Revista Arte Brasileira Arrepios de Fernanda Lucena “A escrita é a fotografia do saber”
Arrepios de Fernanda Lucena

“A escrita é a fotografia do saber”

- Uma análise crítica sobre o livro Filosofia Africana: Ancestralidade e Encantamento como inspirações formativas para o ensino das africanidades, da Prof. Dr. Adilbênia Freire Machado

Uma análise crítica sobre o livro Filosofia Africana: Ancestralidade e Encantamento como inspirações formativas para o ensino das africanidades, da Prof. Dr. Adilbênia Freire Machado

“Há duas formas de se pensar o pensamento africano. Uma é nascer na África e a outra é deixar a África nascer em vocês.” (Vanda Machado, 2013, p.18)

No livro “Filosofia Africana: Ancestralidade e Encantamento como inspirações formativas para o ensino das africanidades” a autora Adilbênia Freire Machado principia o texto com um trecho de Tierno Bokar que contém a seguinte frase: “A escrita é a fotografia do saber”. E no meu exemplar, uma dedicatória que diz:

“Fernanda, a ancestralidade é fonte e potência. Guia e cura! Que ela seja sempre fonte e espelho. Gratidão por ti, por espelhar e encantar. Grande abraço, Adilbênia Machado, 19/11/19.”

No prefácio de Wanderson Flor do Nascimento, ele afirma que “o encantamento nos atravessa e faz pensar”, mas o que é o encantamento? Falaremos disso jajá. E o mesmo ainda adianta que o conceito de afeto presente no livro “não é entendido como um dado. É também um projeto político de afetar-se pelo que nos lega a história. Afetar-se em direção a um mundo mais acolhedor, mais intenso, mais solidário. É um afeto que recusa o ódio, a inferiorização, as dinâmicas destrutivas que também constroem outros afetos. Um afeto que acolhe e potencializa o que nos une e engrandece e recusa o que nos despotencializa e viola.”

“A compreensão leva ao afeto, ao conhecimento, ao reconhecimento.”

A narrativa de Aldibênia Freire gira em torno da proposição “ancestralidade reconhecida, encantamento potencializado, ambos apontando outros modos de educar.” Ela fala sobre encontros que promovem conhecimentos e saberes. “Em uma diversidade que se implica em uma unidade, que é o desejo da construção de um bem comum, de mundos melhores”. E nos traz um ditado iorubá (apud RIBEIRO, 1996, p. 61) que anuncia

“Igba kan nlo, Igba kan nbo

Ojo nbori ojo

Erro iwaju nlo, Erro eyin ntele

Um tempo está partindo, outro está chegando

Um dia vai e outro vem

Os da frente (os velhos) estão indo

Os de trás (os jovens) os estão seguindo

(dando-lhes continuidade)”

E assim, o conceito de ancestralidade proposto pela autora começa a se desenhar aos olhos de quem lê. Um provérbio africano que diz “quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens”. A nossa história foi começada pelos ancestrais idos e será continuada pelos ancestrais vindouros. Por mais feridas que se precise cicatrizar e em todas as heranças deixadas, aceitas e desenvolvidas no caminho da evolução, da renovação, da reprodução e da preservação. Para a autora, “é sabido que historicamente a filosofia serviu como mediadora de processos de dominação, entretanto, acredito que, na atualidade, ela está sendo reelaborada dentro de perspectivas libertadoras, buscando a concretização do ser humano arraigado em sua cultura, afirmando e reconhecendo sua identidade que se realiza enquanto diversidade cultural, como podemos encontrar nas filosofias de libertação latino americana e na própria filosofia africana. Essa reelaboração contribui criticamente na superação da dependência e da alienação.”

“Ancestralidade é como a mão enrugada da minha avó…

Transmitia/Transmite grande sabedoria…

Histórias de vidas, de re-existências…

Ancestralidade é como seu cheiro que

perpassa, ultrapassa o tempo, a distância…

Perpassa o próprio espaço.

Ancestralidade é uma saudade que fica…

Que ensina!

Que inspira!”

