— Cuidado! Meu avô me contou que um menino morreu nessa lagoa.
— Afogado?
— Não. Ele tava olhando a água aí veio um boi correndo e acertou ele. Bum. Caiu morto, bem aí onde você tá.
— Qual era o nome dele?
Ela ficou calada e me beijou. Saiu correndo, chutando o vento. Tínhamos seis anos.
Só fui vê-la de novo semana passada, duas décadas depois. Antônia era só pele, osso e o meu eterno primeiro beijo pintado de pretérito perfeito. Estava para morrer. HIV. Contraiu nas ruas, onde sobreviveu trabalhando como prostituta. E antes de partir, ela me chamou pra perto e sussurrou no tornozelo do meu ouvido:
— Azul.
— O que é azul?
— O nome do boi que matou o menino.
Quando ela fechou os olhos para sempre, eu chorei. Derramei o pranto copioso do boi Azul, lamentando os hiatos sem cor que dançavam em volta do corpinho do menino sem nome.