(Capa do EP)
Os problemas sociais estão cada vez mais vivos no repertório de Xana Gallo. Prova viva disso é o EP “Roda, Rodou”, com 3 faixas autorais que versam sobre a mulher, após Xana ter vivido momentos de turbulência em relacionamentos, política como no caso da faixa “Roda, Rodou”, que faz alusão ao regime militar, e ainda há espaço para “Lá em Casa”, cuja letra reflete a sociedade.
O EP que mostra uma artista mais madura e empoderada, sucede o álbum “Rota de Fuga” (2018). O EP tem produção de Diogo Strausz. Embalado no samba, o trabalho tem os talentos musicais de Danilo Andrade nos teclados, Stéphane San Juan e Patrick Laplan nas baterias, Tadeu Campany (Rio Pandeiro) na percussão e com a participação de Kassin em todas as faixas no baixo.
Vamos falar um pouco da faixa que dá nome ao EP. A letra de “Roda, Rodou” também tem como referência duas pérolas da MPB, ou melhor, de Chico Buarque e Gilberto Gil. Estamos falando de “Cálice” (1978 – Chico Buarque e Gilberto Gil) e “Roda Viva” (1968 – Chico Buarque), ambas as canções são representadas na lyric da canção, a primeira nos versos internos, e a segunda no próprio título.
Abaixo, confira na íntegra uma entrevista que fizemo com Xana Gallo a respeito do EP “Roda, Rodou”. Confira:
“Roda, Rodou” é uma canção linda e muito nostálgica, por relembrar os dois clássicos “Roda Viva” e “Cálice” da época do regime militar. Isso sem contar que a letra faz referência a uma possível volta desse regime. Gostaria muito que você falasse dessa música que dá nome ao EP.
“Roda, Rodou” é uma música que eu gostaria que mais pessoas conhecessem, pois tenho lido muito na internet as pessoas dizendo que “não se faz mais música de protesto”. Na verdade, se faz, sim, e esta música, por exemplo, veio do fundo da minha alma, é puro protesto e vontade de experimentar o livre andar, o ir e vir de qualquer pessoa, o livre manifestar, sem repressão ou truculência, ou até mesmo uma simples música de protesto, sem ameaças ou linchamento virtuais.
Devemos lembrar que as letras de suas canções do EP são bem politizadas e sociais. Qual a sua opinião referente aos assuntos abordados no trabalho?
Eu componho sobre o que me inquieta, sobre o que realmente mexe comigo, não componho sobre nada que me seja superficial, senão não teria nem vontade de levantar da cama para escrever. Estou sempre prestando atenção ao mundo ao meu redor e também, sempre gostei muito de política, desde criança, não foi à toa que me formei em sociologia. Mas, independentemente da minha formação, como compositora, escrevo sobre o que mais me inquieta ou me incomoda no momento e o que vem me incomodando são as perdas das liberdades individuais e, agora, coletivas. Também o período da pós-verdade que estamos adentrando, onde tudo pode ser e as grandes cabeças que um dia pensaram o método científico estão sendo desqualificadas por mensagens de WhatsApp. Pretendo gravar uma música sobre Paulo Freire.
As faixas do EP “Roda, Rodou”, parece serem envoltos ao samba. O que você tem a dizer sobre isso?
Na minha cidade, Pelotas-RS, as pessoas me conhecem como sambista. Eu sempre cantei samba, já tive algumas rodas de samba. Como eu já estava compondo bastante quando cheguei pra morar no Rio, eu não quis me mostrar num gênero só, pois muitas de minhas composições enveredavam para outros lados, que não o do samba, e também por entender que o samba é mais do que sair cantando samba (pelo menos ao meu ver). O samba tem toda uma história e uma raiz, que eu não tenho. E respeito muito isso. Mas se você me colocar numa roda de samba pra cantar a noite inteira, eu não faço feio, muito pelo contrário, vou adorar.
O que se passou na sua “alma” ao criar as canções do EP?
Essa angústia por querer ver as coisas sendo diferentes. Tanto dentro da casa das pessoas, quanto nas ruas.
Dando como exemplo a música “Lá em casa”, que aborda a questão da divisão de tarefas domésticas, ainda ontem fiquei muito tempo conversando com um músico muito amigo, mas que a todo o momento citava “a minha mulher”, “minha mulher”. São coisas muito naturalizadas, mas nunca vimos mulheres dizendo “meu homem”. E por isso esta música. Ontem eu não fiquei mais incomodada com o seu discurso, quando o próprio músico contava que ele até lavava louça, mas que panelas deixava para a “sua mulher”. O fato de eu já ter escrito uma música sobre a divisão de tarefas domésticas, ou seja, de eu já ter colocado aquela angústia pra fora, me deixou melhor. A propósito, muitas coisas me inquietam e tenho uma fila enorme de composições para finalizar ainda este ano.
É bem legal a sua preocupação com a liberdade…
Somente depois que passei por uma série de relacionamentos abusivos, e foi sobre eles meu primeiro álbum, o disco “Rota de Fuga”, é que eu soube o que havia acontecido. Enquanto eu estava em cada um desses relacionamentos, deixei de fazer muitas coisas, de ir em festas, de vestir determinadas roupas, de ir cantar em determinados bares, por acreditar que era correto e fazia parte de um relacionamento romântico abrir mão de certas coisas. Não me foi ensinado (nem a mim, nem às minhas amigas) o que era um relacionamento saudável. Fomos reproduzindo os romances das novelas e tudo o que o amor romântico tem a oferecer: cartas de amor, presentes, ursos de pelúcia, seguidos de longas cenas de ciúme, perseguições de carro… Deixei de fazer muita coisa. Deixei alguns dos meus sonhos mais profundos para trás.
Hoje sei o que houve e enxergo com nitidez o que aconteceu. Hoje, enxergo, que a liberdade é preciosa, mesmo que seja preciso conquista-la a marretadas.
Você tem alguma história ou curiosidade interessante para nos contar referente ao EP?
As músicas do EP foram escritas há alguns anos atrás. E é interessante ver como elas se tornaram, com o passar do tempo, mais atuais. “Roda, Rodou” foi escrita em 2013. Dei início à música “Não Rima (Gaslighting)” em 2010, quando eu tinha 25 anos. A mais recente é “Lá em Casa”, que acho que é de 2015.
Fique à vontade para falar algo que eu não perguntei e que você gostaria de ter dito.
Agradeço pela oportunidade de escrever um pouco mais sobre o meu trabalho.