(Adilbênia Machado)

Nesse momento o livro começa a me emocionar profundamente. Enquanto neta de babalorixá, neta de ialorixá e sobrinha de ialorixá, essa leitura se configura dentro das poucas experiências que tive em minha vida de ver a minha cultura, as práticas e saberes inerentes a nossa cosmovisão ser mencionada teoricamente como algo em torno de uma navegação em um cruzeiro de luxo em alto mar e não no navio negreiro de todo o racismo religioso que há 525 anos exala o odor do sofrimento de nossa gente, tão mal interpretada e acusada de atrocidades criadas, especialmente, pelos evangélicos e por pessoas brancas para deslegitimar nossa existência, nos trancafiar num porão superlotado que reduz a nossa magnitude à insignificância e nos joga ao mar ao primeiro sinal de manifestação em nós de uma narrativa verdadeiramente contra-hegemônica sobre a vida.

“Como a filosofia africana pode mediar o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, tendo a ancestralidade e o encantamento como inspirações formativas?” provoca ela. E responde, em sequência, que “utilizamos as formas culturais, tais como mitos, cosmogonias tradicionais, contos, provérbios, dentre outros, e submetemos nossa cultura a reinterpretações incessantes, pois essas formas culturais alimentam nosso modo de produção filosófica, produção de conhecimento, de saberes.”

E a autora recorre a Eduardo Oliveira (2007, p. 275) para nos assinalar que “a produção do conhecimento, a obediência à norma da ancestralidade (respeitar os idosos), a vivência do princípio político por excelência: garantir o bem de todos e de cada um (trabalhar para o progresso da família e da comunidade) e a integração com o meio ambiente são pilares fundamentais da educação africana e afrodescendente. Todo o esforço social africano está voltado para o bem estar da comunidade”

Em nossos terreiros não há um líder que dite as regras e servos que obedeçam, de modo que os oprimidos estejam sempre na busca por se tornarem opressores (parafraseando Paulo Freire). O que há são vínculos familiares, em que as maiores posições de poder são do pai e da mãe de santo. Vocês já pararam pra pensar sobre o papel desse formato de comunidade para as pessoas que foram arrancadas de suas famílias na África e sofreram no Brasil sem pai, mãe e irmãos? E das pessoas negras no Brasil que foram arrancadas de seus pais ainda na infância para serem vendidas a outros senhores de engenho? Nos terreiros essas pessoas se sentiram novamente conectadas a uma raiz amplificadora, com pais, mães, madrinhas, padrinhos, irmãs e irmãos, sobrinhas, sobrinhos, netos, netas… Quantos LGBTQIAPND+s expulsos de casa pela homofobia na atualidade não experimentam do mesmo bálsamo sobre as dores de suas facadas na alma?

“A educação está atrelada à nossa origem e ao lugar onde vivemos, quando você não tem comunidade, não é ouvido; não tem um lugar em que possa ir e sentir que realmente pertence a ele, não tem pessoas para afirmar quem você é e ajudá-lo a expressar seus dons. Essa carência enfraquece a psique” (SOMÉ, 2003, p.35)

E segundo Adilbênia Freire Machado, “o objetivo principal é que a pessoa possa auto-libertar-se, propondo a concretização real e possível de um sistema educacional do pensar-fazer praticado diariamente, filosofia e pedagogia do acontecer. Comprometimento e reflexão. Educação que provoca diálogos, trocas efetivas e afetivas, com mútuas aprendizagens, almejando e alcançando o amadurecimento da consciência, processo que acarreta mudanças no dia-a-dia, na existência concreta.”

Não é atoa que a Lei 10.639/2003 “afirma que o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, assim como a Educação das Relações Étnico-Raciais, deverá ser desenvolvida” no ambiente escolar e acadêmico. Afinal de contas, somente cientes de quem somos é que seremos capazes de tecermos o nosso próprio caminho de libertação.

“Cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens quanto aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados.” (MUNANGA, 2000, p. 17)

“Aprender orientados por uma formação para a virtude, para o respeito, para a responsabilidade, para a tolerância, para mutualidade, para cooperação, para a compaixão e para uma identificação diante da consciência de que, pela formação, poderemos todos, nos constituirmos melhores do que somos, a partir de uma aprendizagem que nos prepare para re-existir diante da intolerância, da soberba, da incompreensão profunda, da aniquilação e da ultrapassagem do outro em troca de bens materiais ou de alguma glória.” (MACEDO, 2000, p. 126)

Para Adilbênia Freire Machado, “educar desde a cosmovisão africana é educar pelo viés das experiências, pois o verdadeiro, que pode ser efêmero, conhecimento vem de dentro, do nosso lugar de origem, ou seja, do nosso pertencimento.” E segundo ela o que orienta o caminho epistemológico da cosmovisão africana é o movimento e o encantamento.

