Vou começar essa matéria citando uma história/curiosidade que o Daniel Friend, guitarrista da banda nos contou.
— O jornalista checo, Daniel Sywala, tem um projeto de trabalho voluntário bacana na República Checa, e ele usa a música Candy Coated Nightmare para um estudo que ele chama “Sessões de Músicas para Pessoas Cegas e com deficiências visuais”, onde ele escolha um playlist e submete a música para um grupo de ouvintes. Eles dão pontuação para as músicas. A nossa ficou muito bem colocada. (2º lugar). — comentou Daniel.
Veja agora uma entrevista especial que fizemos com o pessoal da banda Os Gringos:
Primeira curiosidade: como aconteceu esse encontro entre os quatro norte-americanos e Guilherme Paiva?
[ DANIEL ] : Dos integrantes estrangeiros da banda, eu vim primeiro em 2009. Eu estava aqui, dando aula de inglês e fazendo mestrado em engenharia de produção. O João e o Jimmy se conheceram nos Los Angeles, Califórnia, nos meados de 2007, trabalhando juntos num Starbucks. O João foi para tentar uma vida como roteirista (é filósofo de formação da Universidade de Cornell e um escritor fantástico). O Jimmy, para arriscar na vida musical (Jimmy estudou na Berklee School of Music em Boston). Por coincidência, os dois têm pais brasileiros, e no meio da crise em 2012, os dois resolveram tirar o passaporte brasileiro e vir ao Brasil para dar aula de inglês na mesma escola onde eu já estava.
Eu morava ao lado da escola de inglês numa ‘meia-água’, com quintal grande, e nós ficávamos bebendo cachaça e trocando histórias sobre a vida, nossas viagens pelo mundo e pela vida. O Jimmy sempre levava violão, e o João improvisava letras enquanto Jimmy tocava. Me encantei pela energia entre os dois, e pedi para fazer aulas de violão com o Jimmy. (Naquela época, não tocava violão). As composições vinham, mas tudo começou como brincadeira.
Com isto, fomos convidados a apresentar nosso trabalho num show de talentos na faculdade federal de Itajubá em 2012, onde acabamos ganhando com a apresentação de duas músicas que acabaram fazendo parte de nosso primeiro álbum. Isso deu um gás para a gente continuar trabalhando. Eu continuei estudando com Jimmy e outro professor de violão. João, compondo. Os primeiros shows apareciam em barzinhos aqui na região.
Percebemos a necessidade por percussão em 2013, e logo mais encontrei com o Guilherme, o único brasileiro na turma, numa esquina onde nos esbarramos. Eu, indo para aula de violão com o Jimmy, ele rumo a um estúdio musical da cidade. Conhecia o Guilherme desde 2009, pois temos amigos em comum, mas desta vez estava com guitarra nas costas. A conversa vai, e descubro que a paixão dele é bateria. Demos um convite para ele, e descobrimos que, por coincidência, mora no mesmo beco do Jimmy e João.
Shows e composições continuam, mas ainda não encontramos o baixista que precisamos. De repente, o João, que era o coordenador pedagógica da escola de inglês, faz entrevista com um tal de Justin Hansen em Julho de 2014. Ele quer vir ao Brasil para dar aula de inglês e estava morando na Indonésia, servindo no Corpo de Paz. Por coincidência, ele toca baixo, entre outros instrumentos.
Percebeu que tem muita “por coincidência” nesta história? Isso nos leva a pensar que não tem nada de coincidência.
Certamente houve um choque cultural entre vocês. Comente.
[ JUSTIN ] : Na verdade, não senti muito choque cultural, pois eu morava na Indonésia antes de vir para o Brasil. Cultura bem diferente. Mas sempre tem aqueles detalhes pequenos ao longo do dia… Diria que a ideia do tempo e ser pontual aqui é uma diferença grande que sinto que pode ser boa e ruim ao mesmo tempo. É legal quando todo mundo chega na mesma hora, na hora combinada, mas tem vezes que fica legal ser mais ‘relaxado’ quanto ao horário, pois estar sempre apressado para chegar pode gerar um estresse.
Comunicação é outra coisa que me impressionou aqui com o uso da língua portuguêsa, pois a língua pode ser bem mais direta do que inglês. Por exemplo, em português, quando pede alguma coisa, usa o imperitivo do verbo “Me dá [ tal coisa ]”. Em inglês, nós temos uma tendência de fazer uma pergunta indireta, “Você pode me passar/dar [tal coisa]?” Porém, em inglês, nós temos uma tendência de ser mais diretos quando queremos falar que alguém precisa melhorar em alguma coisa, sem tanta preocupação pelas emoções da pessoa que vai receber a crítica.
