5 de novembro de 2024
Música

Edson Zampronha e a música erudita Brasil afora (Entrevista-Opinião)

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Assim como muitos artistas, Edson Zampronha também teve seus primeiros contatos com a música através de sua família, em especial da sua mãe, Maria de Lourdes Sekeff, que estudava o Concerto para Piano nº3 de Beethoven enquanto aguardava o nascimento de Edson. Alguns anos depois, a presença influenciadora do pai do artista o levou a se reconhecer com um repertório mais inovador.

Tudo tinha como fim levar Edson a música erudita, mas suas influencias familiares o levaram também para as artes visuais. “Também realizei trabalhos de artes visuais por nove anos, e incorporo esta experiência em diversas obras como instalações sonoras, performances gestuais e partituras que incluem gráficos para improvisação por exemplo. Na verdade, no meu desenvolvimento pessoal as artes visuais se fundiram com o som, que passou a ser uma espécie de matéria plástica para mim”.

Com o apoio incondicional da família, Edson passou a apresentar suas músicas, entregando partituras próprias para intérpretes, começou a dar aulas em pequenas escolas de música, participou de orquestras afim de fazer inúmeros concertos. E foi assim que sua música foi apresentada em vários festivais, se tornando inclusive professor de composição na Unesp.

“Depois ganhei dois prêmios APCA e o prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia. Pouco a pouco passei a ser compositor convidado de estúdios internacionais e depois fui convidado a lecionar na Espanha. Nestes mais de 30 anos conheci músicos maravilhosos e aprendi muito com todos”.

A crítica do senso comum também faz parte do pensamento de Edson através de seus estudos musicais, principalmente quando se tornou doutor em Comunicação e Semiótica. Umas suas incógnitas era a questão do sentido da música na vida das pessoas. “Sempre quis entender como é possível que uma sequência de sons de qualquer tipo pode ter sentido para nós, e porque outra sequência pode não ter sentido algum”.

Outra incógnita de Edson é o “conhecer para entender”, ou seja, o músico procura sempre investigar o que irá produzir ou gravar. “Se eu entendo profundamente como funciona a construção do sentido musical, eu passo a ter em minhas mãos a melhor ferramenta criativa que posso desejar. Posso usar sons não-convencionais, organizar estes sons de forma completamente diferente, apresentar esta música em circunstâncias as mais diversificadas e não habituais, e ainda assim a experiência musical, embora nova, adquire forte sentido musical”.

Essas investigações de Edson o levou a encontrar um sentido na música, ao unir a novidade com a comunicabilidade, o que gerou ótimos resultados. “Fui encontrando e construindo a resposta sobre o sentido musical pouco a pouco, e a cada passo minha música mudava. Depois eu criava uma música que era um desafio para minha resposta, e a resposta mudava. Hoje tenho uma ótima resposta, mas quem sabe ela não muda uma vez mais?”.

 

 

Opinião de Edson Zampronha  

sobre modismos e música erudita

 

Como você enfrenta os modismos musicais (sucessos meteóricos), e a música popular brasileira? Ou de certa forma, você consegue alinhar a música popular dentro do seu jeito de compor e reproduzir?
A música popular brasileira é uma das mais ricas do mundo. Eu admiro a musicalidade brasileira, em todas as suas formas e estilos, e me sinto parte disso. Essa musicalidade altamente criativa unida à capacidade de fundir com grande flexibilidade elementos musicais díspares é notável. Essa é uma das características mais importantes que compartilho também em minha música. Os sucessos meteóricos e os modismos sempre existem, em todos os tipos de música, mas eu não observo a música a partir desta perspectiva. Confio em meu próprio julgamento, e posso admirar uma música que seja conhecida ou não. O que estou buscando não se reflete necessariamente na moda ou sucesso de público. O que busco é o potencial transformador que uma música pode exercer sobre nós, especificamente sobre nossos hábitos de escuta. Esta qualidade muito especial, que é capaz de reinventar a música, pode aparecer ou estar latente em repertórios os mais diversos. Por isso é importante estar atento para encontrar estas pérolas musicais e aprender com elas, explorando as oportunidades e caminhos novos que podem nos oferecer.

