Viola e o Violeiro”

A começar pelo “atrapaio”, um dialeto caipira comumente usado na música caipira. Em “Pra destruir nossa classe tem que me matar primeiro”, percebe-se que os compositores, de fato, se enxergavam como violeiros quase que em primeiro plano de identidade pessoal. Nos dois últimos versos desta estrofe, Tião Carreiro e Lourival reafirmam o que já sabemos: o homem morre, a “fama” não (ou seja, sua arte é eterna).

Tem gente que não gosta da classe de violeiro
No braço desta viola defendo meus companheiros
Pra destruir nossa classe tem que me matar primeiro
Mesmo assim depois de morto ainda eu “atrapaio”
Morre um homem, fica a fama e minha fama dá “trabaio”

Novamente, os compositores exaltam o fato de serem violeiros acima de aparentemente tudo. Sua viola, porém, é para todo o país. O último verso concretiza bem isso: “Sou um violeiro que canta para vinte e dois estados” (depois de 1962, surgiram outros estados, a exemplo de Mato Grosso do Sul e Tocantins). O que há de curioso neste último verso é que Tião Carreiro reconhece a importância da cultura caipira, da viola, dos causos, costumes etc, e que tudo isso mereceria ser reconhecido por todos os territórios da Federação, algo que, infelizmente, até os dias atuais, não aconteceu como os compositores de “A Viola e o Violeiro” gostariam.

Todos que nasce no mundo tem seu destino traçado
Uns nasce pra ser engenheiro, outros pra ser advogado
Eu nasci pra ser violeiro, me sinto bastante honrado
De tanto pontear viola meus dedo estão calejado
Sou um violeiro que canta para vinte e dois estados

Ainda na questão da estrofe anterior, aqui Tião Carreira e Lourival dos Santos demonstram carinho, respeito e conhecimento sobre os demais estados da República, aos quais eles exaltam suas características musicais. Mais uma vez vale destacar: “quem pensa que caipira é bobo, se engana profundamente”.

Viva o povo mineiro, cantador de recortado
Também viva os gaúchos que no xote é respeitado
Viva o violeiro do Norte que só canta improvisado
Goiano e paranaense cantam tudo bem cantado
Viva o chão de Mato Grosso que é o berço do rasqueado

A última estrofe merece ser vista como auge desta música no contexto do que propõe esta reportagem. Ambos os compositores viveram no interior paulista, conhecido como cerne do homem caipira. Então, “com vara curta” e de forma enfática, Tião Carreiro e Lourival dizem que “representando São Paulo este pago é o recado” da autodefesa da cultura brasileira, posso acrescentar. Permitam-me parafraseá-los: “podem vir os estrangeiros, estaremos bem armados com nos nossas violas, e não seremos, em hipótese alguma, derrotados”.

Representando São Paulo este pagode é o recado
As músicas dos estrangeiros quer invadir nosso mercado
Vamos fazer uma guerra, cada violeiro é um soldado
Nossa viola é a carabina e nosso peito é um trem blindado
A viola e o violeiro é que não pode ser derrotado

Uma pequena definição da música caipira

A música caipira (também chamada de música sertaneja raiz, moda de viola, música paulistânia etc, entre outros) faz parte da cultura caipira da região história-cultural chamada Paulistãnia, considerada hoje formada pelos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, e partes de Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso. A paulistânia é marcada por uma cultura própria, que engloba a culinária, música, sotaque, religião, costume, estilo de vida e convivência entre seus pares etc. A cultura desta região é fruto das expedições bandeirantes, com forte influência de imigrantes italianos.

As músicas caipiras representam a realidade destes povos, seu cotidiano e relações. “O mineiro e o italiano”, composição do ícone Teddy Vieira com Nelson Gomes, retrata em partes a cultura caipira. A simbologia e representações desta música foram o tema da dissertação de mestrado do instrumentista e pesquisador Thiago Righi. Ao programa “Ciência Ao Pé do Ouvido”, Thiago comentou sobre sua dissertação “A Paulistânia, o mineiro e o italiano: cultura caipira, processo histórico e acesso à terra no fonograma de uma moda de viola”. Ouça:

Também indicamos o texto do site Recanto Caipira, que aprofunda o assunto.

Alguns acontecimentos de 1962

  • – Em janeiro, Cuba assina um pacto de comércio com União Soviética, mais uma sinalização de que a revolução dos Castros teria caminhos socialistas. Dias antes, em janeiro, Fidel Castro é excomungado pelo Papa João XXII. Em fevereiro, o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy aprovou o “embargo total” contra Cuba, medida que permanece até os dias atuais. Já no mês de outubro, teve início a Crise dos Mísseis de Cuba, que aterrorizou os EUA com mísseis plantados pela União Soviética no país caribenho. Em julho, meses antes, os Estados Unidos celebram a primeira intercepção bem sucedida de um míssil balístico intercontinental.
  • – Neste ano, vários territórios se tornaram independentes: África: Ruanda; Burundi; Argélia; Uganda | Caribe: Jamaica; Trindade e Tobago
  • – Em 1962, o presidente da República Federativa do Brasil era João Goulart, que, em abril, foi recebido pelo presidente dos EUA, John F. Kennedy, na Casa Branca (Washington-DC). No mesmo mês, foi fundada a Universidade de Brasília (UNB). Em maio, foi lançado o filme “O Pagador de Promessas”. Em junho, dois importantes acontecimentos: a Seleção Brasil vence a Copa do Mundo da FIFA pela segunda vez consecutiva, emplacando 3 a 1 contra a Tchecoslováquia, com gols de Zito, Vavá e Amarildo; e Acre é elevado à categoria de estado por lei sancionada por João Goulart, que, algumas semanas depois, sancionou o projeto de lei que institui o 13º salário.
  • A Bossa Nova vivia seu auge. Neste ano, foi apresentada definitivamente ao mundo em show no Carnegie Hall, nos EUA. No palco, estavam João Gilberto, Tom Jobim e outros nomes. Já na plateia, estavam mais de 3000 pessoas. O show no Carnegie Hall é considerado histórico para a divulgação e consolidação da Bossa Nova e da música popular brasileira no exterior.
  • Nesta matéria do Blog Mari Calegari, você confere algumas manchetes de 1962.

Músicas mais tocadas de 1962 (segundo o site Mais Tocadas)

Clique aqui para acessar a lista completa

1º O Trovador de Toledo (Gilda Lopes)

2º Prelúdio Para Ninar Gente Grande (Luiz Vieira)

3º Let’s Twist Again (Chubby Checker)

4º Fica Comigo Esta Noite (Nelson Gonçalves) –

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BIBLIOGRÁFICA para construção de da publicação “MÚSICA CAIPIRA: Os caipiras de 1962 ameaçados pela cultura dos estrangeiros”

Mais TocadasWikipedia 1Wikipedia 2Site oficial do Tião CarreiroRecanto Caipira 1Recanto Caipira 2Discografia Brasileira Blog Mari CalegariPortal de Notíicas da Universidade Federal de UberlândiaAcervo do Jornal EstadãoPodcast Ciênica ao Pé do Ouvido

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.