Formado em 2007 por músicos brasileiros, o Grupo Palimpsesto vai além. Neste ano, interpretam a marcante e intensa obra chilena, “Catata de Santa Maria de Iquique”, importante peça da Nova Canção Chilena. O resultado e a emoção poderá ser conferida no próximo dia 7 sábado, às 21h30, no Teatro da UMC, na Vila Leopoldina, em São Paulo.
Elementos do folclore chileno, a música erudita e a poesia moderna compõem este espetáculo que é estruturado em 18 partes. Cinco dessas são relatos declamadas sem música. Um prelúdio, três interlúdios sem letra, dois pregões e sete canções, completam o show.
A responsabilidade em interpretar a obra é grande. Só para se ter uma pequena noção, em 2008, a Revista Rolling Stones listou a “Catata de Santa Maria de Iquique” entre os quatro melhores discos chilenos de todos os tempos.
A IMPORTÂNCIA DA OBRA
A “Cantata de Santa María de Iquique” ganhou vida nas mãos do compositor Luís Advis Vitaglich (1935-2004) em 1969. Porém, apenas no próximo ano que a obra chegou ao grande público chileno oficialmente, durante o Segundo Festival de La Nueva Canción Chilena, com a interpretação do grupo Quilapayún, o mesmo que gravaria-a em seu sétimo disco.
O épico narra o massacre na Escuela Domingo Santa María de Iquique em 1907. Situada no litoral Norte do Chile, Iquique é uma cidade onde, em 1907, o exército abriu fogo sobre uma manifestação de cerca de 8.500 mineiros que realizavam um protesto por jornadas mais flexíveis e por condições de trabalho dignas. Cerca de 3.600 trabalhadores foram mortos quando se concentravam na Escuela Domingo Santa María – de onde surgiu o nome da obra.
Respostas de Cid Battiato (Voz, quena e direção musical)
Em síntese, para você, o que é o disco originalmente? O que ele representa?
Musicalmente um divisor de águas, pois a partir dele a música popular chilena ganhou elementos novos que a engrandeceram e a tornaram única no cenário musical latino-americano. Trata-se de uma das obras geminais da Nova Canção Chilena.
E essa apresentação do grupo, o que acrescenta de novo à obra como um todo?
Creio que cada interpretação tem sua identidade… nós teremos, além da narração em português, o trabalho em vídeo de uma artista plástica, a Fernanda Rodante, que ajuda a elucidar ainda o contexto dos fatos. Mostrar ao público brasileiro algo que foi escrito há 50 anos, com montagem inédita por aqui, abre novas perspectivas pra música latino-americana feita no Brasil.
Artisticamente, quais são as relações que vocês fazem entre o Brasil e o Chile?
O Grupo Palimpsesto sempre se preocupou em dialogar musicalmente com toda a américa latina. Nesse sentido, tem com a música Chilena forte interlocução, visto que o período da Nova Canção Chilena despertou entre os compositores chilenos o interesse por sonoridades andinas que atravessam contextos nacionais. Em nosso grupo sempre estão presentes os instrumentos tradicionais, como as quenas, as zampoñas, o charango entre outros. O diálogo com a música brasileira é sempre muito frutífero. Em nosso repertório, por exemplo, fazemos uma versão inusitada de “Casamiento de Negros”, de “Violeta Parra”, no ritmo de baião. Embora inusitada, o resultado é muito harmonioso. Outros artistas da música brasileira já fizeram bem esse diálogo, como o próprio Milton Nascimento. Gostaríamos que essa conversa fosse muito mais ampla, mais influente do que é. A mídia brasileira em geral investe na alegria a qualquer preço e não se abre tanto à arte latino-americana que, no geral, tem como motivo causas populares, personagens históricos de resistência, e eventos históricos, como o massacre da Escuela Domingos Santa Maria, em Iquique, que motivo a Cantata que apresentaremos no dia 7 de dezembro.
Quais são as expectativas de vocês? Já imaginam as reações do público?
O fato do cinquentenário da obra nos deixa com certa interrogação no quesito expectativa, mas estamos realmente muito entusiasmados… o público chileno certamente se sentirá tocado, afinal é uma obra que retrata uma tragédia vivida por eles e muitos nunca assistiram esse show, nem no Chile. Mas a música tem o poder de transcender seus contextos e atingir cada um de forma diferente, portanto a dramaticidade e tristeza intrínsecos na obra, certamente atingirão a todos. Confesso que ficamos emocionados em muitos ensaios.
E por falar em público, quais são os fatores culturais que podem interessar os brasileiros (e os que estão no Brasil) a presenciarem o show?
A relevância da obra, o interesse pelos timbres dos instrumentos andinos, a relação próxima entre a tragédia contada na cantata e as que vivemos aqui no passado. A obra desperta traz à tona questões que são muito atuais de uma forma muito sensível. Será um espetáculo com múltiplos suportes como o musical e o visual.
Sobre os shows que já apresentaram pelo Brasil e pela Itália há alguma(s) história(s) ou curiosidade(s) para nos contar?
Em 2015 fizemos diversas apresentações pelos CEUs na periferia de São Paulo e, ao saber que o público seria predominantemente composto por adolescentes, nos preparamos para uma provável animosidade de um público que, via de regra, se deleita em shows com linguagens musicais e timbrísticas absolutamente antagônicas às que usamos. Pra nossa grata surpresa, foram dos mais animados e atentos que já nos receberam…
Na Itália, numa das apresentações, a aparente circunspecção européia do simpático e seleto público milanês veio abaixo quando lhes surpreendemos com uma homenagem ao grande compositor italiano Ennio Morricone, interpretando um de seus temas com arranjos próprios e instrumentação andina, o tema de Cinema Paradiso.
Sintam-se a vontade para falarem algo que eu não perguntei e que gostariam de ter dito.
Agradecemos pela oportunidade de falar sobre esta bela obra e sobre nosso trabalho em geral. Esperamos que todos possam comparecer ao espetáculo e que saiam de lá tocados pela música e pela história que a Canta narra.