[GUILHERME ] : Acredito que além de um choque natural de culturas, houve um encontro de afinidades musicais e artísticas. Apesar de sermos de países diferentes, descobrimos através desse encontro que similaridades são possíveis pelo veículo da universalidade do rock.
Com passar dos dias e dos anos essa afinidade descrita se tornou uma amizade forte e uma empresa com diretrizes claras e objetivos bem traçados.
[ DANIEL ] : Na verdade, senti bem pouco. Eu, João e Justin todos moramos fora dos EUA antes de vir para cá (eu, no Chile; João,Itália e Porto Rico, e Justin, Chile e Indonésia).
O Jimmy não morou fora, mas já veio para cá com muito conhecimento da cultura brasileira. O pai do Jimmy, apesar de ser estadunidense, filho de pais dos EUA, nasceu em São Paulo nos anos 1950, quando o avô do Jimmy trabalhava no CityBank. Morou aqui até os 12 anos, e passou este contato de cultura para o Jimmy, quem cresceu comendo comida brasileira em casa, em Ohio, EUA, e sempre escutando sobre a cultura e música brasileira.
Lembrando que o pai do João tambem é brasileiro, e morou no Brasil quando era criança. Tem familia em Barra Mansa, RJ.
Quando a banda formou, já estava aqui quatro anos, casado com minha esposa, que é brasileira. Foi bastante tempo para eu me adaptar bem.
Tal vez o Justin, o último a chegar aqui no Brasil em 2014, teria mais a dizer a respeito, mas ele falou que, depois da Indonésia, que é uma cultura bem diferente do que da vida ocidental… e após do seu tempo no Chile, o Brasil não apresenta muita diferença.
Acho que estas experiências prévias e contatos familiares nos deram uma predisposição a adaptar à vida aqui no Brasil. Ou nós brotamos raízes aqui (no meu caso, caso do Justin), ou voltamos às raízes (no caso do Jimmy e João).
Além disto, o Guilherme é um cara tranquilo, e ele nos ajuda a entender coisas da cultura brasileira e a língua portuguesa que ainda não entendemos. De certa forma, é quase como se fosse nosso interlocutor.
A única coisa que consigo lembrar, é quando o Gui percebeu que todos nós levamos muito a sério o que fazemos com a banda, e queremos fazer isso extremamente bem, sempre. Ficamos até obcecados, podemos focar até demais. Chamou isso de coisa de gringo. Acho que ele assustou com o jeito que nós trabalhamos no primeiro instante. (risada)
https://www.youtube.com/watch?v=DZPoeTgRRPo&feature=youtu.be
Nesse sentido, quais foram suas influências? Vocês fazem e gostam do rock dos anos 60 e 70.
[ GUILHERME ] : No meu caso a influência é diretamente atrelada ao rock dos anos 60 e 70. Escuto diariamente e religiosamente minha carga de influência sessentista e setentista.
Essa com certeza é uma das maiores ligações que nos cercam. Sou um roqueiro clássico que encontrou em outros quatro caras a possibilidade de criar e apreciar as possibilidades musicais que surgem. Amo o que faço e agradeço ao universo pela oportunidade que me foi oferecida.
[ Daniel ] : De modo geral, nós somos todos eclécticos em termos de gosto. O Justin e o Jimmy são grandes fãs de música classica, e até compõem em partitura. Justin escuta muita música flamenca. João gosta muito de música de hip-hop. Eu, blues e rock clássico, mas escuto de tudo. O Gui, por incrível que parece, é o rockeiro mais puro da turma, fielmente escutando os clássicos.
Mas todos nós gostamos de rock clássico e a vibe do psicodélico. The Doors, Led Zeppelin, Cream, Jimi Hendrix. De nomes mais recentes, Blue Pills, Rival Sons, Vintage Trouble. Acredito que o rock é um meio rico e flexível, pois pode absorver influências de outros estilos. Veja algumas composições nossas, The Space I Occupy, que tem uma pegada de hip-hop com letras viajantes; One More, uma composição com toques de flamenco; Brazilian English (primeiro álbum), com uma levada que lembra samba.
Diria que todos nós resistimos a ideia de enquadrar num estilo só.
Raramente, as bandas gravam disco em estúdios caseiros. Como foi essa experiência?
[ DANIEL ] : Existem vantagens e desvantagens de gravar em casa, mas primeiramente é importante ressaltar que o Jimmy possui experiência extensa e única em estúdios profissionais, com músicos profissionais. Além de ter estudado na aclamada faculdade Berklee School of Music, em Boston, ele passou mais de quatro anos trabalhando com música em Los Angeles. Os outros quatro da banda (eu inclusive), devemos muito ao Jimmy em termos de produção músical. Ele possui um poço de dicas com nossos arranjos, e um ouvido e uma intuição musical super-naturais. O chamo de nosso engenheiro, pois ele de certa forma nos ajuda a criar nosso produto, mas realmente ele acaba exercendo um papel de produtor musical dentro do estúdio. Devo ressaltar, com merecimento, que o Justin, baixista, ajudou muito no segundo álbum, e é muito competente para conduzir gravações e fazer mixagem.
