Somos uma revista de arte nacional, sim! No entanto, em respeito à inúmeras e valiosas sugestões que recebemos de artistas de diversas partes do mundo, criamos uma playlist chamada “Além da BR”. Como uma forma de estende-la, nasceu essa publicação no site, que agora chega a sua 259ª edição. Neste espaço, iremos abordar alguns dos lançamentos mais interessantes que nos são apresentados.
Até o primeiro semestre de 2024 publicávamos também no formato de texto corrido, produzido pela redação da Arte Brasileira. Contudo, decidimos publicar apenas no formato minientrevista, em resposta aos pedidos de parte significativa dos nossos leitores.
Dodo Bird – “Goodbye Earth” – (Israel)
– Qual é a melhor descrição dessa música, seu conceito geral? É a segunda faixa do álbum conceitual “Sedna: I’m Waiting For You“, que conta uma história de ficção científica sobre um astronauta que rouba uma nave espacial para voar para o planeta anão Sedna, onde ele espera encontrar um alienígena com quem ele se comunica telepaticamente desde a infância. Nesta música, o astronauta – Capitão Jonah Ze’ev – faz sua fuga e parte para Sedna.
– Especificamente, o que você está dizendo na letra da música e qual é a sua mensagem? A letra é uma conversa entre o Capitão Ze’ev e dois administradores da NASA via rádio. O Capitão Ze’ev anuncia seu plano de pegar a nave espacial Henrietta Swan Leavitt que estava programada para voar da Lua para Marte, e declara que está prestes a levá-la para Sedna, um planeta anão nos confins do Sistema Solar. Por sua vez, os administradores da NASA tentam, e falham, persuadir o Capitão a abandonar esse plano e ficar na base da Lua.
– O que desencadeou a composição? Musicalmente, como você a descreveria? Eu tive uma ideia há muito tempo, e se eu pegasse a forma reggae da música, mas adicionasse a ela harmonias barrocas? Eu pensei que o resultado poderia ser realmente interessante e agradável de ouvir, e eu tentei essa ideia misturada com muitos sons espaciais, e até mesmo alguns “sons” que foram gravados no espaço convertendo frequências de corpos cósmicos em ondas sonoras. No entanto, o trabalho no álbum foi adiado por vários anos, e durante esse tempo eu fui muito inspirado pelo gênero pós-rock, e da mesma forma a música transita no meio de reggae/barque/sons espaciais para uma espécie de épico pós-rock dramático que encapsula o drama e a possível tragédia da louca busca do Capitão Ze’ev.
– O que essa música diz sobre seu país, Israel? Acho que ela não diz nada sobre meu país. É realmente uma história universal que poderia ter acontecido em qualquer país, uma busca por companheirismo em um universo solitário, brincando com a ambivalência de uma possível ilusão ou uma conexão real com seres transcendentais/extraterrestres. Talvez a relevância para meu país, Israel, seja que é uma história de fuga, e nossa realidade em Israel durante esse tempo de guerra realmente me faz desejar poder escapar para outro planeta às vezes, mas a verdade é que eu realmente vejo essa música e todo o álbum como universais, pessoais e psicológicos, e não políticos ou satíricos.
Respostas Dodo Bird
Newbridge – “Centuries” – (Canadá)
– Que reflexão você teve para que essa composição nascesse? Eu era muito desconfiado do amor depois de alguns relacionamentos tumultuados, mas quando conheci minha futura esposa, foi como se eu estivesse dormindo há séculos. Ela me mostrou o caminho de volta.
– O que a letra diz e sua mensagem para o mundo? Ele gira e se revira como alguém em uma aventura, cheio de altos e baixos, sem saber o que vai acontecer a seguir
– Você pode dizer com qual artista ou banda essa música se parece? Nathaniel Rateliff, Pink Floyd, Fats Domino
– O que essa música representa na sua discografia? É um pouco diferente das nossas raízes americanas
– Há algo curioso que você gostaria de destacar? Originalmente inspirada no R&B clássico dos anos 60, a música evoluiu para adotar uma pegada mais dramática e cinematográfica, gerando comparações com “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones, e “The Great Gig in the Sky”, do Pink Floyd. A tensão entre suas letras esperançosas e o pano de fundo instrumental melancólico é intensificada pelo uso de acordes emprestados e uma performance vocal evocativa de Amber Woodhouse, levando a música a um novo e ousado território sonoro.
