Revista Arte Brasileira Literatura CRÔNICA: “Viado é um animal”, por Eduarda Lima
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CRÔNICA: “Viado é um animal”, por Eduarda Lima

 

Viado é um animal – por Eduarda Lima

 

            Há alguns dias, meu sobrinho mais novo chegou da escola falando uma palavra nova: viado. Ele é uma criança danada, que não suporta ser contrariada, então, dá pra imaginar que por um dia a família inteira foi xingada de viado ao menos uma vez. Perguntei a ele o que significava, ele disse que não sabia, mas que os colegas falavam. Ele e os colegas têm entre 5 e 6 anos apenas.

Há assuntos que têm estado em alta ultimamente, como racismo, machismo, homofobia. Para certos grupos de pessoas, só agora que esses problemas passaram a existir, é o famoso “mimimi” que acompanha nossa geração problemática. Porém, a questão aqui não é debater por quanto tempo existem essas questões, mas sim, a força delas. Estou falando especificamente da homofobia: pra quem ainda não percebeu ou escolhe não enxergar, ela mata. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo, é só dar um google e o número de sites dizendo isso vai te surpreender. 1 pessoa LGBT morta a cada 25 horas. Segundo o Relatório 2017 do GGB (Grupo Gay da Bahia), foram 445 mortos naquele ano, sendo 58 suicídios. As pessoas que cometeram suicídio, assim como as que sofreram homicídio, foram igualmente assassinadas pela sociedade e pela homofobia, e cada cidadão de bem tem sua parcela de culpa nessas mortes.

Sim, você não leu errado: todo mundo tem sua mão suja de sangue nesse país. Toda vez que você faz uma piada que degrine e rebaixa uma pessoa por sua orientação sexual ou identidade de gênero, você está perpetuando a homofobia. Toda vez que você ouve uma piada desse tipo e acha graça, você está perpetuando a homofobia. Toda vez que você ouve uma piada desse tipo e não ri, mas também não repreende a atitude de quem produziu a piada, você está ajudando a perpetuar a homofobia. Se você já riu de alguém do sexo masculino por ser “afeminado”, se você já chamou alguém do sexo feminino de “machorra” por ter um jeito tipicamente masculino, se você acha que uma pessoa transexual é uma aberração, se você já xingou seu filho por gostar de fazer tricô, ter colocado um brinco ou uma camiseta rosa, se você não tem nada contra, mas não acha “natural” e vai contra o que a bíblia diz: tenho uma notícia, você é cara desse Brasil assassino.

As pessoas, até mesmo as mais intolerantes, não nascem assim, intolerantes ou com uma predisposição à intolerância. A sociedade trata de torná-las assim: a família, a escola, as instituições religiosas. E essa doutrina começa logo cedo, inclusive, na pré escola, entre crianças de 5 e 6 anos. Meu sobrinho já sabe que chamar alguém de viado significa xingar, depreciar, porque convive com outras crianças que, naturalmente, vêm de famílias de cidadãos de bem que não têm nada contra, mas acham que chamar um menino de viado é normal. Mas agora o Miguel não chama mais ninguém de viado porque ele aprendeu que viado é um animal, e a gente não chama as pessoas de animais.

 

Eduarda Lima, 21 anos. Estudante de Letras na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Escreve crônicas, poemas e diários desde a infância.

 

 

 

 

 

 

 

 

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