Apesar do descaso, sempre tem pessoas interessadas em promover a arte. Um forte exemplo disso é o Teatro da Rotina, espaço cultural independente criado há 6 anos por Leonardo Medeiros (da Globo).
Formado por 26 voluntários, o local já é destino certo para aqueles que querem música de qualidade, peças teatrais diversificadas, entre outras atrações.
Abaixo, você confere na íntegra, uma entrevista que fizemos com Bijou, curadora dos shows do teatro. Boa leitura!
Você como curadora dos eventos que acontecem na casa, sabe como o Teatro surgiu?
Bijou: O Teatro da Rotina – coletivo de voluntários sem fins lucrativos – foi fundado em 2012 por Leonardo Medeiros e, em 2014, ganhou sua sede no Baixo Augusta. Ainda em 2014, o TR debutou “PALAVRAS DA CHUVA”, sua primeira peça, e, em 2016, entrou em cartaz com “UM SOL CRAVADO NO CÉU DA BOCA”, seu segundo espetáculo. O projeto musical teve início em março daquele mesmo ano, mas meu ingresso na curadoria musical aconteceu somente em novembro de 2016. Penso os shows autorais que acontecem no Teatro da Rotina de acordo com os critérios do site Embrulhador, veículo do qual faço parte há quase dez anos junto ao projeto “Melhores da Música Brasileira” criado por Ed Félix. Os shows autorais acontecem de quarta a sábado, às 21h, e é a renda eventos musicais que propiciou a estreia de “O ESCAFANDRO DE PIRANDELLO”, nosso terceiro espetáculo em cartaz às segundas e terças, também às 21h, até 18 de dezembro de 2018. A atual soma de todas as bilheterias e produtos consumidos pelo público no TR é o que nos ajuda a manter portas abertas.
O que o Teatro da Rotina tem trazido de bom nesses 6 anos de existência? Tiveram eventos que chamaram mais a atenção?
Bijou: Por ser um espaço independente viabilizado a partir da renda proveniente de tickets e produtos vendidos nas apresentações e, mais ainda, a partir do trabalho voluntário aguerrido e constante de nossa equipe, acredito que o maior mérito do Teatro da Rotina nesses seis anos seja o combo engajamento + desprendimento de pessoas que integram nossos eventos. O engajamento envolve os voluntários que, por acreditarem na arte como missão, fazem da realização de cada show ou espetáculo um laboratório para a descoberta de novas aptidões. O desprendimento, ao meu ver, acontece por parte dos artistas que compreendem com extrema empatia o modus operandi do Teatro da Rotina.
Você tem a informação de qual foi a primeira peça ou evento que aconteceu no teatro? Como foi? E o que o Teatro da Rotina teve de evolução daquele período para esse ano?
Bijou: “PALAVRAS DA CHUVA”, de 2014, foi a primeira peça do Teatro da Rotina e um grande sucesso de público e crítica. Adaptado e dirigido por Leonardo a partir de um dos textos de Tennessee Williams, o espetáculo versava sobre as flutuações afetivas de um casal presentes na maioria de nós desde sempre. Acredito que a identificação do público com “PALAVRAS DA CHUVA” tenha acontecido porque somos uma sociedade líquida em que todas as esferas de nossas vidas se dissolvem o tempo todo. Nos investigamos minimamente e, como uma das funções do teatro é fazer que o público mergulhe em si para que a auto-análise remexa suas mazelas, “PALAVRAS DA CHUVA” veio como alento em meio a um boom de mídias sociais determinando muito de como nos relacionamos atualmente. Creio que a evolução do Teatro da Rotina desde 2014 esteja na montagem de outros dois espetáculos desde “PALAVRAS DA CHUVA” com atores que não estão mais conosco, mas sedimentaram espaço para que nossa terceira companhia desenvolvesse sua própria linguagem. No ínterim de cada ciclo teatral, a consolidação da programação musical do TR também desponta como diferencial entre o início das atividades no espaço, em 2014, até esse novembro de 2018.
Fale um pouco do seu trabalho à frente da curadoria musical e também faça um resumo do trabalho da equipe.
Bijou: Meu trabalho na curadoria musical do Teatro da Rotina teve início em novembro de 2016 com dois focos: o primeiro dizia respeito a realizar as audições dos materiais recebidos de acordo com critérios de análise que aprendi no Embrulhador. O segundo consistia em, a partir de line-ups mensais coesos, consolidar a programação do TR de forma personalíssima. Com esses dois focos ajustados, passei a também cuidar da produção dos shows em 2018 e, no primeiro semestre desse mesmo ano, o Teatro da Rotina foi selecionado pela Folha de S. Paulo entre os cinco principais espaços de som voltados para ouvintes exigentes. Ao longo dessa construção da programação musical, nossa equipe – integrada atualmente por 22 pessoas – começou a crescer com voluntários saídos de nossas oficinas de teatro ou novos agregados interessados em estudar/praticar produção cultural. É o alinhamento aguerrido desse time de voluntários que permite a realização de nossos eventos.
O que vocês estão preparando para esse mês de novembro que comemora os 6 anos da entidade?
Bijou: Para a celebração do sexto aniversário do Teatro da Rotina, elaborei a segunda edição do Novembro Festivo, programação musical especial em que recebemos de volta músicos que simbolizam nossa essência artística. Iniciado em 1°/11, o Novembro Festivo conta, ao todo, com 18 shows – sempre de quarta à sábado – sendo o line-up integrado por Federico Puppi, Jairo Pereira, Bratislava, Beto Mejía, Selma Fernands & Matheus Pezzotta, Materna Em Canto, Márcio Lugó, Felipe Antunes, Zéu Britto, Aloízio e a Rede, Young Lights, Tonho Penhasco, Felipe Câmara, Duas Casas, Consuelo de Paula e João Arruda, Ekena, Flavio Tris e André Abujamra. A edição de 2017 do Novembro Festivo foi voltada para apresentações mais homogêneas, mas em 2018 pensei a programação de aniversário percorrendo apenas dois extremos: a canção ou rock. Alinhado a isso tudo, como um presente ao nosso público, existem as apresentações de “O ESCAFANDRO DE PIRANDELLO” com entrada franca até 13/11 (sempre às segundas e terças).
Quais são as expectativas para 2019?
Bijou: Acredito que o maior desafio da arte – especialmente a que acontece de forma independente – seja tirar o público de casa e do conforto do Netflix e do iFood. Minha maior expectativa para 2019 é que o público do circuito independente se compreenda como parte essencial da engrenagem que mantém as portas abertas de espaços como o nosso.
Certamente, você tem algumas boas histórias e/ou curiosidades para nos contar, não é?
Bijou: Meu maior choque de realidade frente à curadoria musical foi perceber que grande parte dos músicos ou produtores confundem minha função com a de uma programadora que não necessariamente avalia os conteúdos que recebe. Ouço cada um dos discos recebidos, alinho as audições com minhas buscas estéticas aprendidas no Embrulhador e isso contraria muito do que alguns músicos – cujos discos não seleciono – esperam de mim. Sou uma mulher na música, conheci poucas curadoras desse setor até hoje e sempre me pergunto se os revezes atuais de minha função seriam tão recorrentes caso eu fosse homem. Em contrapartida, convivo cotidianamente com artistas que se tornaram meus irmãos escolhidos por causa da programação musical do TR. Vejo cada um deles como gênios perpétuos e de incrível sensibilidade por desconstruírem seus shows (e a si mesmos) para que eventos históricos, questionadores e provocativos sejam realizados conosco.