Alika, não sabia o que dizer, nem o que fazer, paralisada ela passou a prestar atenção, na figura abissal, que emanava poder, na frente a uma distância segura dela. Luen era uma figura distante e misteriosa, até então, sempre envolta nas altas esferas do poder sócio, político e econômico. Se de um lado, a primeira secretária, da câmara alta, trabalhava com a porta aberta, sozinha e em completo silêncio, do outro, por questões óbvias, fechava a porta, quando recebia, figuras proeminentes e importantes, famosas e anônimas. Não raro com seguranças no lado de fora. Alika, raramente ouvia a voz, da superiora e quando ouvia era em línguas estrangeiras, quando estava ao telefone ou em vídeos chamadas.
— Alika, passe a agenda do dia! — Falou impávida a primeira secretária da câmara alta.
— Senhora? Eu? — Respondeu a segunda recepcionista do gabinete do secretariado da câmara alta.
— Estás vendo mais alguém por aqui? — Disse Luen, olhando com os olhos castanhos e rasgados. Luen em marchar foi até a mesa de Evelyn, ela pegou uma agenda encadernada de couro, se voltou para Alika e jogou a agenda, ela pegou o objeto no ar com mestria — Vamos trabalhar, é vida que segue anjo negro — Sentenciou Luen bem alto, com se tentasse se convencer.
Luen se virou e partiu para o gabinete do primeiro secretariado, a porta se abriu automaticamente e não se fechou, levou alguns segundos até Alika se recompor, se levantar e praticamente correr atrás da chefe. Alika, estava entusiasmada, pois nunca tinha entrado no gabinete da primeira secretária antes, pois a função de passar a agenda do dia para Luen, era de Evelyn. Geralmente, era agende pública, eventos e entregas de outorgas, títulos honoríficos e questões burocráticas afins. Luen recebia a agente do dia, via mensagens eletrônicas, geralmente despachos menores que ficavam para Evelyn repassar assim que chegasse no gabinete. As questões mais reservadas, ficava ao encargo do chefe de gabinete do primeiro secretariado. Mas, por questões protocolares, a agenda do dia, deveria ser repassada oralmente por assessores para o ocupante do primeiro secretariado da câmara alta. Que apesar do nome pomposo, primeiro secretariado da câmara alta, tem a função de relações públicas e o dia a dia da pequena burocracia da câmara alta, do que questões administrativas e políticas mais elevadas.
Ao adentrar no gabinete do primeiro secretariado, Alika viu Yuri, o chefe de gabinete de Luen, ele estava ao lado da mesa de Luen, ele bem alinhado com o seu terno azul escuro feito sobre medida, gravata vermelha, sapatos lustrosos e com um tablet na mão. Luen sentada, ouvia o chefe de gabinete, repassar a agenda do dia para Luen, eram assuntos relevantes vindos da câmara baixa e da presidência da república e de diversas embaixadas e variados consulados. Yuri olhou para Alika, com seus olhos verdes frios, ele não transparecendo qualquer incômodo ao notar a presença do corpo estranho, quebrando os muitos protocolos da câmara alta.
— Camarada Yuri, te apresento a minha nova primeira secretária, olha só, a primeira secretária da primeira da primeira secretária! — Falou Luen, enquanto lia e assinava os despachos.
— Acordou de bom humor hoje camarada Luen? — Disse gélido, o chefe de gabinete.
— Ataque soviético, camarada, ataque soviético! — Respondeu Luen, em russo, sem parar de trabalhar! E depois de alguns minutos Luen prosseguiu — Só? Algo fora da agenda Viktor, o que temos para hoje?
— Viktor? Estás mesmo de bom humor camarada primeira secretária, tem sim, quando a camarada Luen, irá devolver os livros da minha amada mãe? — Respondeu Yuri, também em russo e com bom humor atípico para um descendente dos Montes Urais.
— Não fazem mais camaradas comunistas, como antigamente, quando Valentina devolver as matrioskas, que dei para ela, eu devolverei os livros que ela me presenteou. — Falou Luen em russo.
Ambos riram alto, Yuri levou a mão até a mesa de Luen, pegou os papéis assinados e partiu, andou em direção a gabinete anexo ao de Luen, estava abrindo a porta, quando voltou e disse em russo: — Quando partires sentirei saudades minha boa amiga. — Passou pela porta e foi tragado pela escuridão.
— A primeira secretária fala russo? — Perguntou Alika e se arrependendo depois.
— A agenda? O que temos para hoje? — Perguntou a primeira secretária mecanicamente.
Alika abriu a agenda e passou a agenda pública, da primeira secretária e da câmara alta, afastamentos por licenças médicas, promoções, férias, licenças prêmios, eventos cancelados, confirmados e despachos burocráticas vindos dos departamentos de manutenção e do serviço de segurança. Luen assinou um por um, de forma lenta e sonolenta.
— Agora somos nós duas! — Disse Luen de forma mecânica, como se fosse uma outra pessoa.
Alika não soube e nem tinha como saber, mas as câmeras de vigilância foram desativadas, assim como os aparelhos de escuta, secretamente instaladas no gabinete de Luen. As vigilâncias oficiais e secretas ficaram às cegas, naquele exato momento.
O que ficou evidente para Alika, foi parar de escutar o tique taque do relógio suíço cuco, do século XVIII e perceber a semi-escuridão, tomar conta do gabinete. Alika sentiu gélidas mãos a percorrer-lhe o corpo inteiro, assim como melodiosos sussurros sedutores, em uma língua estranha para ela. Alika fechou os olhos negros e abriu em uma piscadela, notando que não era Luen na frente dela, os olhos amarelos em chamas, um sorriso ebúrneo, uma pele alva de albina e vestes brancas. A estranha mulher flutuou de forma lenta para perto de Alika, enquanto ela estava paralisada. A mulher afro-albina, exalava os olores de matinais flores frescas, misturado com cheiro de sangue coagulado e carne putrefata. A mulher ergueu um punhal egípcio cruz ansata de ouro, e em um golpe rápido, a lâmina afiada cortou a carótida de Alika, ela sentiu o jorrar sangue quente a percorrer o seu próprio corpo e um grito estridente de horror, que não saiu da mente de Alika.
— Alika… Alika…? — Disse Luen, estando os dedos na frente de Alika! Ela ofereceu um cigarro mentolado a descendente de norte-africanos!
Tonta, a então segunda secretária de Luen, a confusa Alika, aceitou a oferta de Luen e, notou uma garrafa de uísque escocês, uma marca artesanal e importada, na mesa e dois copos. Luen, sorrindo, sacou um isqueiro de prata Cartier antigo. Em meio à confusão mental, Alika calculou que eram presentes de autoridades estrangeiras.
— Assustada meu venerado anjo negro? Hoje é dia de quebrar os protocolos, minha querida! — Disse Luen trazendo para si a outra que estava na frente dela.
Fragmento do livro: Sono paradoxal de Samuel da Costa, Escritor é poeta, contista e novelista em Itajaí, Santa Catarina.
Arte digital de Clarisse da Costa designer gráfico, novelista, contista e cronista em Biguaçu, Santa Catarina.
Trecho do livro “Um fragmentos de livro Sono paradoxal”, de Samuel da Costa