Em Porto Alegre (RS), no dia 4 de dezembro de 1946, nascia aquele que daria o ar da graça ao hoje conhecido como Samba Rock, o cantor e compositor Bedeu, consagrado nome da música popular brasileira.
Autodidata, desde de muito novo, Bedeu já se apresentava como um excelente percussionista, e foi no bairro Cidade Baixa, local com poucas riquezas financeiras e reduto de diversos traços da africanidade, que suas influências musicais vieram.
Ainda jovem, se mudou para São Paulo e foi ali no Sudeste brasileiro que teve a oportunidade de ter suas canções gravadas por grandes nomes, como Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Dhema, Neguinho da Beija-flor e Originais do samba. Tais canções foram compostas com seus parceiros mais frequentes, Leleco Telles e Alexandre.
Porém, em 1975, ele retorna à sua cidade natal e constrói junto aos já citados anteriormente, Cy, Leco e Nêgo Luis, o sucesso da banda Pau Brasil. Com este grupo, foi possível a gravação de clássicos como “Grama Verde”, “Minha Preta”, “Nêga Olívia” e “Pau-Brasil”. Eles lançaram dois discos na carreira, sendo que utilizaram a mistura de dois gêneros musicais de origem negra: o samba e o rock. Com a explosão de audiência do grupo, o samba-rock (No Rio Grande do Sul, recebe o nome de suíngue), serviu de referência para vários artistas que aderiram a novidade.
No início dos anos 80, é o momento em que Bedeu decidi por seguir carreira solo. Em 1983, no álbum “África no fundo do quintal”, ele reúne suas composições mais famosas e soma novas faixas, como “Zimbábwe”. Em 1993, lança “Iluminado”, e em 1998, o seu último CD. Isso porque no final de julho de 1999, o compositor não resiste aos problemas de saúde agravado pela diabetes, e morre deixando um grande legado. O show realizado pela Prefeitura de Porto Alegre afim de arrecadar dinheiro para o seu tratamento não resolveu toda a situação, apesar do sucesso do evento. É interessante lembrar que, desde a morte de Bedeu, é realizado, anualmente, tributos ao músico.
Nós da Arte Brasileira, lamentamos o fato de Bedeu, apesar de ser um dos mestres da MPB, ser pouco reconhecido no país. É por essas e outras, que aqui estamos trazendo este assunto, em uma entrevista especial com Delma que teve suas poesias musicadas pelo artista gaúcho, foi seu parceiro de composição e, além disso, viveram uma grande e profunda amizade.
“[…] este senhor que completaria se vivo fosse seus 74 anos em 04/12/2020 e que foi denominado, pela revista Show Biss, dentro do Swing e Samba Rock do Sul: O Pioneiro!”
Matheus Luzi – Qual a maior contribuição de Bedeu para a música brasileira? E indo além, para o mundo?
Delma – Acredito que Bedeu contribuiu muito para a música popular brasileira, principalmente quando saiu de Porto Alegre sua terra natal e foi para São Paulo levando suas primeiras composições, logo foi convidado pela Banda Neno Exporta Som para gravar suas músicas autorais, gravando duas musicas num compacto simples em 71 “Deixa a Tristeza” (O Céu é Tão Bonito) (Bedeu & Delma) samba este que se tornou conhecido, por ser desclassificado num festival de musicas e que Luis Vagner retratou na letra de “Só que deram Zero Pro Bedeu” e a outra faixa “Ellen” parceria dele com Leleco Telles. Em 72 Bedeu entrega outra musica para o Franco (da banda Os Brasas) que foi gravada posteriormente pelo cantor Bebeto esta se tornou o carro chefe deste cantor “Menina Carolina” dali em diante Bedeu deu um passo significativo para mostrar a que veio. Em 1975 ele formou o grupo Pau Brasil gravando dois LPs que hoje em dia são Cult e muito procurado por colecionadores. Desde então Bedeu se tornou o Precursor do Swing e Samba Rock do Sul. Ele foi visto imitado por grandes artistas a exemplo de Menina Carolina que até hoje se ouve nos bailes, becos e bibocas, internet e pelo mundo afora tornando-se um clássico, assim como outras de seu repertório que continua sendo descoberto através de muitas releituras, por grupos de várias regiões brasileiras.
Matheus Luzi – Como você definiria o som de Bedeu? O que ele fazia de tão especial, no seu ponto de vista?
Delma – Defino a musica de Bedeu através da sonoridade rítmica inconfundível de suas composições de um balanço sincopado em que o swing predominava um ritmo próprio dele que se misturava a ritmos latinos, com pitadas caribenhas, mas predominando um balanço característico do samba gaúcho em comunhão com a vertente do carnaval e nas pegadas dos ritmos fronteiriços.
“Em 1975 ele formou o grupo Pau Brasil gravando dois LPs que hoje em dia são Cult e muito procurado por colecionadores.”
Matheus Luzi – Você acredita que Bedeu, apesar de sua importância, ainda não tem muito reconhecimento? Se sim, por quê?
Delma – Acredito que se ele não tivesse partido em 1999 hoje ele estaria muito mais visualizado e valorizado. Bedeu partiu no ano em que está sendo procurado por jornais, revistas, ele havia ganhado o Prêmio Açorianos pelo conjunto da Obra, produziu o CD do Produto Nacional, Nanci Araujo, entre outros, viajava seguidamente para São Paulo para gravar como convidado em selos famosos de coletâneas musicais e estava bem relacionado com grandes artistas que queriam gravar suas canções. Para nós seus parceiros musicais foi uma perda que até hoje sentimos, porque Bedeu se tornou como um membro de nossa família e do movimento musical da música preta do Sul de uma era de ouro, no qual nós seus amigos e fãs seguidores estão aí tentando preservar a memória deste nosso grande líder.
