6 de outubro de 2024
A Metafísica Poética na Arte Brasileira

Conto “Azul”, de Brendow H. Godoi

— Cuidado! Meu avô me contou que um menino morreu nessa lagoa.

— Afogado?

— Não. Ele tava olhando a água aí veio um boi correndo e acertou ele. Bum. Caiu morto, bem aí onde você tá.

— Qual era o nome dele?

Ela ficou calada e me beijou. Saiu correndo, chutando o vento. Tínhamos seis anos.

Só fui vê-la de novo semana passada, duas décadas depois. Antônia era só pele, osso e o meu eterno primeiro beijo pintado de pretérito perfeito. Estava para morrer. HIV. Contraiu nas ruas, onde sobreviveu trabalhando como prostituta. E antes de partir, ela me chamou pra perto e sussurrou no tornozelo do meu ouvido:

— Azul.

— O que é azul?

— O nome do boi que matou o menino.

Quando ela fechou os olhos para sempre, eu chorei. Derramei o pranto copioso do boi Azul, lamentando os hiatos sem cor que dançavam em volta do corpinho do menino sem nome.