Respostas Newbridge
Adam Ahuja x Gavi Grodsky x Radiccio Nash – “Stars In A Box” – (EUA)
– Primeiramente, o que inspirou essa música? Adam: Essa música foi inspirada pelo desejo de três amigos/colegas músicos de Nova York de colaborar (um dos músicos se mudou recentemente para Los Angeles). Queríamos ser criativos e fomos inspirados a seguir uma direção jazz-fusion e ver o que acontece em um formato de trio!
– A letra, o que ela diz e qual é a sua mensagem? Adam: Acho que é importante destacar que as pessoas podem chegar a interpretações diferentes, e esses significados também podem mudar com o tempo. Então, às vezes, resisto a compartilhar uma interpretação para permitir uma experiência aberta às pessoas, mas sinto-me compelido a compartilhar reflexões sobre isso seria proveitoso!
Uma interpretação que continua voltando para mim é que nossas tentativas de agarrar o controle podem às vezes nos prender à arrogância se não tomarmos cuidado. Esse é extraordinariamente o caso quando nos leva a acreditar que podemos capturar algo tão precioso quanto o universo inteiro em nossas mãos, por exemplo: “envie-me as estrelas em uma caixa” – entregue sob demanda! Óculos de realidade virtual, IA, o metaverso e até mesmo plataformas de mídia social estão imitando nossos mundos naturais… mas embora tenham valor contextual, eles são realmente substitutos dignos? Eu não acredito que sejam…
Gavi: Para mim, é sobre um universo escondido muito distante que será dado a quem o descobrir. A letra evoca a jornada de um sonhador, sugerindo que as estrelas, escondidas em uma caixa, são feitas para serem encontradas e se abrirão no momento certo…
Danny: Para mim, “estrelas em uma caixa” representam como as celebridades estão presas dentro de nossos telefones. As mídias sociais fazem parecer que temos acesso às suas vidas, mas, na realidade, são apenas imagens e momentos contidos em uma tela, criando a ilusão de conexão.
– Como você pode resumir o conceito musical disso? Adam : A melodia é muito groove-driven, e muito nervosa na seção rítmica, e essa ponta é complementada/contrabalanceada por uma orquestração mais clássica e delicada por toda parte (ou seja, celeste, flauta, trompetes, pads de sintetizador). O vocal principal é uma única linha recorrente expressa sobre algumas variações temáticas. Musicalmente, há riffs e melodias que conduzem a composição, ao contrário de uma progressão de acordes superclaramente definida, por exemplo. Acho que isso permitiu que a música formasse mais um clima, e nos deu espaço para experimentar conforme a composição da faixa progredia.
– Descreva como foram os processos de produção musical e gravação em estúdio. Adam : Foi principalmente remoto! Essa era a ideia, já que Danny agora mora em Los Angeles, tendo se mudado de Nova York. Gavi e eu ( Adam ) inicialmente nos reunimos pessoalmente e rascunhámos as peças na casa de Gavi em Nova York, e começamos a gravar as coisas. Então, passamos remotamente a peça de pessoa para pessoa, duas vezes. Durante essa fase, escrevemos a música, adicionamos novas partes e arranjamos a peça. Uma vez que a tínhamos onde gostávamos da composição, Danny então mixou e masterizou a faixa.
Quanto à letra, ela foi improvisada no momento; apenas uma linha que saiu. Parecia misteriosa e interpretativa. O fato de que a linha se repete ao longo da música é uma escolha estilística que parece reflexiva e meditativa, o que eu gosto.
– Há algo interessante que você gostaria de destacar? Adam : A melodia estranha que começa durante a batida no começo da música tem uma origem bem legal. Originalmente era uma linha de sintetizador improvisada, que era restrita a uma performance de 2 oitavas devido ao tamanho do controlador midi. Por causa desse espaço limitado, isso deu origem a reviravoltas na melodia de maneiras que provavelmente não teriam sido feitas de outra forma. Depois, ajustamos talvez uma ou duas notas, então harmonizamos a melodia inteira, tocando-a nas teclas e na guitarra. Então, adicionamos todos os tipos de efeitos lo-fi na guitarra e nas teclas, bem como efeitos estéreo, então é quase como se você nem tivesse certeza de qual(is) instrumento(s) está ouvindo mais!