Antes de provocar sobre o que é o encantamento, me concentro no conceito de movimento para refletir sobre o modelo de produção que está posto no capitalismo. Os feitos são sempre realizados de forma vertical, em um triângulo cujo ponto mais alto lucra mais e trabalha menos em uma hierarquia sustentada pela disputa, pelos princípios de competição entre os integrantes das faixas mais baixas e pela necessidade de derrubar o outro para se manter de pé. Na contramão disso, nossos processos são feitos de forma circular, transmitindo princípios de cooperação e comunhão.

“O círculo tem a qualidade de não excluir e suas primeiras características são a integração e a horizontalidade. O que entra no interior de um círculo está integrado em roda, onde cada elemento se relaciona com o outro, complementando-o. Talvez por isso a cultura oral, praticada embaixo de frondosos Baobás, nas canções griots, não separe ciência de arte, política de religião (OLIVEIRA, 2007, p.265)”.

Manter preservadas as identidades, de forma que uma não se dissolva na outra, promovendo uma unidade dessa diversidade é outro patamar de construção. Uma perspectiva téorico-metodológica, herdada de nossos ancestrais africanos e afro-brasileiros, para se produzir o encantamento necessário para o futurismo, pela construção de um amanhã que corrija os erros do passado e repare, minimamente, os danos. Somos mais que religião, somos cultura libertária, somos um projeto político que funciona e emancipa pessoas. Somos educação decolonial. Essa é a verdadeira ameaça que representamos ao sistema capitalista e aos seus princípios individualistas e excludentes.

“É do encantamento, dessa atitude frente à vida, que nasce a Filosofia Africana, uma filosofia tradicional que traz novidades, pois aprender as novidades dos antigos é sempre uma sabedoria atualizada, é filosofia que se abre para todas as possibilidades, é filosofia do sentido, da alteridade, da diversidade, encara a diferença como atitude, como uma ética de sentidos. Filosofia que cria e encanta mundos, ressignifica e dá sentidos, é desterritorializada e caracteriza-se fundamentalmente por ser uma ética implicada no cuidado de si e do outro, no desejo de nós mesmos/as.”

“Na cosmopercepção de matriz africana mais vale o existir do que o viver pelo viver, por isso nos encantamos e assim criamos diversos mundos para sobrevivermos aos desencantamentos do mundo, às nauseas causadas pelo viver.”

“O encanto é bem mais que um truque simbólico, ele é um feitiço que enreda o vivente ao viver. O viver não faz sentido, mas o vivente é o sentido mesmo da vivência; o mundo não tem um sentido, mas muitos; o sentido é o próprio gerúndio do existir e, existindo, o encanto do existir gera um regime de signos que multiplicam o feitiço em magia, a magia em encanto, o encantamento em atitudes, as atitudes em relações de alteridade que se alojam no útero do mistério (OLIVEIRA, 2007).

Mais que um conceito, o encantamento é uma técnica de sobrevivência e de preservação da vida. Imagina o que mais poderia salvar as psiques dos negros brutalmente arracandos de seus territórios, submetidos a pior viagem de suas vidas no navio negreiro, tantos jogados ao mar, tantos chegados em terras brasileiras para viverem o processo de apagamento identitário que favorecia o processo de convencê-los a aceitarem um lugar de absoluta insignificância que os respaldavam enquanto dignos apenas de trabalhar gratuitamente até o limite de suas forças pela prosperidade branca? Quem poderia lhes salvar a não ser os seus próprios olhos sobre a realidade? A fúria do branco pela fuga do negro que se negava a aceitar se submeter a tamanho apagamento e ditadura? não seria.

Senhoras e senhores, é curioso que essas mesmas pessoas criaram, submetidas a altas temperaturas e pressão como um carbono que evolui nesse contexto e se torna um diamante, as melhores fontes de alegria que existem na arte brasileira. Os seus ritmos, as suas canções, suas danças, o que faziam nos intervalos em que podiam respirar entre uma contração e outra do parto da mãe escravidão, se transformaram nas maiores joias raras do povo brasileiro. O que eles faziam para encontrar forças naquela época nós fazemos até hoje, porque eles souberam encantar as nossas vidas. E sem esse conhecimento ancestral, seria difícil viver hoje em dia. Quero ver que angústia não se dissolve em força numa boa roda de samba, quero só ver. E os brancos se apropriam e muito desses benefícios.