 

Pegando carona na pergunta anterior, para você, qual a importância da música erudita no meio artístico, e em especial no Brasil?
Acredito que diferentes músicas exercem funções também diferentes, tanto no âmbito criativo quanto social. A música popular e a erudita apresentam funções distintas. Mas o certo é que estas classificações são muito genéricas. Existe todo um mundo de músicas diferentes dentro do que se chama música erudita e popular, e todas podem ter sua grande importância e valor. A música experimental (que é a que eu faço) explora novos campos da sensibilidade e da expressão, novas sensibilidades que o mundo atual propõe. O mundo mudou, e a forma como somos sensíveis ao mundo também mudou. Há novas músicas, frequentemente experimentais, que exploram justamente estes novos campos da sensibilidade que se abrem hoje. O público requer muito mais interatividade com as obras e está imerso nas novas tecnologias, as fronteiras entre o público e o privado se alteram constantemente, e há um conceito novo de comunicação que atinge em cheio as artes e que requer uma nova postura dos criadores. Tudo isso altera substancialmente os hábitos e formas de escuta musical do público. Hoje há músicas experimentais, diferentes das tradicionais músicas clássico-românticas do século XIX, que são feitas especialmente para tocar estes novos campos da sensibilidade. São músicas realmente diferentes, que oferecem um rico mundo sonoro que pode se abrir aos ouvintes justamente porque fala uma linguagem nova, adaptada às novas formas de escuta, e que podem produzir experiências originais e muito criativas. Isso é o que oferecem várias músicas atuais como as experimentais. E o fato de explorarem artisticamente estes novos campos da sensibilidade é o que dá a estas músicas sua importância. O ouvinte só tem a ganhar ao explorar este novo campo de experimentações que se abre em uma multiplicidade de formas atualmente.

 

Outra pergunta: qual é o atual estado da música erudita em nosso país? Como ela está se desenvolvendo, manifestando e se reciclando?
No Brasil há muitos músicos que se dedicam à música erudita experimental e que são grandes talentos, grandes compositores e intérpretes, e que constantemente apresentam resultados surpreendentes. Depois de nove anos vivendo na Europa, sempre que vou ao Brasil observo que o público brasileiro está aberto a entrar em contato com as novas propostas atuais. Tudo consiste em fazer que esta música chegue ao público. Neste sentido, valorizo de forma muito positiva eventos de destaque como o Festival de Música Contemporânea Brasileira (no qual fui homenageado neste ano junto com Hermeto Pascoal), as Bienais de Música Brasileira Contemporânea, e excelentes Festivais fora do eixo Rio-São Paulo, como o Festival de Música Contemporânea Brasileira de Mato Grosso, entre outros. A música erudita experimental amadureceu muito nas últimas décadas, tanto na composição quanto na interpretação, pesquisa e ensino. Também considero de grande valor a presença cada vez maior de mulheres compositoras. Há uma força transformadora na música brasileira que é notável. A criatividade da cultura brasileira, em todas suas áreas, é riquíssima. Considero este um enorme potencial cultural que pode dar impulso a novas formas originais de pensar e fazer música que fala diretamente ao público atual.

 
E qual o maior desafio em fazer música clássica no Brasil?
Os desafios sempre existem, e as circunstâncias de cada país ou região dão matizes diferentes a estes desafios. Eles não podem ser eliminados, mas podem ser superados. Embora os desafios externos sempre existam, continuo achando que os mais difíceis de superar são os internos. O medo, por exemplo, é um deles. O medo de errar, de não conseguir, de receber um “não”… isso faz que nos concentremos mais no medo que na meta que queremos atingir, produzindo uma forma de paralisia nos leva a deixar de ver as possibilidades que de fato temos realmente, e nos leva a agir erroneamente. Devemos aproveitar as oportunidades abandonando a ideia de que há um caminho certo ou ideal que deva ser percorrido. Este caminho ideal não existe. Cada pessoa tem seu próprio caminho, e um não é melhor que outro. Aliás, é a soma das experiências que cada um vive que termina por dar forma à nossa visão particular daquilo que fazemos em música. Nossas experiências nos tornam singulares. Devemos aprender com elas, porque é delas que vem os conteúdos que vamos trabalhar posteriormente em nossa arte. Os desafios, visto desta forma, são nossos aliados, e nossos erros são nossos melhores professores. Desde que o mundo em que vivemos não seja tão cruel ao ponto de erradicar qualquer chama criativa que temos dentro de nós, podemos ser artistas realizados na vida, produtivos, construtivos, participativos, e felizes fazendo aquilo que decidimos ser o grande objetivo de nossas vidas.

 

 

 

 

 

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.