Eleutério andava desconfiado da mulher. Ultimamente a Cinara andava de cochichos no telefone e isso e deixava com uma pulga atrás da orelha. Vira e mexe, a esposa era apanhada nesses telefonemas, ele perguntava quem era e ela desconversava, dizendo ser uma amiga. Mas por que diabos ela precisava cochichar com uma amiga? Por que ela sempre desligava rápido quando ele aparecia?
Só existia uma explicação: Cinara o estava passando pra trás. Cinara tinha um amante.
Naquela manhã Eleutério iria mais cedo pro trabalho e retornaria bem mais tarde que o de costume, devido a um acúmulo de serviço no escritório. Cinara amanheceu toda contentinha, dizendo que aquele era um dia muito especial. Mas como dia especial, se não era data comemorativa e ele ia passar o dia todo no escritório, atolado na papelada da contabilidade? Não, sabia perfeitamente o que tornaria aquela quinta-feira especial para a esposa: o amante viria tão logo ele virasse as costas e a safadeza duraria o dia todo. Mas Eleutério não era bobo e acabaria com a farra adúltera.
Entrou no carro pensando no que seu velho pai faria em situação semelhante. O velho gaúcho não perdoaria. Resolveu que voltaria da metade do caminho e daria cabo dos dois com o trinta e oito que trazia na valise. Depois tomaria o primeiro avião e fugiria pra casa do pai, nas margens do rio Uruguai, dando um jeito de atravessar a fronteira.
Deixou o carro estacionado na esquina e voltou caminhando. Fez a volta na casa, silenciosamente e parou diante da janela do quarto. Ouviu uma risada de homem que se misturava à de Cinara. Os dois sem-vergonhas estavam na cama, rindo da cara dele.
Tocou o revólver na cintura e ficou alguns minutos calculando a vingança. Entrou na casa e encontrou Cinara na sala. Quando o viu, ficou claramente nervosa e veio abraçá-lo, cheia de dengos e falando alto, na certa pra alertar o amante. Eleutério viu quando um vulto passou rápido diante da porta da cozinha.
– Eu sabia! – gritou Eleutério.
– Do que você está falando, querido? – perguntou Cinara, sorrindo sem jeito.
Eleutério entrou na cozinha e sacou o revólver.
– O que é isso? – apavorou-se Cinara.
Armário da despensa? Lugar estranho pra um amante se esconder. Em geral os amantes preferem os guarda-roupas ou, mais espertos, pulam pela janela. Apontou o revólver e atirou uma, duas, três, quatro vezes. Cinara gritava desesperada.
– Peguei esse safado! – gritou Eleutério, de honra a salvo.
Abriu a porta e viu o corpo do pai caído no chão, a cara atolada naquilo que tinha sido um belíssimo bolo de aniversário. Cinara gritava desesperada. A mãe dele saiu detrás da cortina da sala e desmaiou.
Seus pais tinham chegado do Rio Grande naquela manhã, depois de telefonarem várias vezes à nora, combinando a festa surpresa. O pessoal do escritório tinha se encarregado de segurar o aniversariante até que tudo estivesse pronto.
Escrito por Gil Silva Freires em 22/12/1994