Além disso, Gavi e eu ( Adam ) temos um projeto de banda de longa data “The Flowdown”, com o qual Danny tocou no passado – um destaque divertido para adicionar. Confira a banda se você curte essa música!
Respostas Adam/ Gavi/Danny
JIMKEN – “Trouble Lifts Us (feat. DSB & Alyssa Jane) [Neon Horizon Remix]” – (Dinamarca)
Obrigado pela oportunidade e por incluir “Trouble Lifts Us (Neon Horizon Remix)” no ALÉM DA BR. Agradeço o apoio! Abaixo estão minhas respostas às perguntas da entrevista:
– Quando, com e por que essa composição surgiu? “Trouble Lifts Us” começou como uma faixa de hip-hop/pop sob meu pseudônimo principal, Jimmy Kennet. Mas eu queria dar a ela uma nova vida no mundo do synthwave, então criei “Trouble Lifts Us (Neon Horizon Remix)” sob meu projeto synthwave, JIMKEN . A ideia por trás desse remix era fundir a nostalgia dos anos 80 com a energia moderna, mantendo a emoção central do original enquanto o transformava em algo atmosférico e cinematográfico.
– E nesse sentido, o que especificamente você diz na letra, e qual é sua mensagem? A letra fala sobre resiliência e crescimento pessoal — como as lutas nos moldam e nos elevam mais alto em vez de nos destruir. É uma música sobre superar os momentos sombrios e encontrar força na jornada, com o coro feminino carregando esse peso emocional de uma forma poderosa.
– Em termos musicais, o que você está propondo? Este remix mistura influências modernas de chillsynth com um toque clássico de synthwave. Ele tem pads sonhadores, melodias atmosféricas e baterias saltitantes, mas vigorosas, influenciadas por artistas como Adieu Arou e Voyage. Meu objetivo era criar uma música que parecesse um passeio emocionante iluminado por neon pela noite — uma mistura de nostalgia e energia futurística.
– É possível estabelecer uma ligação entre essa música e seu país? Eu moro na Dinamarca e, embora o synthwave seja frequentemente associado a influências americanas e francesas, há uma crescente cultura de synthwave e música eletrônica no norte da Europa. A música carrega um tema universal, mas seu som se alinha bem com a cena de música eletrônica europeia que aprecia composições oníricas, cinematográficas e nostálgicas.
– Há alguma curiosidade que você gostaria de destacar? Sim! Um fato engraçado é que, embora eu produza principalmente hip-hop e synthwave, “Trouble Lifts Us (Neon Horizon Remix)” marca uma mistura especial dos dois mundos. Também faz parte do meu objetivo apresentar o synthwave a mais pessoas que normalmente não o ouvem. A faixa foi criada para ressoar tanto com os fãs de música eletrônica com infusão de rap quanto com aqueles que amam o brilho neon puro do synthwave.
Respostas JIMKEN
Alexander Paul Burton – “You Cause It” – (Canadá)
– O que inspirou a criação desta música? “You Cause It” nasceu da frustração—aquele sentimento que cresce quando as emoções se tornam esmagadoras, quando o amor se transforma em um campo de batalha confuso e quando você fica se questionando sobre tudo. A letra fala desse sentimento cru e sem filtros de estar preso em um turbilhão emocional. O amor deve ser algo bonito, mas também é caótico, frustrante e muitas vezes imprevisível—especialmente para nós da comunidade LGBTQ+, onde os relacionamentos podem ser ainda mais complexos.
Seja navegando por questões de identidade, lidando com expectativas sociais ou tentando entender onde você se encaixa, as emoções podem atingir como uma tempestade, e é exatamente isso que essa faixa expressa.
Como imigrante, esse tema ressoa ainda mais profundamente. Saí do Reino Unido para o Canadá, trazendo também minha herança suíça, e senti o peso das diferenças culturais—como diferentes lugares abordam relacionamentos, expectativas e responsabilidade. As culturas britânica, canadense e suíça têm uma certa rigidez às vezes, uma espécie de “manual de regras” implícito sobre como as coisas devem ser. Os suíços, por exemplo, são obcecados por precisão e pontualidade, e isso definitivamente moldou meu senso de estrutura e responsabilidade. Mas as emoções não seguem um cronograma, o amor não tem um roteiro claro, e a frustração se torna inevitável. Esta música é minha maneira de expressar essa luta entre paixão e razão, liberdade e restrição, amor e confusão.