“O encantamento não é aleatório, não é sem fundamento, não se dá do nada e nem para o nada, ele tem propósito. E tal propósito prima pela ética, pelo desejo do outro, partindo do desejo do eu mesmo/a, onde esse eu se reconhece em contato com o diverso, inclusive os diversos eus que constituem a cada um de nós. Esse encantamento não nos impede de questionar nossas ações em todos os espaços, quer seja política, social, interno, não impede o questionamento acerca das nossas ações éticas e do cuidado pelo diverso… ao contrário, impele a esse questionar, é questionador das minhas/nossas ações, em uma perspectiva de potencializar as existências estéticas do bem-viver.”

“Gosto do encantamento. Ele é um choque em nossas realidades, captura-nos em sua teia para que enfrentemos nossas angústias, medos, desafios, desejos, buscas, conquistas, decepções, inquietudes… Impele ao agir com ética, não se faz sem a estética própria do erotismo, do desejo, impõe-nos uma ética politica, pois é implicação, comprometimento, sentimento de pertença. Captura que liberta, pois faz que nos reviremos e assim nos reconhecemos desde nossa origem.”

“O encantamento é o que permite alguma coisa ser sentido de mudança política e ser perspectiva de outras construções epistemológicas, é o sustentáculo, não é o objeto de estudo, é sua permissão, ação, é quem desperta e impulsiona o agir, é o que dá sentido, é inspiração formativa, inspiração que cria e re-cria continuamente. É esse encantamento que nos qualifica no mundo, trazendo beleza no pensar/fazer implicado, no produzir conhecimento com os sentidos, todos eles.”

“O olhar encantado não cria o mundo das coisas. O mundo das coisas é o já dado. O olhar encantado recria o mundo. É uma matriz de diversidade dos mundos. Ele não inventa uma ficção. Ele constroi mundos. É que cada olhar constroi seu mundo. Mas isso não é aleatório. Isso não se dá no nada. Dá-se no interior da forma cultural. O encantamento é uma atitude diante do mundo. É uma das formas culturais, e talvez uma das mais importantes, dos descendentes de africanos e indígenas. O encantamento é uma atitude frente à vida.”

“O encantamento é, pois, uma política de sentidos, implicação que leva à produção de conhecimento, de ações inclusivas, de currículos reflexivos, descolonizados. Sabendo-se que o desencantamento o permeia continuamente, pois somos seres de sentidos e sentimentos. O encantamento é uma estética do viver bem… das experiências que tecem o bem-viver.”

Quando os métodos de encantamento são passados de uma geração para outra, se multiplicam na terra os tesouros da humanidade. Depois do altíssimo nível de violência ofertada pelos filhos de sangue do terreiro dos meus avós após a destruição do mesmo, enquanto próxima geração eu me sinto completamente alinhada ao propósito de continuar o método de encantar que meus avós aprenderam com os pais de santo deles e deixaram pros filhos que quiseram aprender (nenhum deles foi um filho biológico). Eu me sinto movida a resgatar esse nosso tesouro para que ele repare todos os anos de sofrimento que se sucederam à interrupção da nossa cultura. E quanto mais eu mergulho em minha identidade, mais encontro a paz que procuro para sarar as feridas que a guerra me deixou.

“O tempo presente e o tempo passado atuando continuamente, agindo em torno da comunidade, de um bem comum, valorizando as singularidades, assim como as adversidades, potencializando a força que mantém a comunidade unida. Potencializando a relação comunitária/coletiva própria das comunidades africanas, é um tempo cíclico, apoiado no anterior.” (RIBEIRO, 1996, p.55)

“Olodumaré continuando a falar disse:

Entre as coisas criadas deixei muito espaço vazio. Nesses espaços as criaturas também podem criar. E quando tiverem aprendido a ser felizes, criando coisas no vazio, elas poderão criar mundos e universos no espaço sideral. Isso me alegrará muito. Concluiu Olodumaré.

ERA PRECISO QUE AS CRIATURAS HUMANAS SOUBESSEM QUE O VAZIO É A MATÉRIA PRIMA DA CRIAÇÃO DIVINA.”