Quanto às vantagens:
- Tempo no ‘estúdio’ é ‘ilimitado’ – ou melhor dito, não há um custo direto pelo tempo gasto na gravação. Se eu quiser fazer 88 tomadas de um solo de guitarra, eu posso fazer. É cansativo, mas pelo menos nós temos esta opção.
- Criatividade ilimitada – melhor dito, nós fazemos o álbum de nosso jeito. Temos autonomia. Não existe um produtor além de nosso círculo. Podemos experimentar (veja “Tempo Ilimitado”).
- A satisfação de saber que produzimos tudo sozinhos, desde a composição até a masterização (primeiro álbum) e até a mixagem (The Animal Kingdom). Contratamos o Ariel Henrique para fazer a masterização de nosso segundo disco.
Quanto às desvantagens:
- Conhecimento técnico alto é requisito: Por mais que existe a conversa que a difusão de tecnologia proporcionou um ‘boom’ em produção músical caseira, ainda exige um nível de conhecimento musical e técnico para poder usar as ferramentas ao seu potencial máximo. (Veja comentários sobre o Jimmy).
- Captação de som: Estúdio profissional tem acústico adequado. Ponto. Sem investimento mais alto, é extremamente difícil chegar na qualidade sonóra de um estúdio profissional.
- Desvio de atenção da música para produção – ou seja, além de ter que se preocupar com a música e tocar na gravação, você tem que se preocupar com todos os outros pontos.
The Animal Kingdom é nosso segundo disco ‘caseiro’. Nós sentimos melhoria do primeiro para o segundo álbum, mas ainda pensamos seriamente em fazer o terceiro álbum (que está quase pronto em termos de composição), com um produtor, num estúdio profissional para acrescentar isso ao nosso currículo. (Tambem temos que dar um descanso para o Jimmy e o Justin, que trabalharam muito nesse último disco).
Por que vocês consideram esse álbum como um dos mais criativos e únicos de 2017?
[ Daniel ] : Na verdade, essas palavras não são as nossas, mas sim da resenha do Pete Francis, Editor-In-Chief (Redator Geral) do site estadunidense especializado no estilo blues-rock, Blues Rock Review. Pode verificar aqui: http://bluesrockreview.com/2017/08/the-gringos-the-animal-kingdom-review.html
Nem mandamos release para eles, nem sabíamos desse site. Eles nos descobriram quando lançamos o clipe de Candy Coated Nightmare, e acabaram virando uma grande ferramenta para alavancar o álbum fora do país. É muito gratificante quando um elogio vem, sem pedir, e com tanta força e impacto. E é óbvio, nós tentamos usufruir desta avaliação de nosso trabalho para atrair pessoas novas a escutarem nossa música.
Dito tudo isso, nós acreditamos muito na criatividade do disco, principalmente por causa da história única por trás do disco: O Reino Animal, como metáfora para descrever nossas transformações como pessoas e artistas entre o primeiro e segundo disco… de entender que, para chegarmos onde queremos chegar, nós precisamos abraçar nossas essências, nossos animais interiores. A competição, a luta por sobrevivência num meio hóstil, a busca por abrigo e parceria, o conflito em si, canalizamos estes sentimentos de forma abstrato num conceito muito honesto e autêntica. E autenticidade é a coisa mais importante para um artista, pois constrói a ponte até o público, faz com que possamos tocá-lo de verdade e de maneira profunda.
Vocês também acreditam que isso não se dá só no Brasil, mas também no exterior…
[ DANIEL ] : Nós cinco passamos muito tempo conversando sobre a filosofia e a história da banda, e a conclusão principal quase sempre é de que nosso projeto é internacional por natureza de nossas origens. Imagina só: quatro nativos dos EUA que não se conheciam antes e chegaram em anos diferentes, juntando com um brasileiro nato que morava aqui (em Itajubá) desde sempre, numa cidade do interior de Minas Gerais, Brasil, e montando uma banda com tanta sinergia criativa. Acreditamos que isso tem apelo internacional. Vivemos num mundo globalizado, onde as barreiras entre culturas e nações ficam cada vez menos influentes, e todos nós, querendo ou não, acabamos virando cidadões do mundo. Rock é nosso veículo de propagar a teoria do Jimi Hendrix: Estamos todos na terceira rocha do Sol.
