6 de outubro de 2024
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CONTO: O Operário Dedicado e O Regozijo do Aposentado (Gil Silva Freires)

Seo Leocádio era o tipo de homem totalmente estável e mantivera o mesmo emprego durante toda a vida. Se haviam aqueles que vestiam a camisa da empresa, seo Leocádio vestira conjunto completo, inclusive cuecas empresariais.

Foram mais de quarenta anos de trabalho ininterrupto, abrindo mão, inclusive, da maior parte das férias e não faltando nem em dia de gripe forte, jogo do Brasil na Copa ou morte de parente. Seo Leocádio cumpria religiosamente seus horários, sem atrasos ou prolongamento da hora do almoço. Cumpria todas as horas extras que surgissem, jamais participou de reivindicações de qualquer ordem, ficava longe de sindicatos. Queria ser lembrado como o melhor funcionário em toda a história daquela tecelagem paulistana.

A família vinha insistindo havia muito tempo pra que Seo Leocádio fizesse um acordo com o patrão e antecipasse a aposentadoria.

– De jeito nenhum! – ele sempre dizia. – Vai ser no tempo certo, nenhum dia a mais, nenhum dia a menos!

– O senhor não acha que já provou tudo o que tinha que provar? – questionava o filho, orgulhoso do profissionalismo do pai.

– Há mais de quatro décadas eu espero pelo momento dessa aposentadoria na data exata. Quero ver o patrão chegando e me dando um abraço de parabéns pelo dever cumprido. E agora faltam poucos meses.

Seo Leocádio tinha uma ligação muito profunda com a tecelagem e todo aquele tempo fizera com que amasse aquelas grandes instalações como sua própria casa ou talvez mais. Por isso queria aproveitar até o último dia, quando teria que se afastar por força das leis trabalhistas.

Os meses passaram e chegou a semana da aposentadoria. Seo Leocádio andava pela firma radiante de orgulho com os cumprimentos que recebia dos companheiros:

-Aí, Seo Leocádio. Vai ficar só no sossego, agora.

– Parabéns, Seo Leocádio.

Na véspera, prepararam um churrasco em homenagem a Seu Leocádio ali na empresa. O patrão veio cumprimentar o funcionário modelo:

– Seo Leocádio, amanhã é o grande dia, hein?

Quando terminou o churrasco, ele fechou a firma, como de praxe, e foi pra casa dormir o sono da missão cumprida. Chegara, afinal, o grande dia da aposentadoria.

De madrugada, Seu Leocádio vestiu o melhor terno, ajeitou a gravata que nunca usava, entrou no carro seminovo comprado com os adicionais do trabalho e foi pro último dia de trabalho.

Quando se aproximava da tecelagem, passaram por ele dois caminhões do Corpo de Bombeiros. Sentiu um pressentimento estranho, que se justificou quando ele viu as labaredas que tomavam conta de tudo. A empresa que ele tanto amava havia sido totalmente destruída por um incêndio.

– Mas eu ia me aposentar hoje… – gaguejou Seu Leocádio, em estado de choque.

Lembrou-se que, na correria da noite anterior, havia esquecido de apagar as brasas da churrasqueira…

Levou as mãos ao peito e morreu ali mesmo, vítima de um infarto fulminante, diante do que sobrara de seus quarenta anos de dedicação.

Escrito por Gil Silva Freires em 29 de fevereiro de 1996

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Fundador e editor da Arte Brasileira. Jornalista por formação e amor. Apaixonado pelo Brasil e por seus grandes artistas.