Revista Arte Brasileira Entrevista Sonoridades dos continentes se encontram em “Saudoso Amarais”, disco do artista campinense Leandro Serizo
Entrevista Google News Mais publicações

Sonoridades dos continentes se encontram em “Saudoso Amarais”, disco do artista campinense Leandro Serizo

O projeto solo discográfico do paulista Leandro Serizo se iniciou em 2021, quando o single “Libertas Navy” foi disponibilizado. Aproximadamente dois anos depois, lançou a canção “Milharal dos ETs”, que, posteriormente, seria a segunda faixa de “Saudoso Amarais”, álbum de estreia de Lenadro Serizo. E foi justamente “Saudoso Amarais” que nos conectou à esta história aqui apresentada. O disco de seis faixas são vários passeios pela diversidade musical dos continentes. Embora Serizo veja o termo “World Music” apenas como um ponto de referência que facilita a comunicação com o público, devam ser talvez estas as duas melhores palavras que encabeçam “Saudoso Amarais”.

Nós, do lado de cá, nutrimos curiosidade para entender como Leandro chegou a esta musicalidade, qual foi sua trajetória até então. É o que você poderá ler à seguir:

Matheus Luzi – O seu ingresso na Unicamp foi o ponto de largada para você começar esta investigação da música mundial. Descreva esta experiência.

Leandro Serizo – A Unicamp abriu portas para que eu pudesse criar uma rede ampla com artistas de diversas linguagens, especialmente nas áreas visuais, dança e música. Ingressei na Licenciatura em Música em 2017 e, em 2020, combinei com o bacharelado em Canto Popular, estudando a canção brasileira sob a orientação da professora Regina Machado. 

Ao longo da minha trajetória na UNICAMP, explorei intensamente a experiência universitária. Realizei iniciações científicas, participei de diferentes projetos como PIBID e PIBIC, me envolvi na Residência Pedagógica, atuei como professor em cursos de extensão, fui monitor-PAD em Canto Popular, participei de diversas práticas musicais e realizei vários shows na Universidade, abrangendo estilos como MPB, forró e músicas do mundo.

A experiência na UNICAMP representa a melhor oportunidade que tive até agora para crescer como artista e músico.

Matheus Luzi – Ainda na Unicamp, você criou e dirigiu o grupo Egrégora Mundana, no qual você deu andamento prático e de pesquisa à este aspecto da world music. O que você descobriu (e fez) neste momento?

Leandro Serizo – A Egrégora Mundana foi um projeto que surgiu após eu decidir colocar em prática o que já vinha pesquisando em relação às músicas da região do Mediterrâneo, entrando em contato com as músicas dos ciganos da região dos Bálcãs, como a música tradicional turca, grega e árabe. Assim, a Egrégora surgiu como uma prática instrumental dentro da universidade, agregando diversos músicos e musicistas que passaram por essa experiência única e enriquecedora. A Egrégora permitiu criar redes com pesquisadores brasileiros e artistas estrangeiros, com os quais criamos arte e pudemos nos aprofundar em questões sensíveis e cuidados envolvidos ao nos envolvermos com uma prática multicultural.

Eu sou extremamente apaixonado por repertórios e artistas desses locais, e esse interesse me levou a tocar sanfona, influenciado por sonoridades que remetem a esses territórios. Também aprendi a tocar percussão árabe, como derbak, bendir, riq, além de estudar ornamentações vocais.

Matheus Luzi – Neste período, você conheceu outros grupos com ideias semelhantes. Quais eram?

Leandro Serizo – Sim, comecei a fazer uma pesquisa que envolveu conhecer o trabalho de diversos artistas que pesquisam, difundem, recriam e trabalham com um universo de músicas de outros países, tendo a multiculturalidade como fio condutor do seu trabalho. Conheci a obra de grupos brasileiros como Zaravi, Terra Sonora e Orquestra Mundana Refugi. A Egrégora Mundana possibilitou o contato com alguns artistas desses grupos. Me apaixonei por trabalhos como o do grupo brasileiro Mawaca, principal referência no campo das músicas do mundo, dirigido por Magda Pucci, uma artista fantástica com um trabalho profundo e diverso. Outro artista pelo qual me tornei fã é o mestre Gabriel Levy, que é sanfoneiro, compositor e educador. Levy toca no Mawaca, além de ter trabalhos autorais e acompanhar diversos artistas. Ele foi diretor musical do Ethno Brazil em 2022, um festival que reúne diversos jovens artistas do mundo em uma imersão musical que resultou em shows, como no Teatro Municipal de São Paulo, onde fui solista na primeira música cantando vissungos brasileiros.

