Esta publicação vem de uma leitura recreativa e não intencional que fiz na Revista Continente (ao qual me refiro sempre com grandiosidade, respeito e admiração. A Continente faz um jornalismo sério e dedicado, difícil de se ver no mundo digital de 2023. A reportagem ao qual me refiro é “O LADO BRILHANTE DO PINK FLOYD”, publicada no dia 1 de março deste ano com o intuito de aproveitar genialmente a efeméride dos 50 anos de lançamento do disco “The Dark Side Of The Moon” (Pink Floyd), um clássico da música internacional.
Escrita e ilustrada pelo programador, mestre em Ciências da Linguagem, designer e músico Yellow, a reportagem é um pouco extensa para os parâmetros do século XXI. Após 27 parágrafos de informações riquíssimas e bem redigidas, deparo-me com a última parte da publicação, esta que se distraí do enfoque principal (o disco) e se aventura numa reflexão que levou-me a não terminar a leitura, não por um ponto final. Este encerramento é uma provocação, não uma conclusão, como se costuma esperar de finais de textos.
O título que propus nesta publicação deixa um pequeno vestígio do que vem a ser esta referida provocação. No entanto, me despeço e deixo com você, caro leitor, o texto que tanto fez sentido, que “apenas” reafirmou o que eu penso há tanto tempo. Recomendo que você faça a leitura completa no site da Revista Continente, não somente para entender melhor o contexto, como também para adquirir informações interessantes e relevantes sobre “The Dark Side Of The Moon”.
No entanto, caso prefira a praticidade, deixo o texto a seguir:
Em razão dos 50 anos do “The dark side of the moon”, a banda anunciou para 24 deste mês o lançamento de mais uma caixa, contendo diversas versões e mixagens do disco, junto a um monte de encartes e fotos. Fãs irados inundaram as redes com reclamações. Alguns deles ainda tinham esperança de ter uma gravação em vídeo de um dos shows da turnê original, mas, pelo visto, não existem mesmo. Outros, pasmem, fazem ataques homofóbicos ao arco-íris da capa, que está lá há 50 anos! Parece que o mundo ficou mais burro, mesmo.
Hoje, o Pink Floyd sobrevive apenas nessas edições especiais e turnês nostálgicas. No ano passado, apareceu uma remixagem de “Animals”, que ficou engavetada por quatro anos devido a brigas entre os membros sobreviventes da banda, acerca do texto dos créditos. Gilmour e Waters, a cada 10 ou 15 anos, lançam discos de músicas inéditas, que servem apenas como desculpa para turnês mundiais em que reciclam os clássicos da antiga banda. O baterista foi o responsável pelo revival mais criativo – nos divertidos shows do projeto “Nick Mason’s saucerful of secrets”, ele recria, com músicos convidados, as músicas da fase psicodélica da banda, de antes do “Dark side”.
Não me lamento pela falta de novos bons discos dos membros da banda, afinal, ninguém consegue ser genial a vida inteira. Mas entendo que o rock, como um todo, entrou em sua fase referencial. Parece acontecer com todo estilo de música popular, seja blues, jazz, frevo ou MPB. No início, o estilo é uma novidade, e há espaço para invenção e definição de sua linguagem. Quando a linguagem se estabelece, primeiro é a forma que enrijece, e é o início de sua decadência. Por exemplo: fica definido que o frevo só se toca com instrumentos de sopro e percussão, ou que o rock precisa de guitarra…
Ainda podem se passar décadas em que o estilo aproveita alguma popularidade, e podem surgir novos artistas talentosos. Mas é como se não houvesse mais espaço para a inovação. A verdadeira morte do gênero é quando o repertório vira cânone. Quando a gente sai para o carnaval esperando “Vassourinha” e “Voltei, Recife”. Ou quando a gente vai pra um show de jazz esperando ouvir “Take five” e “So what”. Quando as pessoas preferem ir pra um bar ouvir “Smells like teen spirit” e “Sultans of swing”, ao invés de conhecer uma banda nova.
E, graças a isso, não surgem mais bandas interessantes, e aos fãs restam apenas relançamentos. Como a série de bootlegs de Bob Dylan, que acaba de lançar uma caixa de sobras de gravação do “Time out of mind”. Nos apegamos a essas “raridades”, que na verdade são descartes, como fumantes inveterados reacendendo bitucas esquecidas em um cinzeiro. Apesar de Bob Dylan ainda lançar discos inéditos. Mas quem ainda tem paciência para esses discos novos?
Me pergunto se algum disco lançado em 2023 merecerá ter edições especiais comemorativas, daqui a 20 ou 50 anos, e acho que não. Depois das bandas do grunge, como Nirvana e Soundgarden, e do Radiohead (que lançou, em 2021, um video game em comemoração aos 20 anos de “Kid A” e “Amnesiac”), a mais recente banda que acho que vai receber um tratamento parecido é Tame Impala, cujo som é bem derivativo do Pink Floyd, pra começar a conversa. Mas nem se compara em inventividade e popularidade.
Talvez existam obras de arte contemporâneas relevantes, que não estejam no meu radar. A música não é mais tão relevante para os jovens quanto foi pra mim, da geração X. Talvez o “DSOTM” seja lembrado apenas porque foi referência para a geração dos baby boomers, a mais espaçosa de todos os tempos. Daqui a 40 anos pode haver a celebração da série “Black mirror”… Daqui a 50 anos, pode haver a celebração de uma dança do TikTok.
Ou podemos jogar fora toda a racionalização de tentar entender os motivos de seu sucesso e admitir que “DSOTM” é uma obra de arte gigante. Ela adquire novos significados enquanto amadurecemos, e inspira os expostos a ela a refletirem, e fazerem outras coisas. Talvez a melhor justificativa para o lançamento de uma edição especial seja a ideia de que ela possa chamar a atenção de mais gente a ouvir e extrair significado do disco. Que tenham seus horizontes expandidos e se inspirem a fazer sua própria arte.
De uma coisa tenho certeza: haverá uma edição especial comemorativa de 100 anos do “The dark side of the moon”. Enquanto eu perco tempo lamentando que faz 50 anos que ninguém lança um disco tão bom, eu poderia simplesmente ficar grato por ter vivido na mesma época em que essa obra de arte estava nas prateleiras do Bompreço. Porque essa arte verdadeiramente transcendente é muito rara. E mudou a minha vida.