E a coisa mais bonita? O Brasil que proporcionou tudo isso que estamos vivendo hoje.
“A qualidade do rock não tem limites geográficos.”, achei incrível essa frase. Comente.
[ Daniel ] : Esta frase é traduzida da língua checa. Conseguimos uma resenha muito positiva da revista checa Rock&All (quatro de cinco estrelas), feito pelo jornalista checo Daniel Sywala. Deixa-me contar a história.
Eu entrei em contato com ele quando seguiu nosso perfil de Instagram (www.instagram.com/osgringosbanda) , pois o nome da conta dele é “RocknRollJournalist”. Como eu cuido da parte de marketing da banda, isso despertou minha curiosidade. Já fiquei interessado em saber sobre uma possível cobertura do álbum, e como estávamos em fase final de masterização do álbum, eu mandei uma mensagem e logo depois, nosso material para ele escutar antes do lançamento. Ele adorou o álbum, mas enfrentou dificuldades de colocar na pauta da revista, por sermos uma banda nova, e não-checa. A revista serve mais o mercado checo e grande atos internacionais (Alice Cooper estava na capa de nossa edição).
Mas o jornalista Sywala usou um argumento para convencer o redator geral a colocar a resenha de nosso álbum no Rock&All que foi até poético: O trabalho de uma revista de rock é divulgar música boa, mesmo que seja de uma banda nova, ainda pouca conhecida, no outro lado do planeta. É uma responsabilidade jornalistica. Música boa merece ser divulgada.
Isso reflete muito o slogan da banda, ´Todo mundo é Gringo, em algum outro lugar.’ (Everyone’s a Gringo, somewhere else, em inglês.)
O redator comprou a ideia, e conseguimos nossa primeira resenha na República Checa.
https://rocknrolljournalist.com/2017/08/the-gringos-the-animal-kingdom-album-review.html A versão traduzida fica nesse blog, que é do Dan Sywala.
A capa e o encarte do disco traz cada integrante como um animal. Como surgiu essa ideia?
[ JOÃO ] : O tema destas músicas, que úne todas, expõe uma luta, ou uma dificuldade, de equilibrar O Reino Animal e Espiritual na vida real. A medida que nós íamos amadurecendo a ideia, percebemos que o avanço e o progresso no mundo real (onde nós trabalhamos, pagamos contas, ralamos no dia-dia), em muitos casos, são relacionados com comportamentos do Reino Animal: A luta, a competição, a busca por parceria e abrigo.
O álbum O Reino Animal retrata nossa jornada e evolução, como artistas e pessoas, e nossa luta por manter o equilibrio entre nosso lado Animal e nosso lado Espiritual. Tudo isso enquanto buscando nosso desejo de viver de nossa arte.
Quanto aos animais em si, nós estudamos ritos místicos e misticismo. Muitas culturas falam sobre animais de poder. A maneira certa de fazer isso seria através de meditações, guiadas por um xamã, e provavelmente através do uso de halucinóginos. Nós optamos por uma versão mais leve disto, onde nós refletimos sobre nossas personalidades e escolhemos os animais que mais nós representam, respeitando a simbologia da cultura indígina e céltica sobre os animais.
Gostariam de falar algo que eu não perguntei?
[ DANIEL ] : Apenas para completar a ideia da pergunta acima, vou oferecer uma interpretação do “porquê” de cada membro da banda, quanto ao animal que escolheu:
Lobo: João – Instinto, Inteligência, Apetite por Liberdade, Importância de Conexões Sociais – João é um cara que quer viver a vida ao máximo, e segue o instinto dele fortemente. Difícil de domesticar, vira uma fera no palco. Lobos andam em matilhas, e João valoriza muito o restante da banda e o público e a conexão que eles possui entre eles.
Carneiro: Daniel – Iniciativa, Ímpeto, determinação, liderança, atividade. Daniel cuida da banda em termos de agenda, marketing, parcerias e está sempre em atividade.
Coruja: Jimmy – Sabedoria, Conhecimento Intuitivo, Visão daquilo que é Escondido. Jimmy é nosso visionário musical, e tem uma intuição impressionante no estúdio, no palco, e nos problemas que a banda enfrenta, sempre tem uma ideia ‘fora da caixa’.
Corvo: Guilherme – Introspecção, Coragem, Cura, Ocultismo – Guilherme é, em muitos casos, nosso barômetro emocional, e consegue analisar situações e pesquisar sobre assuntos. Além disto, possui um interesse aguçado em ocultismo.
Elefante: Justin – Compromisso, Estabilidade, Paciência, Gentileza – Justin é a nossa base, fundação emocional. Calmo, estável, sempre podemos contar com a esforço e determinação dele.