– O que a letra diz e qual é sua mensagem? No fundo, “You Cause It” fala sobre turbulência emocional. É sobre aqueles momentos em que nada faz sentido, quando o amor muda de um abraço caloroso para uma tempestade que deixa você à deriva. A letra reflete a frustração de tentar se comunicar, entender e dar sentido aos sentimentos do outro enquanto lida com os seus próprios.
Isso é algo que muitas pessoas LGBTQ+ experimentam nos relacionamentos—não apenas os românticos, mas também na forma como lidamos com a família, as amizades e a nossa própria identidade.
Há também uma mensagem mais profunda sobre responsabilidade. Algumas culturas, como as em que cresci, enfatizam muito a importância de assumir a responsabilidade por tudo, mesmo quando não é sua culpa. Esse pensamento pode ser empoderador, mas também sufocante. A música questiona isso—lembrando-nos de que às vezes as coisas simplesmente acontecem, as emoções fogem do controle, e você não precisa carregar o peso de tudo.
– Como você pode sintetizar o conceito musical dela? Musicalmente, “You Cause It” é uma faixa moderna, energética e dinâmica que mistura EDM com elementos neoclássicos acelerados. Há uma tonalidade subjacente que reflete tanto o caos quanto a resolução, criando uma jornada musical que espelha a imprevisibilidade das emoções. A estrutura é intensamente deliberada, com variações orquestrais e camadas intricadas que constroem tensão antes de liberá-la em ondas eufóricas.
Uma grande influência para mim é Paul Simon e seu álbum “Graceland“—não apenas pela composição lírica, mas pela forma como ele criou instrumentais ricos, camadas profundas e melodias envolventes. Tento fazer o mesmo no meu trabalho, focando tanto na produção instrumental quanto na composição da letra.
Nos últimos 15 a 20 anos, explorei diferentes estilos e sons, e depois de uma pausa de cinco anos na produção musical, esta faixa marca meu retorno—trazendo tudo o que aprendi em uma peça que é pessoal, intensa e profundamente conectada às minhas experiências.
– Podemos dizer que a música tem traços da cultura e da arte do seu país? Com certeza! Cresci no Reino Unido, sou também canadense e suíço, e todas essas culturas influenciaram minha música. O Reino Unido tem uma rica história musical, desde a música clássica até a eletrônica e o folk, e isso moldou minha abordagem à produção. Os suíços, com sua obsessão por precisão e detalhes, me ensinaram a ser meticuloso na composição—às vezes até demais! E o Canadá, com sua diversidade cultural, me abriu para uma variedade de sons e perspectivas, permitindo-me misturar gêneros e experimentar novas ideias.
“You Cause It” reflete tudo isso. Os elementos orquestrais remetem ao meu treinamento clássico, os ritmos eletrônicos intensos são inspirados na cena de música dance do Reino Unido, e a profundidade emocional vem da minha experiência como alguém que viveu entre diferentes culturas, sempre navegando entre identidade, pertencimento e expressão.
– Há algo de curioso nesse lançamento que você queira destacar? Além do tema do amor e da frustração, “You Cause It” também carrega uma mensagem forte sobre saúde mental e empoderamento. Muitas vezes, internalizamos a culpa, especialmente em culturas que enfatizam a responsabilidade pessoal. Mas parte do autocuidado é reconhecer que nem tudo está sob nosso controle.
Sou um grande defensor da saúde mental, e esta música serve como um lembrete de que você não precisa se sentir culpado por algo que não é sua culpa**.** As emoções podem ser confusas, imprevisíveis, e tudo bem sentir isso. Esta faixa é um convite para reconhecer suas emoções, abraçar a confusão e, acima de tudo, não se cobrar tanto.
Para mim, “You Cause It” não é apenas sobre minhas experiências pessoais—é sobre criar algo que ressoe com qualquer pessoa que já se sentiu sobrecarregada pelo amor, pelas expectativas ou pelo peso de tentar entender tudo.
Respostas Alexander Paul Burton