“A ancestralidade dá-se, e continua, em um processo contínuo de movimentos, assim renova-se a cada instante, ligando e re-ligando passado e presente, possibilitando um futuro, um futuro delineado por uma estética do bem-viver. Além disso, conecta o visível e o invisível, espalhando-se entre os/as africanos/as e, especialmente entre os filhos/as das diásporas que, enraizados em suas culturas, ultrapassam o tempo, reconhecem sua origem e encantam-se. Ancestralidade é uma teia constituída de movimento, pensamento, sentimento, ação, práxis e re-existência, de resistência. É histórica e geográfica, é sensibilidade e saudade.” (Eduardo Oliveira, 2007, p. 172)

“Crescia na medida em que crescia a dor da separação. Talvez isso explique o tom sempre metafísico-territorial da arte afro-brasileira. A arte africana é sempre um corpo que foge. É sempre uma face em diáspora. É sempre uma alegria contida e uma dor camuflada, pois até a dor haveria de ser abafada para que os africanos escravizados pudessem sobreviver… As estratégias de sobrevivência transformaram a dor em arte e a saudade em criação”. (OLIVEIRA, 2007, p. 172)

“Maria, Maria, é um dom,

uma certa magia,

uma força que nos alerta,

uma mulher que merece viver e amar

como outra qualquer do planeta. (…)

Mas é preciso ter força,

é preciso ter raça, é preciso ter sonho sempre,

pois quem traz no peito essa marca, Maria, Maria,

mistura a dor e a alegria.”

(Milton Nascimento)

“Em um tom mais intimista compreendo a ancestralidade como uma saudade que carrego em meu peito, saudade de um encontro que me levou e que me leva aos meus ancestrais, a um eu profundo, ao conhecimento, ao re-conhecimento da potência de ser, de estar sendo, caminhando, encantando-me. Saudade que se fez dor, mas atiçou o sobreviver produzindo, não adormecer por medo de seguir. Seguir, mesmo que cada passo seja um parto, é dor, mas é dor que encanta, pois potencializa o estar no mundo, implicações com o bem-viver. Imprime responsabilidade às minhas escolhas e ações. Escolhe-se seguir ou parar e o tempo não para. O vento não seca, a chuva molha, as lágrimas religam sentimentos que se esvaem no ato do viver. Saudade é o encontro com pessoas, inclusive, aquelas que são casa… chão! Ser casa não permite ser inerte, o vento bate na janela, que faz barulho, chama o movimento, tem poeira, tem a chuva batendo nas telhas, levando, deslizando… Ancestralidade é o encontro com as entranhas do sentir, despir-se, revestir-se, ser…”

“É saudade como um sentimento que ultrapassa apenas uma imagem, um lugar ou acontecimento. Que ultrapassa uma simples lembrança. Ultrapassa, pois a saudade mantém o atavismo do vínculo entre o ser e seu contexto, entre o que ele é e o que faz com que ele seja, entre o evento e a estrutura, entre o mito e a vivência. A saudade tem motivos. Tem vínculos. Tem antecedente. O motivo da saudade é o tempo; a potência da saudade é de re-criação da vida e não de sentimento de perda. A saudade é, por excelência, um sentimento de alteridade e de devir (OLIVEIRA, 2007, p. 226).”

“Ancestralidade é cuidado, responsabilidade, é o jeito Oxum-Mãe de cuidar. Cuida-se porque se ama, reconhecendo que a existência individual não é única, mas relação. Já dissemos: vivemos em teia, somos parte de uma grande teia.”

“O mistério é o sentido da vida, é aquilo que dá fluidez ao existir… um sentido produzido, construído, gerado na teia da existência, da vivência, da experiência, das águas que brotam e escorrem de nós.”

“Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar”, Bernardo Ayan, meu filho.

Sobre a colunista Fernanda Lucena: Mãe de Bernardo Ayan. Bacharela Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (UFOB), Pós graduada em 1) Marketing Digital (UNOPAR), 2) Produção Cultural, Arte e Entretenimento (FACUMINAS) e 3) Direção de Arte para Propaganda, TV e Vìdeo. Diretora de Produção da Afeto Produz e Crítica de Arte, colunista da Revista Arte Brasileira.

E-mail: diretoria@afetoproduz.com

Instagram: @fernandalucenaproduz

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