Na pandemia, a Egrégora Mundana gravou a canção “Çayel’inden” com a Magnífica Orchestra Paulistana de Músicas do Mundo, que também tem direção do Levy. A canção foi gravada juntamente do  multi instrumentista turco  Chadas Ustuntas que é um artista excepcional.

Para além da rede brasileira nesse campo, me apaixonei pela obra musical de artistas que me influenciam muito, como a banda Yemen Blues do Iêmen, o incrível sanfoneiro Muammer Ketencoğlu e a gigantesca cantora libanesa Fairuz. Entre tudo o que conheci, o que se tornou minha maior influência foi o pianista de jazz armênio, Tigran Hamasyan. Músico versátil, virtuoso e esplêndido. Nos últimos 3 anos, foi o artista que mais ouvi. Tigran funde a música tradicional armênia com o jazz. Meus discos favoritos são “Ancient Observer” e “The Call Within”.

Matheus Luzi – Você lançou recentemente o álbum “Saudoso Amarais”, que é, em certa medida, um reflexo desta pesquisa. Como este estudo da world music faz parte do álbum? Mais do que isso, como ela influencia sua carreira como um todo?

Leandro Serizo –  De forma explícita, cito a presença de instrumentos como derbak, riq e oud, que são muito familiares à música árabe. Além disso, destaco a participação do meu amigo sírio Nour Koeder na faixa “GUERREIO”. Nour é estilista, ator e temos criado música juntos. Ele também aparece nos forrós que toco por aí, cantando conosco e misturando um pouco do forró com a música árabe. O forró tem em suas raízes sonoridades da música árabe, e fazer esse encontro é muito especial para mim.

A faixa “Astrônomo” conta com a presença desses instrumentos árabes, e recriei a melodia, incorporando sonoridades melódicas que remetem a todos esses estudos. No geral, o álbum apresenta muitas frases melódicas que partiram de características da música do Mediterrâneo, além de ornamentações musicais que fui construindo ao longo dos meus estudos. Para quem tem contato com a música feita nessa parte do mundo, é fácil perceber essa influência na minha obra. No entanto, é comum as pessoas sentirem algo “místico” ao entrar em contato com essas sonoridades, o que me motiva a divulgar mais a obra de outros artistas e essas sonoridades encantadoras, que não se limitam apenas a um tipo de imaginário.

Matheus Luzi – Por último, deixo este espaço em aberto para você comentar o que quiser, aquilo que, por ventura, eu não perguntei.

Leandro Serizo – Quero convidar todos vocês a ouvirem meu disco “Saudoso Amarais”. Este é meu primeiro trabalho autoral, reflexo de tudo o que vivi na minha trajetória no curso de música popular da Unicamp e na minha jornada como forrozeiro por Campinas, além das minhas paixões pelas músicas do mundo. “Saudoso Amarais” é composto por seis músicas que divergem entre gêneros, agregando mpb, rock progressivo, jazz, space music, sonoridades latinas e árabes. Contou com a participação de jovens artistas estudantes em música e artes da Unicamp até mesmo da minha mãe em “Astrônomo”. É um disco onde acima de tudo busquei realmente deixar a minha liberdade criativa se guiar por todas as minhas influências musicais. Fiz esse trabalho com muito coração e devoção a música. 

O disco foi composto e arranjado por mim. A produção musical foi feita  por mim junto de Granadeiro Guimarães e participação especial de Quico Dramma na faixa “Nave Apócrifa” e “Saudoso Amarais”. A mixagem e masterização foi feita por Zé Victor Torelli. Está disponível em todas as principais plataformas de streaming atuais. 

Por fim, outro ponto que gostaria de comentar é que “World Music” é um termo que, mercadologicamente encaixota uma infinidade de estilos, gêneros e ritmos. Isso é reflexo de uma indústria musical fechada ao mainstream. Entendo que, para um artista pequeno como eu, esse termo me ajuda a conectar minha música ao público mais aberto às possibilidades que trago ao mesclar a música brasileira com músicas do mundo. No entanto, gosto de reiterar que a discussão por trás desse campo é muito mais complexa, ampla e sensível. Tenho me dedicado a esses cuidados para uma arte que exalte artistas e músicas que tanto amo ter contato.

CRÉDITO DA FOTO DE CAPA: Leandro Serizo por Nina Pires

Sair da versão mobile