Matheus Luzi – Qual sua relação pessoal e profissional com Bedeu?
Delma – Eu fui uma das primeiras parceiras de músicas de Bedeu. Quando o conheci ele tocava na banda The Rockins e fazia composições com Leleco Telles. O Leleco Telles me conheceu desfilando no Bloco Garotos da Orgia, na av. Borges de Medeiros, eu tinha uns 13 anos. Depois daquele desfile, nós não nos vimos mais, passou um ano aí eu fui numa festa onde a banda deles estava tocando. E foi assim que nos revemos eu e Leleco Telles então começamos a namorar e no meu aniversário o Leleco levou o Bedeu em minha casa ele queria me conhecer pois Leleco havia dito que estava namorando uma menina que escrevia poesias. Desde esse dia ficamos amigos. Bedeu casou com a minha melhor amiga e sou madrinha da primeira filha de Bedeu. Meu relacionamento com Leleco terminou e nos tornamos somente amigos. No entanto a minha amizade com Bedeu se fortaleceu pela parceira musical de uma forma que se tornou como se fossemos irmãos de alma.
“Acredito que se ele não tivesse partido em 1999 hoje ele estaria muito mais visualizado e valorizado.”
Matheus Luzi – Em músicas dos anos 2000 em diante, você enxerga influências do som de Bedeu? Se sim, quais?
Delma – Não tenho dúvidas são muitas bandas que vieram nas pegadas de Bedeu e da banda Pau Brasil, pois não dá para desassociar Bedeu dessa banda que para mim revolucionou essa época aqui em Porto Alegre com o Swing sincopado genuinamente gaúcho, assim como foi o sambalanço de Ben Jor no Rio de janeiro e o Samba Rock que Bebeto iniciou em São Paulo, são detalhes de ritmos que se cruzam numa perspectiva predominante na forma de dançar de cada região a se harmonizarem entre si, mas creio que samba sulista tem uma cadencia mais rápida diferenciada, mas que define bem a época que esses movimentos iniciaram praticamente simultaneamente fazendo historia na música popular brasileira. Logo a herança do ritmo de Bedeu, dá para se perceber através das músicas de vários cantores e bandas como: Bebeto, Seu Jorge, Clube do Balanço, Paula Lima, Fernanda Abreu, Sambasonic entre outros que bebem da fonte do Swing de Bedeu.
Matheus Luzi – Entre as composições dele, quais você dá mais ênfase?
Delma – São tantas que amo, eu fiz uma poesia para ele “Riso Solto” dando uma puxada de orelha falando sobre a vida louca que ele estava levando e ele a transformou em um swing gostoso de dançar. Mas tenho um carinho por “Sorriso lindo” essa foi outra letra direcionada a Bedeu, mas que levava um incentivo para voltar a fazer musica numa fase em que ele ficou muito doente e estava super desanimado. Essa letra lhe levantou o astral e o ajudou muito em sua recuperação.
“[…] a herança do ritmo de Bedeu, dá para se perceber através das músicas de vários cantores e bandas como: Bebeto, Seu Jorge, Clube do Balanço, Paula Lima, Fernanda Abreu, Sambasonic entre outros que bebem da fonte do Swing de Bedeu.”
Matheus Luzi – Você tem alguma(s) história(s) ou curiosidade(s) para nos contar referente a esse assunto?
Delma – Tenho sobre um Blues que fizemos em praticamente vinte minutos. Ele chegou a minha casa 11 horas da manhã para fazermos algumas musicas e entrou se queixando dos vícios diurnos (ter que se levantar de manhã para compor) aí eu disse: “Bah Bedeu tu gosta mesmo é de vícios noturnos”. Imediatamente ele soltou uns acordes de um blues, enquanto ele tocava, eu peguei meu caderno e escrevi a letra e em seguida ele leu o que escrevi e conclui a música em frações de segundos. “Vícios Noturnos” foi gravada em 2016 na voz de Marietti Fialho num CD duplo com 28 Musicas que fiz em parceria com Bedeu.
Matheus Luzi – Agora deixo você a vontade para falar o que quiser.
Delma – Quero apenas agradecer pela oportunidade de falar sobre Bedeu e contar um pouco de momentos tão gratificantes que passamos juntos numa época simples que vivemos, onde regamos e plantamos sementes. Uma lástima a partida dele na chegada do novo milênio, haviam tantas promessas e esperanças de fazermos vários projetos. Sinto muito que naquela época não tínhamos a facilidade de tudo que temos hoje em termos de comunicação espontânea e que seria muito bom se ele tivesse vivido isso de agora ele me enviando melodias pelo whassap, eu enviando letras para ele. Bedeu se comunicando com amigos famosos do eixo Rio /São Paulo produzindo a mil, pois ele tinha muita facilidade para fazer melodias e letras, elas brotavam com muita facilidade em sua mente. Pra mim, Bedeu sempre esteve à frente de seu tempo, é sou ouvir as músicas próprias dele e junto de seus parceiros, tão atuais, sei que se vocês ouvirem vão me dar razão. Pesquisem e curtam a obra de Bedeu, nas plataformas digitais, pois ele merece ser ouvido e visto. Ele que foi dentro da cultura radiofônica de nossa região, um autodidata visionário e que chegou primeiro abrindo caminhos dentro da cultura negra com seu swing nato, este senhor que completaria se vivo fosse seus 74 anos em 04/12/2020 e que foi denominado, pela revista Show Biss, dentro do Swing e Samba Rock do Sul: O Pioneiro!